Jornada Bandeirante Brasília-Santos provocou reflexões sobre acessos à nova capital brasileira

Objetivo dos organizadores foi alertar para as necessidades de planejamento dos acessos rodoviários e ferroviários à Brasília antes da fundação da nova capital brasileira

Brasília, 3 de maio de 1957. O país estava em festa e regozijava-se por dar início ao processo de construção de sua capital federal no coração territorial brasílico. Na época, dizia-se que os brasileiros testemunhavam o acontecimento máximo desde o Grito do Ipiranga. Muitos historiadores afirmavam que a mudança da sede do governo central já deveria ter sido consumada, principalmente observando-se a visão futurista do santista José Bonifácio de Andrada e Silva que, no início do século XIX, já defendia a tese para a instalação, no coração do Brasil, da sua capital imperial. Brasília foi, assim, concebida para ser a matriz, a nutriz, a protetora da vida nacional, integral e total. “O gigante não continuará deitado eternamente nas areias entorpecentes das praias do litoral. Vai acordar-se, vai levantar-se, vai galgar e transpor as Serras do Mar e da Mantiqueira, para subir até o planalto das vertentes do Brasil”, foi o que disse o cardeal Dom Carlos Carmelo de Vasconcellos Motta, arcebispo de São Paulo, durante a primeira missa na nova capital, para o delírio do povo na manhã daquela sexta-feira, 3 de maio de 1957.

Entre as centenas de autoridades presentes, uma em particular se destacava. Era o senador Jerônimo Coimbra Bueno, engenheiro responsável pela construção, na década de 1930, da também cidade planejada de Goiânia, criada especialmente para ser a capital do Estado de Goiás. Como poucos, ele sabia da gigantesca tarefa que era fazer nascer uma metrópole no meio do sertão. E também tinha conhecimento, como ninguém, da necessidade de planejar seus acessos, para que não ficasse isolada no Brasil. Afinal, isso se multiplicava muito em relação a Brasília, uma vez que ela não seria tão a cidade capital, mas o próprio Distrito Federal.

O senador goiano havia criado alguns dias antes uma campanha de alerta ao governo federal. Era a “Jornada Bandeirante – Brasília/Santos”, que tinha por objetivo reforçar a importância da construção de uma estrada entre o planalto central e seu principal porto de mar, uma espécie de caminho de volta para os antigos desbravadores paulistas.

O senador Jerônimo Coimbra Bueno explica ao diretor de A Tribuna, Manoel Nascimento Júnior (o terceiro, da esquerda para direita), sobre a proposta da caravana da “Jornada Bandeirante”

A Fundação Coimbra Bueno Pela Nova Capital do Brasil fez gravar uma placa em bronze em exaltação do renascimento do espírito bandeirante. Logo após a missa, os carros (a maior parte de Jeeps) que compunham a frota da “Jornada Bandeirante” iniciaram seu trajeto rumo a Santos, calculado em 1.228 quilômetros. Ao longo do caminho o senador exultava o feito dos bandeirantes e o novo momento vivido no Brasil. “Quis a Divina Providência que de São Paulo partisse Bartolomeu Bueno – o Anhanguera – para descobrir Goiás e para construir sua antiga capital, e que agora, séculos depois, viéssemos nós pela construção de Goiânia, a nova capital de Goiás, reafirmando a tradição de realizações do espírito bandeirante brasileiro que, tendo o berço em São Paulo, se alastrou pelo Brasil afora”, disse o senador.

A campanha da Nova Capital do Brasil havia se enraizado na opinião pública brasileira, principalmente se verificado os sucessos na implantação de Goiânia e até de Belo Horizonte, que era bem mais antiga (planejada pelo engenheiro Aarão Reis entre 1894 e 1897).

1ª Semana Mudancista

Quando a caravana chegou a São Paulo, os seus organizadores promoveram um evento intitulado “1ª Semana Mudancista”, que tinha por objetivo discutir o planejamento de ocupação e construção de acessos à nova capital nacional. Uma das preocupações mais latentes do grupo era evitar o possível “rush” de grandes massas humanas à Brasília, em busca de trabalhos e oportunidades. “Se esse afluxo não for controlado, muita gente pode passar até fome”. O senador Coimbra reportou como exemplo o que acontecera com Goiânia, duas décadas antes. “Com a experiência adquirida em Goiás, julgo fundamental que o governo esclareça que a nova capital será apenas uma pequena cidade administrativa, onde a indústria e o comércio deverão ficar limitados ao mínimo essencial. Assim, Brasília não deverá oferecer oportunidades maiores aos brasileiros que hoje desejam emigrar para outras paragens. Muito ao contrário. A fundação de Brasília como cérebro de uma nação dinamizada e vitalizada, deverá ser justamente o preparo de extensíssimas regiões de terras ubérrimas, até hoje completamente abandonadas, pelo hábito já secular de governar apenas a faixa litorânea”.

Na época, havia estudos que comprovavam que a capacidade do território brasileiro era comportar com folga cerca de 600 milhões de habitantes, ou seja, dez vezes mais do que havia nos anos 1950. Concentrar muita gente em um único lugar, assim, além de ilógico, era danoso para o país.

Estradas urgentes

Com relação aos acessos rodoviários, a caravana Brasília-Santos trouxe informações e soluções para a elaboração de projetos de construção e melhorias das estradas que ligariam o planalto central ao porto de Santos, principal canal de escoamento e recebimento de mercadorias e ponto de entrada e saída de milhares de pessoas em trânsito da Europa e América do Norte para o Brasil. A principal estrada em questão seria chamada de “Transbrasiliana”, formada por trechos da BR 33, 56 e 14.

A ligação Santos-Brasilia por estradas de ferro só foi concluída em 1967, com a utilização de vários ramais.

O prazo para a estruturação deste acesso seria ao total de dois anos, dependendo de ações firmes dos governos de Minas Gerais e São Paulo, por onde passam a maior parte dos trechos. O asfaltamento das estradas implicaria, automaticamente, na articulação com as estradas de ferro, o que contribuiria para a acelerar a construção da capital.

A expectativa de tráfego, porém, ainda que por estradas sem asfalto, seria até dezembro daquele ano. Em relação ao ramal ferroviário Santos-Brasília, o mesmo só foi concluído em 1967, durante o governo do presidente Castelo Branco. A extensão do percurso, de aproximadamente 1.300 km, faria com que os trens de carga levassem no máximo 20 horas para percorrê-lo. No sentido Brasília-Santos, as cargas eram na maior parte de produtos agropecuários da região (arroz, feijão, milho, gado bovino e suíno, produtos avícolas, etc.), e no sentido Santos-Brasília, produtos manufaturados, sendo que a maior parte absorvida pelo Estado de São Paulo.

Chegada a Santos

A caravana da Jornada Bandeirante Brasília-Santos chegou à cidade portuária paulista em meados de maio, sendo recebida pelo prefeito recém-eleito Silvio Fernandes Lopes. Os componentes da excursão também foram recepcionados pela diretoria do jornal A Tribuna, tendo à frente o jornalista Manoel Nascimento Júnior, dono do periódico.