Em clássico explosivo, arquibancada da Vila Belmiro desmorona com superlotação

Nos 100 anos de histórias do Estádio Urbano Caldeira, muitas delas festivas e outras nem tanto, há algumas que ficaram marcadas na memória da cidade pelo inusitado e até certo ponto pelo aspecto trágico. A mais significativa delas foi, sem dúvida, a registrada no dia 20 de setembro de 1964, no clássico com o maior rival do peixe, o Sport Club Corinthians Paulista.

A expectativa era grande para a partida.
A expectativa era grande para a partida.

Nos dias que antecederam a partida, válida pelo Campeonato Paulista de Futebol de 1964, a imprensa estampava em suas páginas a expectativa em torno do jogo, que reunia os maiores astros do futebol nacional. O time da capital bem que tentou transferir a partida para o estádio do Pacaembu, mas a diretoria santista queria jogar em casa. O então bicampeão mundial (1962-1963) alegava que fazer a partida dentro da Vila Belmiro era importante para prestigiar seus associados e simpatizantes. Ainda mais que o peixe estava invicto nos jogos em casa havia um bom tempo e era líder absoluto do campeonato.

O dia do jogo

Nas primeiras horas da manhã, as redondezas do Urbano Caldeira já estavam repletas de torcedores, a maior parte santistas. Os portões seriam abertos às 11 horas, sendo que às 13h30 já aconteceria a partida preliminar, pelo campeonato de aspirantes. O jogo principal estava marcado para às 15h30. A diretoria esperava recorde de público, que logo se confirmaria, com a presença de mais de 33 mil pessoas. Os ingressos variavam de três mil cruzeiros (numeradas cobertas) a 200 cruzeiros (arquibancadas para sócios, menores e militares).

O que ninguém contava era o fato de o público extra ter ido além do esperado. O reservado dos cronistas esportivos, por exemplo, nunca esteve tão cheio, contando com mais de 70 pessoas. Além disso, a polícia informou que muita gente “invadira” o estádio pulando o muro voltado para a rua José de Alencar. Os organizadores contabilizavam cerca de 33 mil pessoas dentro do Urbano Caldeira, número jamais registrado na praça de esportes do Santos Futebol Clube, cuja capacidade era bem inferior a este número. O lugar havia, de fato, se transformado em um caldeirão, em plena ebulição.

O acidente

Quando os times entraram em campo, o estádio tremeu. O Santos trazia ao jogo Gilmar, Ismael, Olavo e Geraldino; Zito e Lima; Peixinho, Gonçalo, Toninho, Pelé e Pepe. O Corinthians foi de Heitor, Augusto, Eduardo e Oreco; Amaro e Clóvis; Manuelzinho, Ferreirinha, Flávio, Luizinho e Lima. O árbitro era Armando Marques.

Em pé: Ismael, Zito, Lima, Geraldino, Olavo e Gylmar. Agachados: Peixinho, Gonçalo, Toninho, Pelé e Pepe.
O time daquela partida. Em pé: Ismael, Zito, Lima, Geraldino, Olavo e Gylmar. Agachados: Peixinho, Gonçalo, Toninho, Pelé e Pepe.

O Santos pareceu mais ofensivo no começo da partida, se lançando à frente com Pelé e Toninho. A partida parecia prever grandes lances, numa disputa que prometia ser emocionante. No entanto, com sete minutos de partida, na arquibancada de madeira situada no muro da rua José de Alencar (justamente aquela que foi alvo da maior quantidade de invasores), o público parecia se agitar de maneira assustada. Segundo registrado depois pela imprensa, alguns torcedores chegaram a gritar: A ARQUIBANCADA ESTÁ CAINDO! Era enorme o afluxo de pessoas ao local, acessado por rampas de madeira provisória. Elas não aguentaram o peso das pessoas e cedeu, atirando dezenas de torcedores contra o alambrado atrás da meta defendida pelo goleiro do Santos, Gilmar. Com o impacto, o alambrado ruiu, caindo para dentro do campo, originando-se, então, numa enorme confusão e pânico, do que resultou saírem feridas mais de uma centena de pessoas.

Desconhecendo a extensão do acidente, grande parte da torcida que se instalara nas partes superiores dessa arquibancada, procurou deixar apressadamente o local, agravando ainda mais a situação, com a invasão precipitada do gramado. Houve torcedores que saltaram do segundo pavimento da arquibancada, caindo em cima dos outros, contundindo-se e também àqueles que não tiveram tempo de escapar às pisadas.

Tudo ocorreu em poucos segundos e, de imediato, suspensa a partida, procuraram os policiais em serviço, os próprios jogadores, os dirigentes dos clubes e torcedores a socorrer os feridos, transportando-os até os vestiários e à enfermaria do estádio. Enquanto isso, vários veículos foram utilizados para conduzir as vítimas até os hospitais do entorno, onde foram atendidos emergencialmente. Verificou-se que, ao final, foram registrados 130 acidentados, a maior parte, felizmente, sem muita gravidade. Apenas treze pessoas ficaram em observação, internadas na Santa Casa, entre as quais três com ferimentos graves, que exigiram intervenções cirúrgicas. Ninguém morreu neste acidente.

Diante da tragédia, não restou ao árbitro outra medida que não a suspensão imediata da partida.
Diante da tragédia, não restou ao árbitro outra medida que não a suspensão imediata da partida.

O jogo não foi reiniciado. O árbitro Armando Marques suspendeu a partida. Os dirigentes ainda tentaram colocar o alambrado de volta para permitir a retomada da partida, autorizado pela Federação Paulista de Futebol. Mas o juiz da partida alegou que não haveria como reiniciar o clássico, já que o tempo de paralização excedia os 15 minutos permitidos pelos regulamentos da Federação, além do que a noite começava a chegar e o Urbano Caldeira estava desprovido de instalações elétricas para jogos noturnos (o clube estava reformando o sistema, por isso o jogo às 15h30).

A partida seria disputada dez dias depois, em 31 de setembro no estádio do Pacaembu, com empate de 1 x 1, gols de Flávio (para o Corinthians) e Pelé (para o Santos).

FICHA TÉCNICA:

20/09/1964 – Santos 0 x 0 Corinthians
Local: Estádio Vila Belmiro, em Santos.
Competição: Campeonato Paulista
Renda: Cr$ 19.397.600,00
Público: 32.986 (20.888 arquibancadas; 9.528 sócios; 1.908 numeradas e 662 numeradas)
Árbitro: Armando Marques

Santos FC: Gylmar, Ismael, Olavo e Geraldino; Zito e Lima; Peixinho, Gonçalo, Toninho, Pelé e Pepe. Técnico: Lula

SC Corinthians Paulista: Heitor; Eduardo e Oreco; Augusto, Clóvis e Amaro; Manuelzinho, Ferreirinha, Flavio, Luisinho e Lima. Técnico: Roberto Belangero

Matéria em A Tribuna
Matéria em A Tribuna
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A tragédia no Urbano Caldeira foi destaque no jornal O Estado de São Paulo, edição de 22 de setembro de 1964.

Video no Youtube sobre este fato

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