Tempestade devastadora provoca destruição e pânico em Santos

Esses dois bombeiros, dos muitos que foram convocados para o serviço de remoção de escombros, trabalhando dedicadamente, dia e noite, estão sobre enormes pedras, que se deslocaram da calota granítica do morro de Santa Terezinha e se precipitaram sobre os chalés situados na encosta desse promontório, dizimando mais de duas dezenas de criaturas humildes

Dia 1º de março de 1956, quinta-feira, 12h30. Uma enorme massa de nuvens negras, carregada, paira sobre a cidade de Santos, trocando repentinamente a confortável e tranquilizadora luz natural por uma sombra escura, ameaçadora. Sinal de chuva forte, previam os santistas pelas ruas do Centro, apertando o passo para não serem pegos ao relento, privados da proteção ao que viria pela frente.

Duas horas mais tarde, as primeiras gotas prenunciavam o que aconteceria mais à frente, um dos maiores temporais enfrentados pela cidade em sua história, ao menos na vaga lembrança dos que já corriam em busca de abrigo, o mais próximo que conseguiam.

A chuva logo se transformou em temporal, aumentando de intensidade no avançar da tarde. Somada à alta da maré já prevista para aquele dia, com ápice às 18 horas, as águas pluviais não encontraram escoamento pelos sistema de canais, na direção do mar, e a cidade imergiu. Inundações foram registradas em todos os setores de Santos. Os canais transbordaram, as galerias acabaram obstruídas por toda sorte de entulho e as principais ruas dos bairros se transformaram em verdadeiros rios, chegando a atingir meio metro em vários locais.

Os serviços de transporte coletivo, tanto por ônibus quanto bonde, foram paralisados, deixando a população desarvorada. Milhares de crianças ficaram presas em suas escolas, sem ter a mínima chance de voltar para casa. A situação era de total apreensão.

MORROS: MORTES E ESTADO DE CALAMIDADE
Se as coisas estavam caóticas na cidade baixa por conta das inundações, no alto dos morros santistas, o problema era outro, ainda pior: os desbarrancamentos. As chuvas violentas ocasionaram deslocamento de pesadas camadas de terra nos morros de S. Bento, Itararé, Castelo, Bufo e, com maior intensidade, no Marapé, onde vários chalés desabaram, registrando mortos e feridos. Os bombeiros de toda a região foram acionados para prestar socorros às vítimas.

No Morro de S. Bento, ligação 16, em um chalé arrastado por lama e pedras, os bombeiros encontraram o corpo do operário José André e de duas crianças, a primeira de um ano e meio e outra de seis anos de idade. Outras mortes foram registradas nos morros do Itararé e no Monte Castelo.

AUTOMÓVEL CAI NO CANAL 2 E MOTORISTA MORRE AFOGADO
Com todos os canais transbordados, o perigo era duplicado. No canal 2, por exemplo, as duas pistas inundadas da Avenida Bernardino de Campos confundiam quem passava por lá. Às últimas horas da tarde, um automóvel acabou mergulhando nesse canal, e, em consequência, provocou a morte de Leonor Campos Del Nero, saindo feridos ainda Zizi Silveira Franco, com gravidade, e, de natureza leve, José Dionísio Pinho.

A cidade ficou literalmente debaixo d’água naquele 1º de março de 1956

LUTO, LAMA E LÁGRIMAS
O bairro do Marapé foi o mais atingido pela tempestade. As imagens da tragédia acabaram percorrendo o país inteiro. A Rua Godofredo Fraga, sobre a qual desabou parte da encosta do morro de Santa Terezinha, ficou totalmente tomada por entulho, lama e pedras. Nos dias seguintes, o bairro viveu o drama intensamente, como registrou o jornal A Tribuna em sua edição do dia 3 de março: “Só ontem, avaliada em sua extensão, sem que ainda se possa precisar o número de mortos, a catástrofe destruiu vinte residências, segundo informações da Prefeitura de Santos. Entre os mortos, a maioria é de mulheres e crianças. Os chefes de família, em grande parte, ainda não haviam regressado do trabalho por causa da dificuldade do transporte que a fúria dos elementos provocou. Foi indescritível o desespero desse homens, quando, de volta, atingiram o local do desastre, não encontrando mais suas casas, suas esposas, seus filhos. A avalanche de lama e pedra foi horrorosamente arrasadora”.

ENTULHOS COM ANIMAIS MORTOS COLOCADOS NA PRAIA
Dada a urgente necessidade para iniciar os serviços de salvamento, naquela mesma noite de 1º de março, uma vez que chuva havia tornado intransitáveis as saídas da cidade, os entulhos, retirados do bairro do Marapé, tiveram que ser descarregados na praia do José Menino, a fim de que os caminhões pudessem voltar, rapidamente, ao local da catástrofe, onde faziam o carregamento da terra para a rápida desobstrução do local a fim de agilizar a busca por possíveis vítimas. No dia seguinte, entretanto, os escombros tiveram de ser transportados rapidamente para outro lugar, uma vez que passou a exalar forte cheiro, por conta dos animais mortos que vieram com ele.

EXÉRCITO E VOLUNTÁRIOS SE DESDOBRAM PARA TENTAR SALVAR VIDAS
Os serviços de remoção dos escombros intensificaram-se no amanhecer do dia 2 de março. Só então foi possível uma completa orientação nos trabalhos de desentulho. Soldados da Aeronáutica, Marinha, Exército e Força Pública, além de centenas de trabalhadores da Prefeitura, do D.E.R. e um número incontável de voluntários cumpriram a dolorosa tarefa de procurar os mortos soterrados, escavando, pacientemente, palmo a palmo, a terra desabada sobre aquele trecho do Marapé. No transporte do entulho já escavado foram empregados caminhões, carretas, escavadeiras e tratores.

O governador de São Paulo, Jânio Quadros, esteve inspecionando os trabalhos de socorro pessoalmente.

GOVERNADOR FICOU EM SANTOS DURANTE OS TRABALHOS DE SALVAMENTO
O então governador de São Paulo, Jânio Quadros, permaneceu em Santos, assistindo aos serviços de remoção dos escombros e determinou a tomada de diversas providências em socorro dos feridos, das vítimas e suas famílias, desde as 22 horas do dia 1º até as 7 horas da manhã do dia 3. Juntamente com o então prefeito Antônio Feliciano, durante oito horas seguidas, Jânio dirigiu pessoalmente os trabalhos no local do desastre.

 
INUNDADA A VILA MATIAS, A CIDADE FICOU SEM LUZ E SEM TRANSPORTE
O Monte Serrat foi o morro que mais sofreu desabamentos durante o temporal. Na altura da Vila Mathias parte do desbarrancamento atingiu os fundos do prédio onde se encontravam instalados os geradores da Companhia City. Ainda na encosta, diversas grandes pedras deslocadas ameaçavam ruir. A cidade ficou sem energia elétrica, porque diversos setores tiveram de ser desligados, principalmente nos locais onde as avalanchas atingiram os fios de alta tensão. A casa de máquinas da Companhia City foi inundada e os fios de transmissão de alta voltagem tiveram de ser desligados. Somente no dia 2 pôde ser feito o escoamento e a secagem das ligações. Entretanto, a encosta continuava ameaçando as instalações da companhia. A parte que estava mais ameaçada, pelas pedras deslocadas e que ainda se encontravam ao longo de toda a escarpa do Monte Serrat, naquela altura, era justamente o gerador central. Se fosse atingido, provocaria, por muito tempo, a paralisação quase total de Santos, o que de fato, acabou não acontecendo. No dia 3 a City iniciou os serviços de proteção à sua unidade central, depositando entre o morro e o gerador uma enorme quantidade de pedra britada, a fim de amortecer os blocos que possivelmente poderiam rolar da encosta. Após essa providência, a City construiu um forte muro de arrimo e, com auxílio de elevadores, removeu as pedras suspensas na escarpa.

TIME DE FUTEBOL PERDE QUASE TODA A EQUIPE NA TRAGÉDIA
O quadro do Brasil Futebol Clube morava, quase todo, no morro do Marapé, no trecho compreendido entre a rua Carvalho de Mendonça e Napoleão Laureano. Muitos perderam sua vida, deixando o clube em estado de choque e luto.

DRAMA DAS FAMÍLIAS INSPIROU SAMBA CHAMADO “ADEUS MARAPÉ”
Miguel Ângelo e Oswaldo Cruz eram dois compositores de samba, que se solidarizaram à tragédia e criaram um samba chamado “Adeus Marapé”, que aponta o impasse dos que vivem nas encostas do morro, sabem do perigo, mas não tem para onde ir. A música foi sucesso na voz de Luis Américo, filho do bairro. Veja um trecho da canção:  Eu saí para trabalhar/ não sabendo volta, o que iria encontrar/ O barraco que estava lá em cima/ Veio parar no chão/ E, nos meio dos destroços, eu vi o paletó do Bastião/ Adeus, Marapé/ Adeus, Marapé/ Que levou meu filho e também a minha mulher.

Trabalhos no bairro do Marapé, um dos mais atingidos.
Trabalhos no bairro do Marapé, um dos mais atingidos.
Postes caíram na cidade por conta da tempestade, deixando a cidade sem luz.
Postes caíram na cidade por conta da tempestade, deixando a cidade sem luz.

 

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