A árvore de Natal solidária de Lydia Federici

A jornalista Lydia Federici, em 1993.

Santos, dezembro de 1988. As teclas da velha máquina de escrever dançavam num vai e vem sincronizado e coerente, depositando na branca lauda jornalística belas palavras de paz e amor, dissertando sobre um dos mais festejados símbolos natalinos. “Há, pelo mundo, muitas árvores de Natal. Mesmo entre nós, muitas árvores, com festões dourados e pontos resplandecentes, enfeitarão Santos. Mas há aqui, erguendo-se das areias da praia, entre a vida de um jardim cheio de flores e o murmurar de um mar cheio de ondas que se desenrolam em outras, uma promessa de árvore que nós podemos transformar em realidade. Bastando para isso que, de posse de uma pequena lâmpada comprada ali mesmo, a entreguemos a um amigo fazedor de milagres. Que a fará subir até o topo de uma armação. Que, com mais de mil lâmpadas, formará, então, em luz, a Árvore de Natal mais amorosa do mundo. Pois cada uma de suas lâmpadas acesas irá levar, a uma pessoa carente, um pouco do amor que deve existir no Natal. Entre toda a humanidade. “

Depois de datilografar mais algumas doces palavras no impecável texto, a experiente e celebrada cronista de A Tribuna, Lydia Federici, relia-o atentamente, no intuito de checar a ocorrência, fortuita, de alguma falha ortográfica, antes de remetê-lo à redação. Ela não cabia em si de alegria por ter conseguido tornar sucesso um antigo projeto, o da Árvore de Natal Solidária.

Cronista de A Tribuna desde 1939, Lydia figurava como umas das personalidades públicas mais queridas do povo santista nos idos finais da década de 1980. Festejada pelas histórias publicadas em sua coluna “Gente e Coisas da Cidade”, a jornalista era também aplaudida em razão de suas propostas criativas para a promoção de ações em causas sociais. Em 1986, ela havia lançado a ideia de estabelecer um espaço, em área nobre da orla praiana, para que os santistas, e visitantes, pudessem contribuir na montagem, durante os dias que antecediam o Natal, de uma gigantesca árvore dotada de 1.200 soquetes. As lâmpadas a serem ali rosqueadas seriam compradas pelos próprios munícipes, ou visitantes, e a renda revertida às instituições de caridade da cidade.

A formação da árvore se dava por meio do gesto dos santistas, que adquiriam as lâmpadas num posto instalado ao lado do símbolo natalino. A renda sobre a venda era destinada às entidades sociais de Santos.

Apesar de ter lançado a ideia em 1986, o projeto só foi mesmo iniciado no ano seguinte, uma vez o município de Santos recebera uma “intimação” por parte do governo do Estado para que economizasse energia elétrica, em função de um racionamento estabelecido na época. Assim, em 1987, liberado da restrição, o programa foi colocado em prática com a aprovação do então prefeito Oswaldo Justo. O ponto escolhido para a montagem da “Árvore da Solidariedade” foi o trecho ajardinado da praia do Boqueirão, na direção do monumento dedicado ao poeta Vicente de Carvalho.

Em poucos dias, os técnicos da Secretaria de Obras ergueram uma estrutura metálica de 20 metros de altura, em torno de um dos postes da orla. Nela, foram “esticados” dezesseis fios, que formariam uma espécie de cone, dando a ideia gráfica de uma árvore de Natal. Junto à estrutura foram também erguidos uma guarita (para a venda das lâmpadas) e uma plataforma de 10×50 metros, destinada a corais e músicos, para a apresentação de temas natalinos.

Sucesso

A campanha foi um sucesso. Em menos de uma semana, todas as 1200 lâmpadas haviam sido adquiridas, demonstrando o espírito solidário do santista. Lydia, agradecida publicamente, narraria em uma de suas crônicas o ato generoso: “E, de repente, a lampadazinha já acesa, com o seu ponto de luz – todo fé, amor, gratidão – principiará a formar, ao lado de centenas de outras lâmpadas amarelas, cor de cenoura e vermelhas – a Árvore de Natal de Santos… Veja, ouça, cante, viva este Natal. Acenda uma luz na Árvore. Mantenha acesa, por todo este Natal, a luz em seu coração. E lá, sob a árvore iluminada, abrace amigos. Sorria para amigos”.

Lydia comentou, na ocasião, que a árvore natalina santista rivalizava a outros empreendimentos do gênero, como os de Londres e Nova Iorque. “É a construção de um espírito coletivo de solidariedade, adequado ao Natal, data de Jesus Cristo”. O prefeito Justo, entusiasmado com a ideia, acreditava que a árvore de Lydia se constituiria numa atração turística para a cidade e, de pronto, mandou inserir sua montagem no calendário oficial do município.

A árvore, já composta de todas as lâmpadas.

Lydia Federici ainda testemunharia por mais alguns anos os efeitos benéficos de sua brilhante ideia. Entretanto, no final da tarde de 2 de junho de 1994, a renomada jornalista morreria no conforto de seu lar, na avenida Siqueira Campos, 634. A Tribuna ainda publicaria a crônica, a última, que ela enviara à redação às 15 horas daquele mesmo dia, intitulada “Solidão”, um paradoxo, em contraponto à sua própria vida, tão repleta de amigos e carinho. Um carinho compartilhado também por meio de sua árvore de Natal, que ainda espargiu luzes na orla santista por mais dois anos. Em 1996, o brilho da solidariedade de Lydia encerrou seu ciclo, mas, no fechar dos olhos, o reflexo de sua essência ainda permanece na retina de quem viveu aqueles tempos. 

Era possível enxergar a árvore de vários pontos da orla praiana.

 

A estrutura da árvore teve como suporte um dos postes de iluminação da orla.
A árvore podia não ter uma forma clássica, mas tinha uma função típica das festas natalinas. Levar mensagem de paz e solidariedade.