Laje dos Outeirinhos (Pedra de Teffé), uma missão pioneira no Brasil

No trecho do canal de acesso ao porto, próximo aos Outeirinhos, o lugar afunilava e coloca as embarcações sob os perigos da temível laje pontiaguda.

Santos, julho de 1876. O vapor de guerra “Lamego”, comandado pelo capitão-de-fragata Antônio Luiz Von Hoonholtz, o barão de Teffé, chegava ao canal do Porto de Santos para cumprir uma das missões mais importantes da nova repartição hidrográfica do Ministério da Agricultura: destruir uma enorme laje submersa que vinha colocando em risco o trânsito das embarcações que ali circulavam cada dia em maior número. O principal porto de São Paulo crescia a olhos vistos, acompanhando o desenvolvimento comercial de toda a Província. A quantidade de vapores e veleiros aumentava à medida que as exportações de gêneros, em especial o café, batia recordes. E os barcos eram cada vez maiores e com maiores necessidades de calado (Calado é a distância vertical entre a parte inferior da quilha e a linha de flutuação de uma embarcação. É a medida da parte submersa do navio. Tecnicamente, é a distância da lâmina d’água até a quilha do navio

O Brasil testemunhava naquela operação, pela primeira vez, o uso de um sino hidráulico* e escafandristas, técnica relativamente antiga, mas pouco usada em razão dos riscos que oferecia. Quatro mergulhadores foram escalados para a missão de implantar 98 minas explosivas nas rochas da ameaçadora e inabalável laje submarina, situada nas proximidades dos Outeirinhos (Dois pequenos morros que se precipitavam para o canal do lagamar – Este local era de propriedade do já falecido José Bonifácio de Andrada e Silva).

Caixa metálica na forma de sino com 27 m3 – o suficiente para abrigar quatro homens – acoplada a um tubo de metal de doze metros responsável por levar ar comprimido sob um pressão de 700 gramas. O sino usado em Santos descia no máximo 10 metros de profundidade.

Nos tempos idos, muitos veleiros que adentraram pelo canal da barra tiveram seus barcos perfurados pelos temíveis obstáculos naturais do estuário, em especial pelas pontiagudas rochas da laje de Outeirinhos, considerada pelos navegadores como um autêntico arrecife. Esses picos se sobressaíam à flor da água com a maré muito rasa, prejudicando o tráfego normal das embarcações, cujas companhias reclamavam, pedindo a demolição urgente daquele empecilho intransponível.

Com o crescimento do Porto de Santos, a retirada daquela “pedra no caminho” era algo urgente. Por isso, a pedido da Associação Comercial de Santos, o Governo Imperial convocou o barão de Teffé, tido como o homem certo para o cumprimento dessa missão inédita no país. O uso de mergulhadores escafandristas e sino hidráulico aconteceu justamente na fase de estudos.

Para o trabalho realizado pelo Barão de Teffé, foi utilizado pela primeira vez no Brasil o sino hidráulico, onde cabiam até quatro mergulhadores. A missão era rebaixar a laje em pelo menos quatro metros, retirando os picos da pedra.

No mês de agosto, após várias incursões submarinas, um desenho da laje foi produzido, a partir dos dados recolhidos pelos mergulhadores. O próprio Barão de Teffé desceu no sino hidráulico, para verificar o trabalho executado por seus homens. Constatou-se que o “pico” da rocha submersa ficava a menos de três metros do nível da água na maré baixa. Apesar de teoricamente não atingir a maior parte das embarcações, era um risco considerável numa rasante maior.

O trabalho para destruir a laje submersa foi bastante delicado, difícil. Os mergulhadores chegaram a perfurar 93 metros de rochas, onde, em brocas com mais de um metro de profundidade, instalaram 98 minas explosivas. O total de explosões gerou um deslocamento de 74 toneladas de rocha bruta.

A operação foi concluída após 156 dias de trabalho pesado. A laje foi rebaixada para a linha de oito metros abaixo da maré rasante, valor considerado seguro para a navegação (menos de 30 anos depois, em 1903, a Companhia Docas de Santos precisou voltar à laje para arrasar o que ainda sobrava dela). Com as explosões, um amontoado de pedrouços foi deslocado para o fundo do estuário, tendo sido recuperadas 339 lingadas com lajedos e blocos rochosos, além de 244 caixões de fragmentos, num total de 750 toneladas de matérias sólidas.

No final de 1876, a Associação Comercial de Santos oficiava o comandante Von Hoonholtz, elogiando-o pelo notável trabalho e agradecendo-lhe, em nome da cidade santista. Enfim o Porto de Santos livre da perigosa laje submersa, que tantos danos vinha causando à navegação.

Antônio Luiz Von Hoonholtz, o barão de Teffé

Quem foi Antônio Luiz Von Hoonholtz, o barão de Teffé?

Foi um ilustre oficial da Marinha Imperial brasileira, que se destacou, através de longa carreira, como marinheiro, astrônomo, hidrógrafo, cientista, polemista, geógrafo, historiador, diplomata e escritor. Foi o criador do Serviço de Hidrografia do Ministério da Marinha, além de organizador, na Marinha, dos serviços de meteorologia no Brasil. Alcançar o posto de almirante em 1912. Antes disso, havia sido agraciado pelo Governo Imperial com o título nobiliárquico de Barão de Teffé em 11 de junho de 1873.

Nova ação na laje com champanhe

Em 1903, a Companhia Docas de Santos (CDS) precisou executar o arrasamento total do remanescente da laje dos Outeirinhos. Para tanto, voltou a utilizar-se de um sino hidráulico. O curioso nesta nova história é que, em uma das descidas ao fundo do canal, os tripulantes do sino, os engenheiros Guilherme Weinschenck, Ulrico Mursa, Victor de Lamare e Gama Lobo, brindaram o acontecimento com taças de champanhe, completamente submersos.

Pedras resistem até o novo milênio

Mas quem achou que a laje foi totalmente arrasada em 1903, se enganou. Por muitas décadas, o arrecife, que passou a ser chamado de “Pedra de Teffé”, ainda estava na pauta tanto da Companhia Docas de Santos quanto da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp) a partir dos anos 1980. Ainda em 2012, foram retirados 29.469 m³ de material, que acabou depositado no Armazém 4 para posterior transporte por caminhão. Parte dele foi usado para o aterro do Canal da Mortona. O restante foi doado para a Prefeitura de Santos para utilização em obras de caráter social, sendo armazenado em depósito na Vila Pantanal.