Brasão de Armas de Santos – 130 anos de histórias

Brasão de Armas do Rei de Portugal na época do descobrimento do Brasil, D. Manoel I.
Brasão de Armas do Rei de Portugal na época do descobrimento do Brasil, D. Manoel I.

Você já ouviu falar de Heráldica? Não? Pois bem, trata-se da ciência (ou arte, dependendo do ponto de vista) que estuda a origem, a evolução e o significado dos emblemas blasônicos, assim como a descrição e a criação dos brasões (sejam eles de família ou de localidades – reinos, países, estados, cidades, vilas, etc).

Este tipo de arte remonta à época medieval, criada para que os guerreiros, nos campos de batalha, não cometessem o erro de travar combate com os próprios companheiros. Na antiguidade, quando os povos de raças diferentes se enfrentavam, a identificação mútua era, de certa forma, natural, uma vez que a simples distinção do biótipo humano facilitava o reconhecimento do adversário. Assim, os oponentes acabavam se diferenciando pela cor de pele, cabelos e até aspectos faciais.

Mas um dia esta diferença se estreitou por conta da miscigenação entre as raças. Então, para contornar os equivocos fatais, os impérios dominantes passaram a fazer uso de vestimentas e armas que os tornassem reconhecidos – e temidos – pelos inimigos. Um dos maiores exemplos neste sentido,  na história da humanidade, foi a Legião Romana, exército que se fazia reconher à grande distância. Não havia quem não “tremesse na base” apenas ao identificar as cores e os símbolos dos soldados de Roma. Mesmo não adotando critérios específicos para construir sua marca, os legionários foram os precursores da simbologia de guerra.

Cores e animais

A gênese da heráldica, no entanto, só começou mesmo, pra valer, na Idade Média, baseando-se em simbologias descomplicadas, como faixas horizontais ou verticais, das mais variadas cores, ou desenhos singelos, como os da Cruz de Malta e a Cruz dos Templários (muito utilizadas no período das Cruzadas). Com o tempo, a arte heráldica foi incorporando outros elementos visuais, como figuras de animais e seres mitológicos, além de torres, lanças, corações etc..

Primeiro brasão de armas da cidade de Santos, oficializado em 1888. Foi o primeiro de uma localidade paulista e um dos mais antigos do país.
Primeiro brasão de armas da cidade de Santos, oficializado em 1888. Foi o primeiro de uma localidade paulista e um dos mais antigos do país.

Reinos, cidades e vilas

A “moda” pegou em todo o globo e atravessou os mares. Até mesmo o Brasil, logo que foi descoberto, ganhou seu símbolo heráldico. Com o passar dos séculos, a colônia portuguesa na América foi adotando como seu os brasões de seus soberanos, em especial os reis das dinastias de Avis e Bragança.

Porém, ao contrário do que acontecia na Europa, à exceção do Rio de Janeiro e Salvador, na Bahia, as vilas e cidades brasileiras não adotaram a simbologia heráldica, história que só foi mudando a partir do surgimento do império do Brasil, em 1822, ocasião em que a arte passou a ganhar força no jovem país, a fim de contemplar os membros da aristocracia emergente (duques, marqueses, condes, viscondes e barões).

O primeiro brasão santista, pioneiro em São Paulo 

Apesar de ter sido alçada à condição de cidade em 1839, Santos só criou o seu próprio brasão de armas em 1888, um ano antes de seu cinquentenário. Ainda que “tardiamente”, foi o primeiro município paulista a adotar um símbolo heráldico.

O Brasão, usado como emblema da Câmara Municipal (importante dizer que nesta época ainda não existia a instituição “Prefeitura”, que só veio a ser criada em 1907), não fora criado, contudo, fielmente dentro dos preceitos da ciência heráldica, ou seja, não levou-se, a rigor, na sua elaboração visual, as condições econômicas, política-administrativas e geográficas da cidade. O desprezo a estes dados resultou em um brasão repleto de equívocos conceituais, principalmente nos formatos do escudo (formato não usual para localidades) e da coroa mural (com quatro torres, o que é característico para aldeias e não cidades).

Além disso, o brasão de armas pioneiro ainda não trazia o lema que caracterizava a alma santista:  Patriam Charitatem et Libertatem Docui (À pátria, ensinei a caridade e liberdade).

Brasão produzido pelo pintor Benedicto Calixto, oficializado em 1920. Arte original, exposta na Pinacoteca Benedicto Calixto.
Brasão produzido pelo pintor Benedicto Calixto, oficializado em 1920. Arte original, exposta na Pinacoteca Benedicto Calixto.

O Brasão de Calixto

A última aplicação do velho símbolo da Câmara foi no “corpo” da estátua do fundador de Santos, Braz Cubas, inaugurada em 1908. De lá em diante, o brasão da cidade foi esquecido até que, na segunda metade da década de 1910, a Prefeitura contratou o famoso pintor Benedicto Calixto para produzir um novo.

Após debruçar-se por alguns anos sobre livros de heráldica para imaginar um símbolo à altura da história da cidade santista, Calixto entregou o trabalho no início de 1920, sendo instituído oficialmente pela Lei 638 daquele ano.

O problema é que, apesar de belíssimo, a nova identidade heráldica de Santos ainda persistiu em alguns erros conceituais, como o formato da coroa amurada (ainda com quatro torres, quando deveriam ser oito, além da cor, amarela, exclusiva de capitais, quando deveria ser cinza) e do escudo (tipo francês, com uma ponta, ao invés do português, de forma arredondada). Este último equivoco foi, inclusive, objeto de certo constrangimento quando da visita do presidente de Portugal a Santos, Craveiro Lopes, em 1957. Os lusitanos, grandes admiradores da arte heráldica, ao vislumbrarem o escudo santista, questionaram o então prefeito Silvio Fernandes Lopes se a cidade havia sido colonizada por franceses. Diante do espanto e da negativa do alcaide, os visitantes explicaram que havia um erro “grave” no formato do brasão, apontando a diferença dos estilos francês e português.

Apesar de errado do ponto de vista heráldico, o brasão santista foi sendo mantido pela administração ao longo dos anos, mesmo diante de propostas de mudanças, como as ocorridas em 1963 e 1981.

Brasão de Armas atual, reformado em 2002
Brasão de Armas atual, reformado em 2002

A mudança definitiva

Em 2001, o pesquisador Jaime Caldas e a historiadora Wilma Therezinha lideraram uma discussão para a reforma do brasão de armas de Santos, que acabou sendo executada e finalizada em 2004. O resultado é o símbolo que temos hoje, com coroa amurada e escudo corretos do ponto de vista heráldico.

Os detalhes do Brasão

Coroa Amurada – Define o status da localidade (aldeia, vila ou cidade). Santos, como cidade, tem oito torres (três à mostra, duas de lado e três ocultas – do outro lado).

Escudo – Abojado, padrão português e espanhol. Indica o país (ou Reino) que o fundou.

Suporte – Folhagem lateral. No caso de Santos, são ramos de café, que indicam a principal fonte econômica histórica da cidade.

Caduceu – Bastão entrelaçado com duas serpentes, que na parte superior tem um par de pequenas asas. Representa equilíbrio moral, boa conduta e sabedoria.

Esfera Armilar – Símbolo da navegação, indica o perfil santista como “cidade aberta para o mar”.

Banda verde e amarela – Referência ao fato de Santos ser a terra natal do patriarca da independência, José Bonifácio.

Faixa com lema: Patriam Charitatem et Libertatem Docui (À pátria, ensinei a caridade e liberdade). Caridade representada pela Santa Casa, o primeiro hospital do Brasil e liberdade pelo perfil santista nas lutas pela independência e libertação dos escravos.

Única aplicação ainda existente do primeiro brasão de Santos: na base da estátua de Braz Cubas, na Praça da República, inaugurada em 1908, ou seja, ainda antes do brasão de Calixto.
Uma rara aplicação do Brasão de 1888, na edição especial da Revista da Semana, do Rio de Janeiro, totalmente dedicada a Santos, em 1902.