As duas primeiras décadas do comércio de automóveis em Santos 1910/1920

Garage Central, a pioneira na cidade de Santos. Era locadora, oficina, vendedora de peças e companhia de taxi com chauffeurs particulares.

Os primeiros veículos da cidade chegaram ainda no finzinho do século 19, mas somente na década de 1910, é que o comércio de venda e, principalmente, de locação, pegou fogo, com o surgimento de várias “garagens”. É porque ter um carro em casa não era para qualquer um

Santos, 1912. Apesar da cidade possuir um número considerável de pessoas providas de altos rendimentos financeiros, em função do pujante comércio da Praça de Santos e dos postos oferecidos por multinacionais de serviços públicos, assim como pelo porto e sua cadeia produtiva, não era tão significativa assim a quantidade de veículos automotores circulantes pelas ruas da cidade. Em dados estatísticos da época, Santos apresentava aproximadamente 300 veículos cadastrados contra 89 mil habitantes registrados pelo censo daquele ano. Na ponta do lápis, isso significava uma proporção de um carro para cada grupo de 296 pessoas (hoje Santos tem a 14ª maior frota do Brasil, com cerca de 280 mil veículos – dados do IBGE de 2020 – e cerca de 430 mil habitantes, o que daria um carro para cada 1,53 habitante).

Alguns fatores foram determinantes para que o número de carros na época fosse baixo. O primeiro era de que não havia produção nacional. Ou seja, quem quisesse ter um veículo automotor em casa, tinha de importar, de preferência da Europa. O combustível também era outro problema. Não existiam postos de abastecimento. Quem quisesse circular de carro à vontade, tinha de estocar gasolina, comprando-a nas mesmas lojas onde adquiriam os veículos. Para finalizar, as cidades e estradas entre os municípios também não eram uma maravilha, embora fossem muito melhores do que cinco anos antes. Para se ter uma ideia, o primeiro carro a fazer uma viagem de São Paulo a Santos empreendeu esta aventura em abril de 1908, numa jornada de 37 horas!

De qualquer forma, a era automobilística havia se tornado uma realidade, porém ainda muito distante do bolso popular. Carro, então, era símbolo de status, muito mais do que nos dias hoje, pois qualquer calhambeque era invejado pelo vizinho.

A Garage Central alugava carros da marca italiana SPA

Não tem carro? Então alugue um!

Uma saída interessante criada à época para os que tinham vontade de passear de carro, mas não reuniam condições de serem proprietários de um, era alugar. A empresa pioneira no serviço na cidade santista foi a “Garage” Central, que pertencia à firma Lourenço, Malta e Companhia. Ela mantinha dois endereços de atendimento: a garagem, propriamente dita, situava-se na Rua do Rosário, 183 (atual João Pessoa), e o escritório, na Praça Mauá. A empresa oferecia aos clientes a comodidade e a elegância dos automóveis SPA (Societá Piemontesi Automobili), de procedência italiana. E nem precisava saber dirigir, porque a Garagem Central alugava o carro com “chauffeur” (motorista).

A Garagem Central não estava sozinha naquele mercado que começava a se aquecer. Havia também a Companhia Auto Garage (Rua Onze de Junho, 35 – atual Rua Riachuelo – e Rosário, s/n); a Empresa Auto Santista (Rua General Câmara, 271 e Santo Antônio, 59 – atual Rua do Comércio), de Campos Maia & Cia, a única a disponibilizar automóveis totalmente fechados (landaulets); a Royal Garage, que pertencia a Joaquim Pereira Ramos, e ficava na Rua do Rosário, 31; e a Garage Internacional, com escritório na Rua XV de Novembro, 23 e agência do Largo do Rosário, 2 (atual Praça Ruy Barbosa).

A Internacional era a maior do gênero em Santos, oferecendo serviços diversos. Havia o de transporte pontual, como um taxi dos dias de hoje, fazendo uso de tabela de preços fixa. Para se ter uma ideia, uma corrida do Centro de Santos para São Vicente ou Ponta da Praia saia por 15 mil réis (o equivalente a R$ 750 nos dias de hoje – o custo de uma passagem aérea de São Paulo a Fortaleza, por exemplo). Se fosse até o José Menino, daria 10 mil réis (R$ 500 nos dias de hoje). Dentro dos limites da cidade santista – Valongo, Paquetá, Vila Nova, Vila Mathias e Macuco), poderia sair a partir de 5 mil réis (R$ 250 nos dias de hoje). Havia um adendo. Se a corrida ocorresse entre meia noite e quatro horas da manhã, havia um acréscimo de mais 5 mil réis. Enfim, não era para qualquer um.

A Internacional oferecia pacotes especiais para clientes regulares. Era o que chamavam de “Serviço de Luxo por Assinatura”. Os carros incluídos na frota da Internacional eram das marcas Benz, Charron, Fiat e Darracq. “Os nossos automóveis são os mais cômodos, luxuosos, os mais firmes, elegantes, os mais suaves e únicos que estão na altura de bem servir o nosso público”, era o que dizia a propaganda da empresa, administrada pela empresa Mello & Argemiro, que tinha seu escritório na Rua 24 de Maio, 44 (atual Rua Tuiuti).

A “Garage Internacional” oferecia uma gama diversificada de veículos para locação e tinha até planos de assinaturas e tabela de preços para distâncias diferentes, como São Vicente, José Menino ou Ponta da Praia.

 

 

A primeira concessionária de Santos vendia veículos de procedência belga.

A primeira “concessionária” de Santos

Enquanto as “garages” se concentravam na locação e prestação de serviços, a empresa “Automóveis Metalurgique”, resolveu focar na venda de carros da marca “Bergmann Metallurgique”, de origem belga. Esses tipos de carros, com chassi de aço prensado, eixo traseiro dinâmico, acionamento por eixo e ignição de alta tensão, trazia a opção de iluminação elétrica movida a dínamo, o que tornou a empresa como uma das melhores fabricantes de carros esportivos na Europa. A produção foi direcionada para exportação, e a maioria das vendas foi na Grã-Bretanha. O Brasil, consequentemente, pela alta influência inglesa (em Santos, diversas empresas de serviço público eram inglesas), também importou muito desses veículos.

            Em Santos, o representante da fábrica era Décio de Araújo. Ele atendia os clientes no Bureu Central, que ficava na Praça da República, 16. Em anúncio na Revista Fita, de Santos, Araújo chamava a atenção dos clientes com fotos dos carros que se achavam em estoque, disponíveis para compra. E ainda garantia condições “vantajosíssimas” de pagamento.

Expandido para serviços de mecânica

Os negócios de locação de carros e serviços de transporte de passageiros em automóveis progrediu de tal maneira, que outras empresas foram surgindo ao longo da década de 1910, e incluíram em sua gama de serviço, atendimento mecânico. Eram como se fossem autênticas concessionárias das marcas estrangeiras. Uma delas foi a “Garage Mechanica”, pertencente à firma Fonseca & Spanghero, que instaram na Rua Braz Cubas, 152 e 154, uma oficina vasta para acomodar um grande número de veículos. A garagem possuía todos os tipos de equipamentos para consertar quaisquer tipos de peças, incluindo os pneus de borracha. Eles também vendiam combustível e peças de reposição.

Outra empresa a entrar no mercado foi a “Garage Dion-Bouton”, pertencente à firma A.C. Gomes & Cia, com sede num sobrado situado na Rua XV de Novembro, 59. A garagem ficava na Rua General Câmara, 269, e tinha capacidade para abrigar mais de 50 veículos, em especial caminhões, especialidade da empresa, que se autoproclamava a maior e melhor do ramo de transporte de cargas. Seus veículos, todos da marca Benz, rodavam por toda a cidade, em especial na faixa de cais. A Internacional também se tornou a maior fornecedora de óleos, combustíveis, querosene, estopa e pneus.

A “Garage Dion-Bouton” era especialista em locação de veículos para transporte de cargas

Anos 1920, mais opções

O Brasil recebeu, em 1919, a primeira fábrica de automóveis de sua história, a da Ford, situada em São Paulo, com a produção do famoso Modelo T (ou Ford Bigode). A General Motors chegaria em 1925. O Brasil investia cada vez mais em infraestrutura para os automóveis e, naquela década começavam a surgir as primeiras estradas de concreto e asfalto. Em duas décadas (1920-1939), o Estado de São Paulo saltava de 5 mil para 43 mil carros registrados. Esse crescimento se verificou também em Santos.

Os serviços de táxi ganhavam as ruas da cidade. O empresário Antônio Duarte Moreira, proprietário da famosa A.D.Moreira, criou a primeira frota de taxis de rua da cidade, a partir de 1919. Naquele mesmo ano, para facilitar sua vida, ele também instalou a primeira bomba de gasolina de rua da América do Sul, no trecho final da avenida Ana Costa, no Gonzaga (veja artigo).

Outras empresas de locação de veículos foram surgindo ao longo dos anos 1920, como a Garage Hudson, cujo proprietário era Manoel Rodrigues, situada na Rua Martim Afonso, 175/179 (e agência na Praça Mauá, 17). Além de alugar veículos luxuosos para eventos sociais, como casamentos, a empresa também comercializava combustível, lubrificantes e prestava serviços de funilaria, pintura, lavagem, consertos de pneus e câmaras. A Garage Hudson também funcionava como “garagem”, para aqueles que utilizavam carros para trabalhar no Centro e não tinham onde guardar.

A Auto Geral, da Rua XV de Novembro, 194, foi outra que surgiu nos anos 1920, sendo ela uma espécie de revendedora de veículos da marca norte americana “Nash Motors”, empresa criada por um ex-presidente da Ford nos Estados Unidos, Charles Nash, em 1916. A propaganda do carro dava conta de que era um veículo forte e econômico.

Em 1926, chegava a Santos o revendedor da marca italiana “Fiat” (embora já fosse possível alugar veículos desta marca na cidade, pela Internacional, desde 1914). A Garage Fiat tinha como proprietária a firma A. Santos & Companhia, com sede na Rua Campos Mello, 77, no Macuco. Sua área era bastante ampla, com capacidade para abrigar mais de 100 veículos (veja artigo específico).  O local se tornou, em 1928, o único representante na cidade dos pneus Pirelli, também de origem italiana.

E assim, o comércio de automóveis em Santos só se desenvolveu, acompanhando o avanço tecnológico do segmento, que a cada ano lançava novos e modernos veículos. Mas, aí, são outras histórias a contar.

Anúncio da Auto Santista na Revista Flamma, 1931.