Braz Cubas, o “pai” da cidade de Santos

Braz Cubas lê o foral da Vila de Santos, no imaginário do pintor Benedito Calixto

Fundador da vila santista é dono de uma das trajetórias mais empolgantes do período colonial brasileiro

Santos, agosto de 1546. Pelo menos uma centena de pessoas, entre colonos, soldados, religiosos, homens do mar e nativos da Terra Brasilis, aguardavam, ansiosos, a chegada do capitão-mor para o grande anúncio. E que belo momento para aclamar a novidade, um magnífico dia de sol, de temperatura altamente agradável, típica das primícias da segunda metade do ano. Todas as grandes figuras da capitania vicentina e de Santo Amaro lá estavam, prestigiando o episódio do nascimento da Vila de Santos, cuja paternidade incidia de forma legítima ao entusiasmado fidalgo lusitano Braz Cubas, artífice do desenvolvimento do modesto povoado de Enguaguaçú, transformado num sítio que tornar-se-ia referência, um “abrigo seguro” para os aventureiros que insistiam em desbravar o indomável litoral atlântico brasileiro.

Em meio ao burburinho gerado pelas inúmeras conversas do ambiente, em que se misturavam personagens diversos, como o bruto João Ramalho e seus Guaianases, vindos do Planalto de Piratininga; colonos pioneiros como Luís de Góes e sua amável esposa, Catarina de Aguilar, os sesmeiros Pascoal Fernandes, Domingos Pires, mestre Bartolomeu, o ferreiro, e seu filho; o padre Gonçalo Monteiro; os juízes Pedro Namorado e Cristóvão Altero e outros fidalgos, que se tornariam capitães-mores, como Antônio de Oliveira, Gonçalo Afonso e Jorge Ferreira, houve um momento de breve silêncio, em que só podia ser ouvido o rumor do vento e de alguns pássaros marinhos.

Os que estavam sentados, se levantaram. Os que estavam em pé, se viraram no sentido do novo pelourinho, erguido diante da futura Casa do Conselho da vila que estava para nascer. Eis que surgia, então, o eminente dono da festa, Braz Cubas, elegantemente trajado e encimado por um sobretudo aveludado, habilmente tingido com a nobre cor escarlate. Nas mãos, ele carregava a confirmação do que pedira meses antes ao Rei de Portugal: a concessão de foro de vila ao pequeno povoado que surgira na zona nordeste da Ilha de São Vicente, a antiga Gohayó dos nativos.

O fidalgo Braz Cubas, em tela de Benedicto Calixto.

Como um verdadeiro pai, orgulhoso, Braz Cubas, que contava então com 39 anos de idade, lia cada trecho da justa sentença real, com a voz embargada pela emoção e mergulhado nas lembranças que permearam sua luta para que aquele momento se tornasse realidade. O capitão-mor recordava sua origem, de menino trabalhador, fiel à família do donatário da Capitania, Martim Afonso de Sousa, de quem se tornara um ajudante de ordens. Fora nesta condição que chegou ao Brasil, na esquadra colonizadora que aportou na Ilha de São Vicente em 1532, sem imaginar que em tão pouco tempo conquistaria uma paternidade tão impactante, o de ser o fundador de Santos.

A trajetória de Braz Cubas

A fundação da vila que viria a se tornar uma das cidades mais importantes do hemisfério sul do planeta foi, sem sombra de dúvida, o maior feito daquele homem que aportara, ainda bastante jovem, nas terras além-mar lusitanas. Braz Cubas contava com 25 anos em 1532, quando deu seus primeiros passos na grande jornada que empreenderia no imenso continente que começava a ser colonizado pelo reino português. Integrante da armada de Martim Afonso, seu mestre e senhor, Cubas recebeu a benção do mesmo para estabelecer-se na nova capitania, não tendo seguido viagem para a Índia junto com seu protetor. Foi a melhor decisão de sua vida, pois aqui realizou grandes obras, como o de promover a mudança do porto da capitania de lugar. O antigo atracadouro das naus lusitanas, que situava-se na boca de entrada da Barra (no trecho do canal do estuário entre as atuais praia do Góes e Ponta da Praia), foi transferido em 1541 para a região do atual Centro Histórico, onde florescia a povoação que herdaria o nome de outra grande obra do capitão-mor (posto para qual foi alçado em 8 de junho de 1545), a Santa Casa de Misericórdia de Todos os Santos.

Foi este hospital, o primeiro das Américas, que alçou o pequeno lugarejo a um status diferenciado, tornando-o um ponto de apoio, e de alívio aos navegantes que transitavam na direção do Rio da Prata e do Estreito de Magalhães. Foi uma obra tão significativa e concreta que, passados 476 anos, ainda perdura na vida santista. A partir destas duas ações (a transferência do porto da capitania e a criação do hospital), Cubas sentiu segurança em pleitear a elevação do antigo povoado de Enguaguaçú à categoria de vila, dotando-a de Conselho, pelourinho e uma vida além das atividades agrícolas.

Um dos primeiros bandeirantes

Braz Cubas, contudo, não limitou suas ações apenas na vila que criou. Outorgado pelo reino lusitano, ele liderou em 1561 uma das primeiras expedições portuguesas, sertão adentro, em busca de metais preciosos, mais particularmente de ouro. Aproveitando-se das trilhas abertas pelos índios, as mesmas que levaram os jesuítas à fundação de São Paulo de Piratininga, o cavaleiro fidalgo, acompanhado de alguns nativos e de Luiz Martins (um técnico em minas) cruzou matas e córregos até atingir o Rio Paraíba e as fraldas da Serra da Mantiqueira. Em seus relatos, afirmou ter descoberto uma grande jazida aurífera junto ao Morro do Jaraguá (situado na atual capital paulista). Empenhado na missão, incansável, ele atingiu às margens do Rio São Francisco, de onde regressou “rico” à Capitania de São Vicente, como ele mesmo diria em cartas redigidas por ele mesmo ao Rei de Portugal, D. Sebastião I. Mas não fora apenas o precioso metal amarelo que o bandeirante pioneiro encontrou. Nas futuras Minas Gerais, Braz Cubas fora um dos primeiros a deparar-se a outros tipos de pedras preciosas. Ele ainda empreenderia uma segunda grande expedição em busca de metais valiosos sertão adentro, só que desta vez para o lado sul da capitania.

Cansado das andanças pelo interior do Brasil, Braz Cubas decidiu, a partir da década de 1570, fincar definitivamente suas raízes na vila que criara. Em Santos, ele mantinha um curtume (local onde realiza-se o curtimento de couro para fazer roupas, cintos, sapatos, selas de cavalos e acessórios de móveis) nas proximidades do atual Monte Serrat e cuidava, ao lados dos irmãos, Gonçalo e Antônio, e do pai, João Pires, das terras (e eram muitas) que recebera em doação da esposa de seu antigo mestre, dona Ana Pimentel (que era procuradora de Martim Afonso), com quem esteve em duas oportunidades desde que aportara no chegada ao Brasil (Braz Cubas voltaria a Portugal em 1536 e 1560).

Um autêntico pai

Relatos históricos apontam que Braz Cubas havia se casado em Portugal antes de sua viagem ao Brasil em 1532. Porém, a esposa falecera antes disso, antes mesmo de terem filhos. No Brasil, o irrequieto fidalgo não consumou novo matrimônio, mas manteve relações afetivas com outras mulheres, com quem teve filhos, ao todo três: Pedro, Isabel e Jerônima. Em nenhum momento o fundador de Santos renegou a existência dos filhos, acolhendo-os como pôde, em especial Pedro Cubas, a quem outorgou boa parte do patrimônio que amealhou durante a vida, inclusive o título de cavaleiro fidalgo.

Braz Cubas faleceria em 10 de março de 1592 (embora há historiadores que defendem como sendo em 1597), com mais de 80 anos de idade, deixando para a história um legado de lutas, conquistas e carinho para com sua terra, como um autêntico pai seria em relação ao filho.