A Explosão do Gasômetro na reportagem da revista “O Cruzeiro”

Uma das maiores tragédias da história de Santos, embora não tenha registrado vítimas fatais, deixou 400 famílias desoladas. Ocorrida em janeiro de 1967, a “Explosão do Gasômetro” foi manchete pelo país e expôs à realidade o perigo sobre as operações de estocagem e distribuição de gás natural no meio urbano. O Memória Santista já publicou sobre o assunto em outras duas oportunidades e, nesta, mostra o acontecimento sob a ótica de uma das mais importantes revistas de circulação nacional, “O Cruzeiro”, com excelentes imagens e sob o título:

PÂNICO NAS RUAS DE SANTOS: O DIA EM QUE A CIDADE ESTREMECEU

Reportagem de Manoel Motta (Do Bureau de São Paulo)

Santos, 9 – No momento em que escrevíamos esta reportagem, Santos tinha o aspecto de uma cidade arrasada. Residências em ruínas, edifícios danificados, movimento desusado de tropas e carros de bombeiros e ambulâncias em vaivém constante, como se esta comunidade paulista houvesse sofrido um bombardeio.  E foi, de fato, bem próximo de um bombardeio o efeito da explosão verificada em um depósito de gás, de um conjunto de cinco tanques, da companhia Cidade Santos, Eletricidade e Gás, localizado quase no centro da cidade, na Rua Marechal Pego Júnior, próximo à avenida Conselheiro Nébias, responsável pela distribuição do combustível a 20.000 residências de Santos e São Vicente.

Foto de abertura da reportagem da revista “O Cruzeiro”

O fato ocorreu às 3h10 da madrugada. Toda cidade de Santos estremeceu ao impacto da explosão, que foi ouvida em São Vicente e praias vizinhas. Uma área compreendida num raio de 2 km sofreu danos em consequência do desastre. Na Vila Mathias, bairro de classe média constituído quase que somente de casas residenciais, cerca de 100 casas foram danificadas, sendo que oito residências próximas ao depósito ficaram reduzidas a escombros.  A violência do abalo danificou portas janelas das casas contíguas, e a 1 km de distância portas de aço foram arrancadas. A Catedral de Santos tremeu de alto a baixo, no momento do impacto, tendo suas portas arrancadas pelo deslocamento de ar (O padre José Geraldo Cressecendi chegou a pensar que Deus tivesse mandado um raio para castigar os pecadores).

A grande explosão provocou uma série de outras explosões em cadeia. O fogo, propagando-se através do encanamento, atingiu as instalações domésticas ao longo das ruas, alcançando os fogões de residências fora da área do sinistro. Ferimentos, intoxicações e até desabamentos foram ocasionados pelo alastramento.

Num misto de desolação e surpresa, os santistas contemplam o saldo negativo deixado pela catástrofe que os fez despertar de madrugada.

Vítimas

Até o momento, havia apenas duas vítimas internadas em estado grave. Uma delas era o operário Geraldo Santos, natural de Minas, que trabalha no gasômetro há 16 anos.  Este, aliás, atribuiu a explosão ao fato do depósito sinistrado estar situado perto de dois fios elétricos de alta tensão.

Na Santa Casa de Santos, no Pronto-Socorro Municipal e na Beneficência Portuguesa, foram atendidas cerca de 200 pessoas, 30 das quais inspiravam cuidados, todas, no entanto, já estão fora de perigo. Acreditava-se que os casos de maior gravidade tivessem entre os feridos ainda não removidos do local.

Sabotagem

As causas reais do sinistro ainda eram ignoradas. A Polícia Política de São Paulo deslocou-se para Santos, afim de investigá-las. O fato de um dos estabelecimentos do Exército da cidade, que fica nas proximidades, ter sofrido danos, levou o general Antônio Erasmo Dias, comandante do quartel-general de Santos, a suspeitar que tenha havido sabotagem.

Desse parecer é também o delegado de Santos, que não encontra outras explicações para o acidente.  Em consequência, a Polícia do Exército já efetuou inúmeras prisões de suspeitos.

Entretanto, operários da companhia falaram de uma avaria –  um pequeno vazamento no depósito que foi pelos ares –  que já tinha sido notada no fim da semana anterior, sem que se desse maior importância ao fato.

Várias casa foram afetadas pela explosão.

Outros danos

Em consequência da explosão, que atingiu cerca de 1.600.000 litros de gás, estima o engenheiro chefe da Companhia Cidade de Santos, Eletricidade e Gás que mais ou menos 80% da população santista ficará sem suprimento de gás de rua pelo prazo de três meses.

Na área sinistrada estão localizadas quatro escolas primárias. Cerca de 400 famílias foram prejudicadas por danos provocados pelo abalo. E alguns automóveis ficaram soterrados.

Precauções

Técnicos da companhia de gás, da Polícia Técnica e do Corpo de Bombeiros isolaram os quarteirões vizinhos, onde havia escapamento de gás, temendo-se a ocorrência de novas explosões. Após três horas de trabalhos preventivos, as autoridades tranquilizavam a população, anunciando que o perigo estava ultrapassado.

Ameaça

O pânico que tomou conta da população possibilita-nos imaginar as proporções que assumiria o desastre se o fato se desse horas mais tarde, quando a vida da cidade estaria em plena ebulição, inclusive – não fossem as férias escolares – com os quatro estabelecimentos de ensino, existentes na área atingida, em funcionamento. Isso é mais do que o suficiente para se condenar a instalação de depósitos congêneres em setores densamente povoados das grandes cidades, como Santos.

Até nas áreas mais distantes foram contabilizados prejuízos.
O teto da casa desabou, mas a imagem de Nossa Senhora ficou incólume entre os destroços