Maneco Fernandes, o tenista de Santos que encantou o mundo

Praga, capital da Tchecoslováquia, sexta-feira, dia 14 de maio de 1948. O estádio Stvanice, um dos mais tradicionais daquele país europeu, estava com suas arquibancadas tomadas por mais de seis mil entusiasmados torcedores locais. Em jogo, a classificação para as quartas-de-final da concorrida Taça Davis, um dos mais cobiçados troféus mundiais do tênis. O Brasil era um dos cinco países convidados a participar na zona europeia do torneio (junto com Argentina, Índia. Egito e Paquistão) e teve a dura tarefa de enfrentar logo de cara os temíveis campeões de 1947 e franco favoritos naquele ano. No time tcheco, Jaroslav Drobný, tenista de grande expressão, vice campeão do Aberto da França em 1946; e o jovem Ferdinand Urba, a maior revelação tcheca daquele momento. No lado brasileiro, o campeão gaúcho Ernesto Petersen e o santista Maneco Fernandes, 27 anos, campeão brasileiro de 1947 e grande esperança verde amarela para obter uma “zebra” na disputa.

tacadavisO embate entre os dois países estava pendendo para o lado dos donos da casa, com a vitória de Drobný sobre Petersen por 3×0. Maneco precisava se impor sobre o jovem Urba, que contava a seu favor, além do vigor físico, uma imensa torcida favorável. Mas o santista não se intimidou e logo de início meteu um 6/2 no primeiro set, deixando o público aturdido com suas jogadas rápidas e certeiras.

Veio o segundo set e o adversário tentou se impor, largando com um 3/1 em poucos minutos. O público delirava com a reviravolta de Urba. Maneco, então, com toda a experiência acumulada desde 1939, quando aos 18 anos venceu o seu primeiro torneio, no Chile, se concentrou e tomou à frente do placar, encerrando o set por 6/4. O estádio voltou a ficar em silêncio. A imprensa brasileira, presente no importante torneio para o Brasil, escreveria mais tarde:  “O tenista brasileiro Fernandes, com uma aturdidora e rápida variedade de golpes rapidamente empatou com Urba e este jamais pode sobrepujar-lhe a mestria”.

Assustado com o vigor do adversário, Urba foi para o terceiro set mais ressabiado. Ainda assim não conseguiu segurar o ímpeto do tenista de Santos, que fechou a conta com um 6/3, assinalando a arrasadora vitória a favor do Brasil, empatando a séria contra a forte Tchecoslováquia.

A repercussão do triunfo de Maneco Fernandes sobre Urba correu o mundo do tênis. Em Santos, a notícia chegou com enorme festa. Todos os críticos do esporte se renderam à acuidade técnica do tenista brasileiro. Muitos diziam que não fosse o lamentável episódio da Segunda Grande Guerra, que paralisou todas as atividades esportivas na Europa, Maneco seria um dos mais bem rankeados na categoria, em razão de sua capacidade técnica e destreza.

A Tchecoslováquia, ao final, seria a vencedora do confronto contra o Brasil e acabaria se tornando mais tarde a campeã da Taça Davis de 1948, batendo a Bélgica nas quartas; a Itália, na semi e a Suécia na final, confirmando o favoritismo do país no torneio. De todos os jogos, o mais relembrado fora o confronto com o brasileiro Maneco Fernandes.

Um início duro

Nascido em 29 de setembro de 1921, na cidade de São Paulo, Manoel Fernandes, o Maneco, desde muito cedo teve contato com o esporte das raquetes. Seu pai, Jaime Fernandes, era porteiro, nos anos 1930, do badalado Clube Atlético Paulistano, agremiação que oferecia aos sócios algumas quadras de saibro.  Seu primeiro contato com o tênis aconteceu quando tinha seis anos de idade, em 1927, nos tempos em que os atletas iam à quadra de calça branca impecavelmente vincadas.

Mas Maneco não tinha os recursos financeiros que outros garotos possuiam. Por isso, sua raquete era diferente, mais simples, confeccionada a partir da madeira extraída, a serrote, de um caixote de feira. O cabo, ele envolvia com esparadrapo, para não machucar as mãos. O menino era destro e tinha grande potência nas batidas de top spin (Topspin é um movimento no jogo de tênis que é executado com a raquete de baixo para cima, de forehand ou backhand, com o objetivo de fazer a bola girar, para, então, subir e cair repentinamente, dentro da quadra do adversário).

A juventude de jovem Fernandes não foi fácil, principalmente após a morte de seu pai, que morreu quando Maneco ainda estava na adolescência. Assim, teve de cuidar da mãe e dos quatro irmãos mais novos. Quando atingiu os 15 anos de idade, o então presidente do Clube Atlético Paulistano, Antonio Prado Júnior, chamou-o num canto e lhe disse: “De agora em diante, você só vai jogar tênis, e com salário do clube”. Foi a porta que Maneco precisava para voar longe, sem descuidar da família.

Primeira foto como campeão de tênis, em 1939.
Primeira foto como campeão de tênis, em 1939.

O primeiro título

Em 1939, Maneco recebeu sua primeira grande oportunidade, a convite do famoso tenista japonês Jiro Fujikura, que se radicou no Brasil após participar de um torneio em São Paulo, que contou com a participação de Fernandes. Naquele ano havia ocorrido um terremoto no Chile, e a Confederação Sul Americana de Tênis resolveu promover um torneio em benefício das vítimas. Jiro levou Maneco consigo e o jovem supreendeu a todos, vencendo na final o então super campeão brasileiro, Alcides Procópio, o melhor tenista do país e cinco anos mais velho que Fernandes. A vitória foi um acachapante 3×0. Mais tarde, Procópio tentou justificar a derrota alegando ter tido um mal estar momentos antes da partida. A verdade é que Procópio se tornaria o grande rival de Maneco, levando a pior na maior parte dos confrontos. Em algumas entrevistas que dera à imprensa especializada, já aposentado das raquetes, quando perguntado sobre o confronto diante de Procópio, ele afirmava: “Jogamos cento e quatorze partida”.  E quantas vezes o senhor perdeu? perguntavam-lhe os reporteres. “Apenas uma!”, afirmava de bate pronto.

O titulo de 1939, no Chile, entusiasmou tanto o jovem tenista, que ele passou a se inscrever para vários torneio, inclusive o nacional. Ao longo de sua longa caminhada nas quadras, Maneco não só conquistou vários titulos, como também venceu vários jogos amistosos com grandes nomes do tênis na sua época.

Saiu pelas portas dos fundos

Uma das partidas mais memoráveis de Maneco aconteceu em Santos, em 1948, contra o então vencedor do torneio de Wimbledon, o norte americano Bob Falkenburg (uma curiosidade é que ele se tornaria um empresário de sucesso no mundo do fastfood, criando a rede de lanchonetes Bob’s). Nas quadras do Tênis Clube, Maneco não tomou conhecimento do famoso adversário e impôs um convinvente 3×0. O jogo foi tão massacrante, que o vencedor de Wimbledon, envergonhado, saiu pela porta dos fundos do clube santista.

Definitivamente, Maneco não era um bom anfitrião, dentro das quadras. Chegou a vencer de forma brilhante nomes como os norte americanos Frank Parker (bicampeão do US Open – 1944/1945 e Roland Garros 1948/1949)  e Bill Talbert (nº 3 do ranking mundial em 1949 e campeão de torneios como o US Open). Mas sua maior alegria era vencer os hermanos da Argentina, como Enrique Moréa, com quem disputou a mais longa partida de sua carreira, quatro horas e meia, em 21 de novembro de 1951, vencido pelo brasileiro na quadra coberta do Estádio do Pacaembu. Moréa era considerado o melhor tenista da América do Sul naquele momento.

Vencer os argentinos não fora uma tarefa fácil para Maneco, que no início da carreira amargurou algumas derrotas. O segredo do caminho foi lhe passado pelo cronista esportivo Adriano Zappa, ex-tenista e profundo conhecedor do estilo portenho. “Você deve aprimorar seu jogo de fundo de quadra. Fazendo isso, terá enormes chances de ganhar”. Foi o que Maneco fez e se deu muito bem.

Maneco em disputa no Campeonato Aberto da Argentina, em 1940.
Maneco em disputa no Campeonato Aberto da Argentina, em 1940. O brasileiro aprendeu os macetes dos germanos e vivia imprimindo-lhes derrotas nas quadras.

Uma virada espetacular

Uma das partidas mais emocionantes da carreira de Maneco foi, sem dúvida, contra o equatoriano Francisco (Pancho) Segura Cano, um dos maiores nomes da história do tênis, no final dos anos 1940 (Ele era o nº 1 do ranking mundial em 1950). O jogo aconteceu na quadra do Clube Atlético Paulistano, começando com 1×0 (7/5) equilibrado. Pancho venceu o segundo por 6/0, demonstrando o franco favoritismo do equatoriano. Fernandes já havia jogado outras vezes com Pancho e perdido praticamente todas. “Jogar com o Segura! Ele é um jogador que atrapalhava muito o adversário numa quadra de tênis. Porque você nunca sabia se ele ia dar um drive ou uma deixada. Ele jogava com as duas mãos. Poucos jogadores do mundo tinham uma direita como a dele. Então, ou vinha uma paulada ou vinha uma deixada. E quando eram as deixadas, eram daquelas que pingavam ali, colada na rede”, disse Maneco numa entrevista em 1976, sobre sua carreira.

Assim, seguindo a escrita, o terceiro set já estava caminhando para o desfecho em favor de Segura Cano, 5×1 (40/15 no último game). Só faltava um único ponto. Aí foi que Maneco fez, sem querer, algo que mudaria o rumo da partida. “Bom, vou dar uma porretada e mandar a bola lá para os lados da Rua Argentina – que ficava nos fundos do Clube Paulistano – e acabar com esse jogo”, pensou ele quando Pancho sacou o mach point (ponto final).

Ocorre que, ao invés de desaparecer entre as árvores do fundo do clube, a potente esquerda de Maneco entrou, a favor do brasileiro, que se encheu de vontade e partiu para uma virada histórica. O tenista de Santos empatou o game, ganhou o set por 7/5 e os seguintes por 6/2 e 6/3, numa partida eletrizante, que durou mais de três horas e meia.

Maneco, corretor de café, bom copo e garfo

Maneco casou-se, com sua amada Beth (Elizabeth dos Reis Portela Fernandes), com quem teve um filho (Adelson Portella Fernandes). Como o tênis não lhe provinha do sustento necessário para cuidar da família, resolveu entrar para o ramo do comércio do café, tornando-se corretor na cidade de Santos, local que já mantinha fortes laços. Assim, ele revezava sua carreira no tênis com sua profissão no comércio cafeeiro.

Seu amor pelo tênis era tão imenso, que mesmo após ter deixado o circuito nacional, passou a treinar jovens atletas e jogar nas categorias de veterano, onde também conquistou muitos títulos. Mas Maneco também curtia outras paixões, como colecionar whiskys e vinhos. O tenista, porém, odiava cerveja. E, antes de um bom copo, era um excelente cozinheiro, geralmente convocado ao fogão pelos amigos tenistas. Maneco transitava com imaginação e rigor da feijoada à bacalhoada.

Maneco em Lima, Peru, no Campeonato SulAmericano de 1949
Maneco em Lima, Peru, no Campeonato SulAmericano de 1949

Fã de Maria Esther Bueno

Quando conversava sobre tênis, já aposentado das quadras, Maneco dizia-se fã incondicional de Maria Esther Bueno (tenista brasileira dos anos 50/60/70 que venceu dezenove torneios do Grand Slam – 7 na categoria simples; 11 em duplas femininas; 1 em duplas mistas. Segundo a Federação Internacional de Tênis, foi a nº 1 do mundo em 1959, na categoria individual feminina). No lado masculino, dizia que o maior brasileiro de todos fora Ronald Barnes (o único no tênis masculino brasileiro a chegar em uma semifinal de Grand Slam até Gustavo Kuerten). 

Maneco chegou a ver Guga (Kuerten) jogar e se encantou com a possibilidade de ver o tênis brasileiro no topo da lista mundial. Também viu Jaime Oncins, Thomas Koch, Carlos Kirmayr, Niege Dias, Marcos Hocevar, Luiz Mattar e Fenando Meligeni. Mas o que ele queria era ver o filho, Adelson, também brilhar nas quadras. Mas, apesar do peixinho não ter seguido os passos do peixe pai, Maneco sentia orgulho do filho, que se tornou um advogado de primeira. “Dizem que quando a gente só tem um filho, ele dá dor de cabeça. Mentira. O meu só deu alegrias!”, dizia em entrevistas.

Manoel Fernandes faleceu em 19 de novembro de 2003, deixando um legado imenso de conquistas, exemplos e colocando o nome da cidade de Santos no roll das maiores do país na modalidade do tênis.

 

Vitória sobre o argentino Morea foi a partida mais longa de Maneco: 4 horas e meia.
Vitória sobre o argentino Morea foi a partida mais longa de Maneco: 4 horas e meia.
Em julho de 1957, Alcides Procópio, então presidente da Federação Paulista de Tênis (ex-grande rival de Maneco), lhe conferia o troféu do Campeonato Aberto de Santos de 1957. Na foto, da direita para a esquerda, Álvaro Benedito de Castro, Waldemar Vadico de Souza e Daneil Domingues Pinto. Ao lado de Maneco, o filho Adelson Portella Fernandes.
Em julho de 1957, Alcides Procópio, então presidente da Federação Paulista de Tênis (ex-grande rival de Maneco), lhe conferia o troféu do Campeonato Aberto de Santos de 1957. Na foto, da direita para a esquerda, Álvaro Benedito de Castro, Waldemar Vadico de Souza e Daneil Domingues Pinto. Ao lado de Maneco, o filho Adelson Portella Fernandes.
Como veterano, Maneco também conquistava títulos, com o Aberto de Brasilia, em 1960.
Como veterano, Maneco também conquistava títulos, com o Aberto de Brasilia, em 1960.

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