Há 200 anos, Santos era um vilarejo com 22 vias públicas

Santos em 1822, com seus 4.781 habitantes, no ano da Independência. Quadro Benedicto Calixto (1922).

Para conhecê-la por completo, era necessário percorrer pouco mais de 5 quilômetros. Cidade contava com 523 moradias e abrigava 4.781 habitantes.

Olhando do alto, da perspectiva dos satélites, é possível verificar que a urbe santista já se esparramou por praticamente toda a região insular (a nossa parte na Ilha de São Vicente, ou a Gohayó dos tempos remotos), à exceção de algumas poucas áreas ainda preservadas nos morros e em pontos isolados na Zona Noroeste. Não colocarei na conta os nossos parques, praças e jardins da orla, pois tais lugares, de certa forma, já são parte integrante do rearranjo urbanístico promovido pelos santistas ao longo de sua história. Destarte, tamanho aglomerado urbano confere ao nosso retrato aerofotogramétrico um tom que mescla o cinza do concreto com o avermelhado predominante dos telhados de barro. Estas, enfim, são as cores panorâmicas da cidade santense nos dias de hoje, o puro retrato de uma mini metrópole que abriga nada menos do que 1.994 vias públicas, sendo 1.305 oficiais (divididas entre ruas, avenidas, largos, praças, travessas, caminhos e becos), apinhadas de vida e histórias centenárias.

Por falar em séculos, nada mais presente neste ano de 2022, do que as comemorações relativas ao Bicentenário da Independência do Brasil, fato histórico que teve em Santos um capítulo especial. É que, além de ser a terra natal do artificie do processo libertário, o nosso José Bonifácio de Andrada e Silva, os santistas tiveram o privilégio de hospedar, às vésperas do famoso grito do Ipiranga, nada menos do que seu personagem principal: o príncipe regente D. Pedro de Alcântara. E, ao contrário da urbe complexa dos dias de hoje, o futuro Imperador brasileiro encontrou aqui uma vila modesta, antiga e dotada de apenas 22 vias (isso mesmo! Em 1822, 22 vias).

Vale dizer que a cidade de Santos se concentrava entre as atuais ruas da Constituição (Bairro dos Quarteis) e São Bento (Valongo). E, da praia (atual cais do porto) ia na direção do Monte Serrat findando na atual João Pessoa. Neste pequeno trecho de pouco mais de 500 metros quadrados de área, estavam as 22 vias da cidade santista, que eram:

RUA JOSEFINA: Foi criada em 1808, e era conhecida originalmente como Rua da Palha. Começava na praia e ladeava o Outeiro de Santa Catarina, terminando além da atual General Câmara. É parte da atual Rua da Constituição. Tinha 25 casas habitadas.

Trecho da Rua dos Quartéis. O prédio central da imagem é a Casa do Trem Bélico. Quadro de Benedicto Calixto.

RUA DOS QUARTÉIS: Era uma série de vielas, que incluía a que abrigava a Casa do Trem Bélico (atual Rua Tiro Onze). Contava com 51 casas.

RUA DE SANTA CATARINA: Partia do Largo da Matriz (Atual Praça da República) até se encontrar com a Rua Josefina. Abrigava 32 casas. É a atual Rua Visconde do Rio Branco.

RUA SETENTRIONAL – Ruela que corria paralela à praia e dava defronte à Igreja Matriz. Tinha 21 casas.

RUA MERIDIONAL – Desmembrou-se em 1810 da Rua Direita (atual XV de Novembro). Começava diante do Convento do Carmo e terminava no Largo da Matriz. Possuía 21 casas. Este local abrigou o primeiro comércio de rua de Santos.

 

RUA DIREITA – Contando com 46 casas, entre elas a da família de José Bonifácio de Andrada e Silva. É a atual XV de Novembro.

TRAVESSA DO PARTO – Seria a equivalente hoje à Rua D. Pedro. Tinha 10 casas habitadas. Começava na Rua Áurea (Atual General Câmara) e terminava nas águas do estuário.

TRAVESSA DA BANCA DO PEIXE – Equivalente hoje à Riachuelo, começando no Campo da Misericórdia (atual Praça Mauá) e terminando também no lagamar, onde havia uma banca para venda de peixes. Reunia 7 casas.

BECO DO INFERNO – Equivalente à Rua Frei Gaspar, entre a atual XV de Novembro e a Praça Ruy Barbosa, que à época se chamava Largo do Rosário. Reunia 12 casas.

RUA ANTONINA – Formada em 1810, era o trecho da atual XV de Novembro, entre a Frei Gaspar (Beco do Inferno), onde ficava o famoso Quatro Cantos (área da entrada da Bolsa do Café), e a atual Rua do Comércio (Rua de Santo Antônio). Contava com 14 casas.

TRAVESSA DA ALFÂNDEGA – Começava nos Quatro Cantos e terminava no porto, em frente ao edifício da alfândega velha (que depois foi demolido e incorporado à Rua da Praia). Contava com seis casas, onde moravam famílias abastadas da cidade, como o governador do Forte de Itapema, José Antônio Vieira de Carvalho, no casarão até hoje existente (ao lado da Bolsa do Café), onde chegou a funcionar o Banco Mauá.

RUA DA PRAIA – Com 18 casas, ia do atual espaço traseiro da Bolsa do Café, até a Igreja do Valongo. O local também era escolhido pelas maiores famílias de Santos para moradia.

Capela da Graça, na esquina da Rua da Graça e Santo Antônio. Obra de Benedicto Calixto.

RUA DA GRAÇA – Recebeu esse nome em 1810, por causa da Capela da Graça, construída na esquina da Rua de Santo Antônio, ainda no século 16, por José Adorno e sua esposa, Catarina. É a atual José Ricardo. Contava com cinco casas.

RUA DE SANTO ANTONIO – Atual Rua do Comércio. Em 1822, esta via se iniciava no Largo do Rosário e findava na frente do Convento de São Francisco, no Valongo. Reunia 43 casas.

RUA DO VALONGO – Ficava na parte de trás do Convento dos Franciscanos, hoje ocupada pelo complexo da Petrobrás. Na época contava com 33 casas habitadas.

RUA DE SÃO BENTO – Também conhecida como Rua dos Curtumes, começava no Morro de São Bento (onde ficava o Mosteiro Beneditino) e findava na Rua de Santo Antônio> possuía 24 casas.

RUA DO ROSÁRIO – Também nasceu em 1810, começando na Igreja do Rosário dos Homens Pretos e findava na altura do riacho do Itororó. Ao longo do caminho, abrigava 33 casas.

RUA DA MISERICÓRDIA – Saia do Beco do Inferno (Frei Gaspar) e terminava no Campo da Misericórdia (Praça Mauá). Seria o equivalente a um trecho da atual Rua Cidade de Toledo. Contava com 12 casas.

RUA DO CAMPO – Começava no Campo da Misericórdia (Praça Mauá) com a Travessa do Parto e findava no Largo do Rosário. Era a mais densa em moradias, contando com 45 casas em ambos os lados. Este trecho é o equivalente à General Câmara, margeando a Praça Mauá.

TRAVESSA DO CARMO – Com seis casas, ocupava o atual trecho da Rua do Itororó atrás das igrejas do Carmo (hoje um beco sem saída).

RUA DO TORORÓ – Começava na encosta do Monte Serrat, sendo praticamente uma picada no meio do mato, que levava até a biquinha do Itororó, onde havia a água mais pura da cidade. Contava com 12 casas no seu início.

RUA ÁUREA – É o trecho da atual General Câmara, a partir do Campo da Misericórdia (Praça Mauá), na direção da Rua Josefina (da Constituição). Contava com 47 casas. Já foi chamada de Rua Nova e Rua dos Açougues.

Assim, se D. Pedro, quando esteve aqui entre 5 e 7 de setembro de 1822, tivesse percorrido todas as ruas santistas da época, ele teria caminhado cerca de 5,4 km. Hoje, seria impossível fazê-lo em tão pouco tempo, uma vez que registramos, segundo dados da Prefeitura, cerca de 700 km de vias públicas. Enfim, uma cidade simples, mas dona de uma história ímpar e um grande futuro pela frente.

Planta da Vila de Santos em 1822, desenvolvido por Benedicto Calixto a partir de documentos disponíveis à época. Versão publicada no livro “A História de Santos”, de Francisco Martins dos Santos.
Mesma planta, porém publicada no livro “Os Andradas”, de Alberto Sousa, editado em 1922.