O triste epílogo de um gigante centenário

Fundado há 151 anos, Clube XV deve encerrar dramaticamente uma história coroada de glamour e alegria.

Santos, sábado, 12 de junho de 1869. As brumas do final de Outono começavam a dar o ar da graça quando os primeiros convidados chegavam ao sarau promovido por Antônio Pinho Brandão em sua aprazível residência, situada à Rua Áurea, 152 (atual General Câmara). Além de boa conversa e dos recitais poéticos e ao piano, o encontro tinha por objetivo discutir a criação de um grêmio que contrapusesse aos ideais que permeavam a Sociedade Carnavalesca Santista, criada em 1958 para organizar melhor as festividades de Momo e pôr um fim às violentas brincadeiras originárias do ultrapassado “Entrudo”.

Assim como o dono da casa, vários outros jovens santistas almejavam por um clube que promovesse ações sociais e culturais para além do Carnaval e que também abraçasse causas importantes, como a da abolição da escravatura. Tão logo encerraram-se as apresentações poéticas e musicais, Brandão convidou os colegas para reunirem-se à sala principal da casa a fim de discutirem os termos do novo sodalício. Ali estavam, além do anfitrião, os jovens Adolfo Millon, Alberto Bittencourt, Antônio Alves da Silva, Antônio Freire Henriques, Benedito Aires da Silva, Bernardino Bernardo Pereira, Bernardo Martins dos Santos, Eugênio de Oliveira, Isaías Mariano de Andrade, João da Luz Pimenta, João Moreira de Sampaio, Joaquim Otaviano da Silva, José Marques de Carvalho e Raimundo Gonçalves Corvelo. Eram, afinal, conforme as assinaturas constantes no livro de presença, em número de quinze os rapazes entusiasmados com a ideia. Foi, então, a partir deste detalhe que se levantou a proposta para o nome do grêmio, primeiramente sugerido como “Clube dos XV”. Porém, por soar restritivo aos fundadores, decidiu-se por subtrair a preposição “dos”, mantendo-se apenas Clube XV. Nascia, assim, uma das primeiras instituições socioculturais (a de maior longevidade) da cidade santista. (Há o registro de existência anterior da Sociedade Harmonia – de cerca de 1830e do Grêmio de Danças Recreio Comercial – de cerca de 1864 – que promoviam saraus e bailes na cidade. Porém tiveram vida efêmera, não se consolidando da mesma forma que o Clube XV).

O Clube XV ocupou o famoso Casarão do Valongo de 1873 a 1877, sua última sede alugada antes de transferir-se para um imóvel próprio, na Rua Itororó.

Ocupando e transformando espaços em referência

A notícia sobre a criação do novo grêmio agitou a sociedade. Antônio Pinho Brandão ofereceu sua própria casa para servir como sede provisória do clube, abrigando as reuniões e os animados saraus promovidos pelos associados. Em 1870, justo no primeiro Carnaval do XV, as atividades foram suspensas pelas autoridades em função da epidemia de febre amarela que assolou a cidade santista. Só no ano seguinte é que o novo clube conseguiu enfrentar os rivais (da Sociedade Carnavalesca), em competições acirradas pelas ruas da cidade.

Ao longo dos anos seguintes, o XV foi ganhando corpo, atraindo cada vez mais santistas entusiasmados com as suas propostas estatutárias. Diante do aumento substancial de membros, em 1873, os diretores decidiram alugar um espaço maior, não sem antes agradecer Brandão pela gentileza de abriga-los até aquele momento. A partir desta primeira mudança o clube iniciou uma verdadeira saga pela cidade. Ao longo de sua existência até os dias de hoje, o grêmio teve nada menos do que duas sedes provisórias e oito próprias. De 1873 a 1877, o XV abrigou-se nos famosos casarões gêmeos do Valongo, no Largo Marquês de Monte Alegre, tornando-se vizinho da Câmara Municipal, que ocupava, então, a mesma edificação. No final de 1877, o clube finalmente conseguia adquirir seu primeiro patrimônio imobiliário, comprando uma bela casa que pertencia à família Emmerick, na Rua Itororó, 25. Lá permaneceu até 1883, quando retornou para a Rua General Câmara, desta vez instalando-se no número 68, onde ficou por mais onze anos. Em 1894, nova mudança, desta vez para um imenso edifício na Rua Amador Bueno, 193, local onde o XV se consolidaria definitivamente como o clube mais elegante e importante da cidade, reunindo a nata da sociedade santense.

No antigo Palacete J. Carneiro Bastos, o XV viveu dias de glória, promovendo os bailes mais concorridos pela elite santista no início do século 20.

Com a migração da elite para a Vila Nova, a agremiação acompanhou o movimento e se transferiu em 1919 para um suntuoso palacete que pertencera à família J. Carneiro Bastos. Localizada na melhor parte do bairro, na Avenida Conselheiro Nébias com a Rua Sete de Setembro, o local abrigou os bailes mais concorridos da cidade, por muitos anos.

Na década de 1930, o Gonzaga e a orla praiana haviam se transformado no espaço mais nobre da cidade. Isso impulsionou o Clube XV para junto de seu público mais seleto, fazendo-o fincar suas novas bases no casarão da Avenida Presidente Wilson, nº 13, esquina com Rua Marcílio Dias, edificação esta que fora construída para abrigar um cassino, mas que acabou se tornando a sede do Jockey Clube de Santos. Durante 34 anos (1934-1969), o espaço viria a se tornar a maior referência para os mais badalados eventos sociais da cidade.

No final dos anos 1960, o Clube XV, com muito dinheiro em caixa, ousou construir uma sede de linhas modernas, com projeto assinado pelos arquitetos Francisco Petracco e Paulo Saraiva. A joia do XV ganhou prêmio na 10ª Bienal de Arquitetura de São Paulo, em 1969

Pico e decadência do gigante

Cada vez mais influente, tradicional e dono de um caixa de fazer inveja aos concorrentes, o XV resolveu erguer pela primeira vez uma sede com recursos próprios, em terreno comprado na Avenida Vicente de Carvalho, 50, às margens do Canal 3. De linhas modernistas, assinado pelos arquitetos Francisco Petracco e Paulo Saraiva, o prédio logo se consolidaria como uma das joias arquitetônicas da cidade, chegando até a ser premiado na 10ª Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo, em 1969. Neste espaço, o clube viveria sua última fase de apogeu. A partir dos anos 1990, com a transformação comportamental da sociedade, principalmente no tocante às relações sociais, somada a outros fatores, como o surgimento de condomínios residenciais dotados de áreas de lazer, o XV, a exemplo de outros grandes clubes da cidade, começaram a perder associados. Os elegantes e concorridos bailes já não aconteciam mais com frequência, o Carnaval mudara de cara e, ano a ano, registrava salões vazios; os espaços para jogos, as salas de recreação e de ginástica e até a piscina também já não atraiam mais o público interno, em especial os jovens e as crianças. Assim, às portas do Século 21, o velho clube sucumbia diante de um novo modo de vida, repleto de tecnologia e relacionamentos menos interativos entre as pessoas.

Diante de um dilema cruel, o de se encaixar a uma nova realidade, o XV tomou uma decisão que parecia natural:  precisava se reinventar. E, suspirando fundo, foi para a luta, sacrificando de partida a sua joia arquitetônica, num movimento brusco que chocou a cidade. O edifício premiado virou pó e no mesmo endereço, em parceria com um grupo imobiliário de São Paulo, surgia, em 2011, um complexo hoteleiro que, em tese, se tornaria um importante suporte à nova fase do XV. Ledo engano.

Pensando em construir seu futuro, reinventando-se, o XV abriu mão de sua jóia por um futuro incerto. Em vinte anos, o resultado se mostraria trágico.

Por conta de um acordo contratual frágil aos interesses da agremiação, assinado possivelmente em razão de interpretações equivocadas sobre a performance do novo modelo, o XV acumulou dívidas de condomínio e impostos que chegaram hoje a quase R$ 16 milhões. Posto em leilão, corre-se o risco de ter seu patrimônio arrematado por pouco mais de R$ 11 milhões, hipótese dura, que jogaria uma “pá de cal” numa história belíssima construída pelas mãos de quinze jovens sonhadores do distante século 19. Certamente estes, após sonharem poeticamente com a construção de um clube sólido, jamais ensejariam um enredo que viesse a ter um desfecho digno de um dilema “shakespeariano”, permeado de amor, aventuras, galhardia e tragédia.

 

De 1894 a 1919, o Clube XV ocupou um dos prédios mais majestosos da rua Amador Bueno, se consolidando como a agremiação mais bem sucedida de Santos.
Clube XV, na Sete de Setembro com Conselheiro Nébias.
Após quase 10 anos de obras, finalmente o complexo de hotéis e o novo Clube XV são entregues. A partir de 2011, o mais antigo clube social de Santos iniciava sua trajetória de queda.

 

 

Sequência de plantas publicadas na Revista Acrópole, sobre o projeto de 1969.