A visita “unforgettable” do astro do Jazz, Nat “King” Cole, a Santos

Astro da música norte-americana bem que tentou ser discreto na sua visita surpresa à cidade santista. Ele não queria chamar a atenção da imprensa e dos curiosos. Ao final, concedeu entrevista ao jornal A Tribuna e distribuiu sorrisos e autógrafos

Nat King Cole na cantina Don Fabrizio, em abril de 1959.

Santos, sábado, 25 de abril de 1959. Eram quase 15 horas quando o jornalista de A Tribuna, Hamleto Rossato e o fotógrafo Rafael Dias Herrera desceram do carro, esbaforidos, na frente do badalado restaurante “Don Fabrizio”, no Gonzaga, ávidos por registrar um acontecimento único, um furo de reportagem na cidade. Ambos haviam recebido, cerca de uma hora antes, a informação, até então sigilosa, de que a cidade santista estava recebendo, de forma totalmente inesperada, uma visita muito ilustre, que chegara da capital bandeirante pouco antes do meio-dia e que já tinha passeado de carro pelas vias da orla praiana. Segundo o informante, a figura estaria almoçando no famoso estabelecimento de culinária italiana do Gonzaga, e não desejava ser importunada. Mas quem disse que figuras públicas têm direito ao sossego e à privacidade?

Hamleto se aproximou da entrada do restaurante e logo foi barrado pelo proprietário, Fabrizio Tatini, que lhe pediu um pouco de paciência e não importunasse seu cliente, pelo menos antes dele concluir sua refeição. Enfim, um dos maiores astros da música norte-americana e mundial estava ali, ao alcance da vista do repórter e do fotógrafo, que não esconderam a emoção por estarem prestes a conversar e fotografar o cantor e pianista norte-americano Nathaniel Adams Coles, ou Nat “King” Cole, um dos maiores, senão o maior astro do Jazz nos Estados Unidos.

“Cole” estava acompanhado de sua esposa, Mary, e do empresário. O pianista estava concluindo sua excursão pelo Brasil, onde fez apresentações no Maracanãzinho (dias 17, 18 e 19 de abril) e no Teatro Paramount, em São Paulo (dias 21, 23 e 24). Naquela noite, ele faria sua última apresentação na capital bandeirante, antes de regressar aos Estados Unidos. A decisão de descer a Serra e conhecer Santos foi motivada por alguns amigos brasileiros, que recomendaram o passeio e o almoço no famoso “Don Fabrizio”. No entanto, para não pegar o restaurante cheio (o que era normal aos finais de semana), o norte-americano pediu para reservar um espaço perto das 15 horas. Queria distância, de curiosos e imprensa, mas não conseguiu.

Já sabedor que seus planos haviam fracassado, “Cole” perguntou a Tatini, num espanhol enrolado, quem eram os jornalistas que haviam furado o cerco. De longe, o cantor apontou na direção dos repórteres de A Tribuna e autorizou a aproximação de ambos.

Não teve jeito. Quando descobriram sua presença no restaurante Don Fabrizio, no Gonzaga, um grande número de jovens foi para lá ver de perto um dos maiores gênios da música mundial.

Um largo sorriso

Nat “King” Cole estava terminado de tomar um cafezinho. Hamleto e Herrera, então, quebraram o gelo e se apresentaram. O pianista estendeu a mão e os cumprimentou educadamente. De certa forma aparentou estar ligeiramente amedrontado. Nos primeiros minutos de contato, ele não esboçou sequer um sorriso e quase não falava. De repente, ele passou seus olhos pela janela e viu que na rua uma enorme quantidade de jovens, de ambos os sexos, se aglomerava. Certamente estariam aguardando a saída do astro de dentro do restaurante.

Hamleto resolveu tomar a iniciativa da conversa e aproveitou para perguntar se o cantor de jazz apreciava o café brasileiro. “Como no” respondeu quase que de forma monossilábica. O repórter prosseguiu, perguntando-lhe sobre o que estava achando do Brasil, em sua primeira viagem ao país. “Cole”, então, resolveu deixar o idioma espanhol de lado e passou a falar inglês. Mas Hamleto dominava a língua estrangeira e conseguiu fazer suas anotações valiosas. Vez em quando, o pianista controlava os gestos do repórter fotográfico “Rafa”.  Quando ele percebeu a abertura da objetiva, para colher o flagrante, decidiu abrir um largo sorriso. Afinal de contas, já que a surpresa e o sigilo haviam naufragado, pelo menos se soltaria e tornaria a ser o Nat “King” Cole alegre e divertido que todos conheciam. Hamleto aproveitou a mudança de humor e perguntou-lhe sobre as praias de Santos, se havia gostado do que viu. “São muito bonitas, grandes e ajardinadas”, respondeu em inglês.

O jornalista santista permaneceu mais vinte minutos com o cantor e lhe contou que havia viajado para os Estados Unidos alguns anos antes e conhecera o Alabama, terra natal de “Cole”. Diante da revelação, ele ficou mais à vontade e até chegou a confessar que tinha saudades do lugar onde nascera. “Sinto Muchas Sodades”, disse, numa mistura de espanhol e português.

Herrera tomou algumas fotos durante a rápida entrevista com o grande cantor, que pareceu saber fazer-se estimado, quando queria. Se a vontade, entretanto, era manter distância, ele usava o artifício de fechar o rosto. Porém, nos momentos finais ali no restaurante, ao lado de Fabrizio Tatini e dos garçons (que, aliás tiraram várias fotos com o astro), ele conquistara a simpatia de todos. E sua grande arma era o sorriso largo que enchia seu rosto de brilho.

Nat “King” Cole, então, se levantou e chamou sua esposa. Era hora de regressar à capital. Cumprimentou Hamleto e Herrera e, inesperadamente, deu-lhes um abraço. Afinal, a conversa foi interessante e divertida. Em seguida saiu pela porta principal do “Don Fabrizio”, onde um grande grupo de jovens o esperava para celebrar sua presença. Antes de entrar no carro, depois de assinar alguns autógrafos, se voltou aos repórteres e outros amigos santistas e disse: “Estoy muy agradecido. Hasta Luego, my friend”. E se foi, de volta para São Paulo, embaixo de uma salva de palmas, deixando para trás um dia “unforgettable” (inesquecível).

Unforgettable in every way (Inesquecível em todos os sentidos)
And forever more, that’s how you’ll stay (E para sempre, é assim que você vai ficar)
That’s why, darling, it’s incredible (Por isso, querida, é incrível)
That someone so unforgettable (Esse alguém tão inesquecível)
Thinks that I am unforgettable too (Pense que eu sou inesquecível também)

Nat “King” Cole cumprimenta o repórter Hamleto Rosato, ao lado de Fabrizio Tatini, dono do restaurante. Depois de um começo tenso, entrevista foi marcada pelos sorrisos do astro norte-americano.