Hong Kong Palace: Tradição Oriental na Conselheiro Nébias

Restaurante cantonês, hoje extinto, foi um dos primeiros do gênero na cidade de Santos

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A fachada do imóvel da Conselheiro Nébias, 788, o Hong Kong Palace, em foto dos anos 1970. Clique para ver maior.

Santos, final dos anos 1960. Um velho casarão situado na avenida Conselheiro Nébias, 788, começava a ganhar uma estética inusitada para os delineamentos habituais da urbanidade santista. O telhado recebia pontas curvas; na varanda, colunas eram decoradas com elementos de características orientais e, na entrada, um pórtico associado à identidade chinesa, repleto de manuscritos logográficos, se encarregava de transmitir, mesmo que muitos não entendessem, as boas-vindas aos clientes daquele que se tornaria, nos anos seguintes, um dos restaurantes mais badalados da cidade. O Hong Kong Palace abria suas portas oferecendo algo inédito em Santos: a típica culinária cantonesa (Cantão  – ou Guangzhou – é a terceira maior cidade da República Popular da China), primeiro sob a batuta da família Lee e, logo depois, no comando de Jorge Luo Tsoung Jyh, imigrante cantonês chegado ao Brasil em 1970, que fez do estabelecimento um importante ponto de referência gastronômica.

Luo, da caneta à cozinha 

Quando Luo chegou ao Brasil, ainda havia poucos chineses em São Paulo. Em sua terra natal, ele atuava como administrador de empresas e professor. Aqui, o fator língua impediu-o de conseguir ocupações semelhantes. Assim, decidiu mudar o rumo de sua vida, trocando a caneta pela panela. Aconselhado por um amigo chinês que vivia havia mais tempo no Brasil, resolveu tornar-se cozinheiro, trabalhando como ajudante em um restaurante chinês de São Paulo.

Depois de certo tempo, conhecedor dos macetes da nova profissão, considerou que era hora de montar o próprio estabelecimento. Já com a família ao seu lado (eles viriam da China alguns meses depois), Luo, que adotaria o nome de Jorge quando de sua naturalização, foi tentar a sorte em Mogi das Cruzes, uma vez que na capital não havia mais oportunidades para outros restaurantes de culinária chinesa. Na cidade interiorana paulista, no entanto, as coisas não saíram como sonhou. Assim, apostou em um novo destino, Santos, onde soube que um restaurante cantonês, novo, estava disponível para ser comprado.

Imagens de orientais com vestes tradicionais ornamentavam o salão principal.
Imagens de orientais com vestes tradicionais ornamentavam o salão principal.

Antes de adquirir o estabelecimento da cidade praiana, Luo decidiu pedir ajuda ao pai e a dois amigos de confiança. Deixou-os encarregados de observarem, por cinco dias, o movimento do lugar, o trabalho dos empregados e as condições do imóvel. Com o aval dos três a família Jyh, enfim, comprava dos Lee o Hong Kong Palace que, a partir dalí, iniciou uma nova história.

De Pelé a diplomatas japoneses

Jorge Luo colocou toda a família na lida, a exemplo dos restaurantes tradicionais dirigido por imigrantes. Com o passar do tempo, o Hong Kong Palace se inseriu perfeitamente no roteiro de lazer da cidade de Santos. Muita gente entrava para conhecer o lugar apenas por suas caractéristicas “exóticas” e pratos absolutamente diferentes do trivial. Outra atração, festejada pelas crianças, era o bem cuidado laguinho de carpas, rodeado por um belo jardim e uma ponte de pedra que levava à porta do estabelecimento, uma referência afetiva guardada por muitos santistas até os dias de hoje.

O restaurante teve a fama projetada pelo Estado de São Paulo, a ponto de atrair personalidades da política, das artes e do esporte. O Rei Pelé era um cliente costumeiro do lugar, assim como o ex-ministro Shigeaki Ueki, um dos homens fortes do Goveno de Ernesto Geisel (1974-1979). Muitos diplomatas japoneses iam ao Hong Kong Palace, apesar da tradicional richa entre Japão e China. Para Luo, quando se tratava de comida, não existia esse tipo de barreira. Vários artistas e empresários frequentavam o restaurante, dono de uma decoração absolutamente típica chinesa. As paredes, revestidas de madeira até meia altura, eram decoradas com quadros de figuras chinesas utilizando roupas tradicionais e imagens de sábios chineses em porcelana. O teto, alusivo às construções orientais, mantinha vários pagodes (lanternas) chineses como luminárias.

Pratos exóticos

Não havia quem não se entusiasmasse com o cardápio requintado do estabelecimento, que oferecia desde os pratos mais exóticos, como o bêche-de-mer (um crustáceo feito à moda chinesa), até o shop suey (prato inventado pelos soldados japoneses, durante a guerra – shop suey quer dizer mistura), o sachimi (peixe cru) e os famosos rolinhos fritos. Quem não fosse afeito aos pratos com frutos-do-mar, tinha a opção de se deliciar com as várias receitas de frango xadrez.

Os familiares de Luo é quem preparavam a casa para recepcionar os clientes.
Os familiares de Luo é quem preparavam a casa para recepcionar os clientes.

O fim

Em 1988, a matrona da família, dona Elisa, falecera. Sem a ajuda da esposa, Jorge Luo, assim, foi perdendo o interesse pelo restaurante, ainda que a filha Célia, então com 19 anos, se desdobrasse para ajuda-lo enquanto fazia o curso de Direito na Faculdade Católica de Santos. Com o passar dos anos, viúvo, lutando para criar os três filhos e equilibrar as contas em casa, ele acabou se descuidando do negócio, até que decidiu entregar o imóvel ao seu proprietário, dr. Armando Félix, nos primeiros anos da década de 1990. Encerrava-se ali, então, uma das grandes histórias comerciais da cidade de Santos, fonte de relatos saudosos de muitos santistas e turistas que chegaram a conhecer este lugar mágico.

Há pouco tempo, o velho casarão da Conselheiro Nébias, 788, veio abaixo, fazendo desaparecer mais um pedaço das velhas lembranças da nossa cidade.

 

Imagem do salão principal. Década de 1970.
Imagem do salão principal. Década de 1970.
O famoso lago das carpas e o bem cuidado jardim do Hong Kong Palace.
O famoso lago das carpas e o bem cuidado jardim do Hong Kong Palace.
Outro ângulo do jardim de entrada e do lago.
Outro ângulo do jardim de entrada e do lago.
A ponte de acesso ao restaurante.
A ponte de acesso ao restaurante.
A luminária “pagode”chinês.
A luminária “pagode”chinês.

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