Zilda Pereira, único destaque feminino em publicação nacional sobre Santos, em 1902, foi uma das mais hábeis pintoras de seu tempo

Fotografia de Zilda Pereira, na flor da juventude, estampada com destaque na edição especial sobre Santos da Revista da Semana, editada pelo Jornal do Brasil (RJ). Colorizada pelo Memória Santista. 

Santos, 13 de fevereiro de 1945. Os olhos da artista se fixavam nas cópias desgastadas de velhos desenhos produzidos pelo famoso aventureiro francês Hercules Florence havia mais de cem anos. Eram todas imagens da expedição comandada pelo barão Georg Heinrich von Langsdorff pelo interior do Brasil, entre 1822 e 1829, numa excursão patrocinada pelo então czar da Rússia, Alexandre I. A tarefa de Zilda Pereira era reproduzir em tela, com tinta óleo, alguns aspectos da conhecida aventura, encomenda feita por um grande amigo, Afonso d’Escragnolle Taunay, diretor da maior e mais importante instituição museográfica do Estado de São Paulo, o Museu Paulista, que completaria 50 anos dali alguns meses.

Taunay não poderia ter escolhido melhor, à parte sua amizade com Zilda, o profissional para aquele tipo de trabalho. A artista radicada na cidade santista desde o final do século 19 (ela nascera em Itu), tinha tido um professor de primeira grandeza na arte do pincel, o francês Émile Rouede, que também “lançara âncoras” em Santos, em 1898. Nesta época a cidade portuária reunia vários nomes de relevância nas artes plásticas, despontando, entre tantos, Benedicto Calixto, como um dos mais requisitados.

Ainda jovem, Zilda Pereira, filha do comendador Virgílio Pereira e de Maria Leopoldina Carneira Pereira, já demonstrava suas habilidades para a pintura, bem como para a música, tendo participado como pianista do grupo “Mozart”, regido por Adolfo Von Sidow. Com Rouede, que em Santos atuava profissionalmente como caricaturista do jornal “A Cidade de Santos”, aprendeu com louvor as técnicas do óleo sobre tela. Em 1902, por conta de sua proeminente atuação na sociedade santista, ganhou um lugar de destaque na galeria das personalidades da cidade na edição especial do Jornal do Brasil (Revista da Semana). Zilda foi a única mulher entre nada menos do que 57 homens a ganhar um espaço de projeção, nominada como “exímia pianista e pintora, discípula de Emilio Rouede”. Nesta época, ela tinha pouco mais de vinte anos de idade.

Sua habilidade e posição social a levou, algum tempo mais tarde, a se tornar professora de artes no Liceu Feminino Santista, para onde foi levada a convite de Eunice Caldas. Zilda Pereira formou várias gerações de moças à arte do magistério.

Tela “Fazenda do Major Diogo em Batatais”. Acervo do Museu Paulista.

A encomenda do Museu Paulista

No início dos anos 1940, já contando com mais de 60 anos de idade, Zilda recebeu um pedido do amigo Afonso d’Escragnolle Taunay: deveria pintar nove telas para retratar as “moções” (expedições fluviais que, entre a segunda década do século XVIII e a primeira metade do século XIX, mantiveram contato entre a capitania de São Paulo e a capitania de Mato Grosso, no Brasil). Antes do aniversário de 50 anos do Museu Paulista, Zilda entregou seus trabalhos, que foram baseados na expedição de Hercules Florence. Os quadros até hoje fazem parte do acervo do Museu Paulista. São eles: Fazenda do Major Diogo em Batatais; Desencalhe de canoa, 1826; Jundiaí, 1860; Pouso de Monção a Margem do Tietê, 1826; Vista de Piracicaba, 1860; Pirapora do Curuçá, 1826 (hoje Tietê); Vista de Aparecida, 1836; Rancho de Tropeiros – São Félix, 1836    e Vista de Camapuã, 1826.

Ainda nos anos 1940, Zilda decidiu mudar-se para Piracicaba, onde permaneceu até sua morte, ocorrida no início dos anos 1970, quando contava com pouco mais de 90 anos de idade.

CURIOSIDADES

Na década de 1910, a revista santista “A Fita” mantinha uma coluna dedicada às “fofocas” da cidade, onde o redator flagrava algumas figuras da sociedade para comentar o seu estilo e moda. Zilda Pereira, ainda antes dos 30 anos de idade, foi uma das comentadas pela seção. Interessante notar a influência francesa nos termos utilizados na época.

– Mademoiselle Zilda Pereira – Trajando de merinó róseo, uma toalete leve, suave no tom, própria destes dias de Primavera.  Blouse aberta de gola ampla e o peito em valenciennes brancas de artísticos desenhos; brodés a soutache branco. A cabeça, emoldurada por uma cabeleira onixada e bipartida ao lado, vistoso chapéu róseo, à Napoleon, ornado de fita branca e grande pluma também alva, a oscilar no brando favônio.

Vista de Piracicaba, 1860; Pirapora do Curuçá, 1826; Rancho dos Tropeiros – São Félix, 1836 e Vista de Camapuã, 1826
Coluna de “fofocas” da Revista “A Fita”, edição de junho de 1911