São Paulo, 1963. Os arquitetos Décio Tozzi e Luis Carlos Ramos estavam debruçados sobre os croquis que acabavam de concluir, depois de muito maturar sobre o que oferecer aos santistas como solução de abrigo ao Instituto Municipal de Comércio (escola voltada à capacitação de mão de obra para suprir as demandas nas áreas administrativas do porto e nas atividades comerciais da cidade). Embebidos dos preceitos da moderna arquitetura paulista, notadamente da estética crua do “brutalismo” que, na essência, privilegia a construção de espaços de forma organizada para a boa prática das atividades humanas, Tozzi e Ramos se entreolharam e sorriram. Ambos estavam satisfeitos com o resultado materializado de suas mentes abertas. Eles não só ofereciam uma saída para a instalação definitiva da instituição de ensino, como também brindavam a cidade portuária com um vultoso estudo de urbanização de um importante trecho da Vila Nova, propondo a edificação não só de um prédio, mas de todo um Campus educacional que prometia oferecer novos rumos à instrução profissional dos jovens santistas.
Na concepção dos dois arquitetos, a proposta era promover a transformação da paisagem urbana numa região que começava a ganhar contornos de decadência (lembrando que as elites já se deslocavam da Vila Nova para os bairros da orla desde os anos 1920). O ponto central dessa metamorfose se concentrava justamente no edificio idealizado para a Escola Municipal de Comércio, que se situaria numa esplanada interligada a outras quadras por meio de plataformas elevadas sobre as ruas Braz Cubas e Sete de Setembro.
O edifício central, que viria a se tornar a Escola de Comércio Acácio de Paula Leite Sampaio, foi, então, erigido todo em concreto, contendo salas tipo anfiteatro, atelier flexível para aulas práticas, áreas administrativas, sanitários e cantina. O maior diferencial do projeto ficou por conta da concepção de iluminação interna, aspecto determinante para o seu enaltecimento por parte da comunidade internacional de arquitetura. Tozzi e Ramos utilizaram de preceitos físicos para fazer com que a luz natural penetrasse no alto da edificação e percorresse os andares de baixo, refletindo nas paredes de concreto, até alcançar o plano de estudos dos laboratórios. “É preciso um certo tempo para se descobrir esse caminho misterioso e surpreendente, pois a luz surge por dentro, aos poucos, desenhando esse encadeado de espaços que caracteriza o trabalho de Décio Tozzi”, comentou em 1980 o renomado arquiteto Ubyrajara Gilioli num artigo para a revista Módulo.
Acácio e Avelino, irmãos e sobreviventes do plano original
A viabilização das ideias concebidas pela dupla de arquitetos paulistanos, no entanto, concentrou-se apenas no projeto central, o do Acácio. E, ainda assim, demorou a vingar. Foi somente em 1969, durante a gestão do prefeito Silvio Fernandes Lopes, que o prédio foi concluído. Naquele mesmo ano era terminada a obra da Escola Municipal Avelino da Paz Vieira (antigo Grupo Escolar João XXIII), projeto da Prodesan, concebido também nos moldes brutalistas, ainda que com outra estética. O Avelino apresentava uma concepção de salas de aula com janelas voltadas ao exterior e ventilação cruzada, enquanto o Acácio possuía espaços interiores mais próximos a de uma “clausura”, com luz difusa e ventilação vindas do teto, com uso de “sheds”. Embora projetados por grupos distintos, ambos os prédios foram, de certa forma, vislumbrados por Tozzi e Ramos. Destarte, eram como uma espécie de irmãos, sobreviventes do plano original.
A Escola do Comércio
A Escola de Comércio Acácio de Paula Leite Sampaio (assim batizada em homenagem a um ex-Diretor do Conselho Regional de Contabilidade e auditor da Fazenda da Prefeitura de Santos, falecido em 1965) era herdeira do Instituto Municipal do Comércio, entidade criada em 1948, voltada para a capacitação de jovens secundaristas (atual ensino médio) para o mercado emergente de trabalho no Pós-guerra, em especial para as atividades administrativas do setor portuário. As aulas aconteciam no período noturno da Escola Municipal Olavo Bilac, situada na Vila Belmiro. Com o crescimento da demanda e da importância deste núcleo educativo, nos anos 1960, a municipalidade decidiu mandar erguer uma edificação própria para a instituição contratando, assim, os arquitetos Décio Tozzi e Luis Carlos Ramos para a tarefa.
Após inaugurado, em 13 de abril de 1969, o prédio iniciou suas atividades dentro da proposta pedagógica de ensino técnico. As aulas eram noturnas, das 19h30 às 23 horas (visando facilitar o acesso da maior demanda de alunos, que trabalhava durante o dia) com grade mista, combinando conhecimentos gerais curriculares (português, inglês, história, geografia, matemática, física e química) com os da capacitação (contabilidade geral, bancária, industrial, legislação, mecanografia e processamento de dados). Ao longo do tempo, o espaço passou a contar também com escritório modelo de contabilidade (criado em 1992), sala de projeção de vídeos e laboratórios químicos. Os alunos eram diplomados após três anos de estudos e qualificados em Ciências Contábeis. A capacidade era para cerca de 500 alunos.
Tombamento e fim das atividades
Em 2007, a Secretaria de Educação do município solicitou a abertura de estudo de tombamento da edificação de Tozzi e Ramos, abrindo processo junto ao Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico de Santos. O imóvel foi efetivamente tombado pela Resolução 01/2016
As atividades da Escola de Segundo Grau e Profissionalizante Acácio de Paula Leite Sampaio, apesar de sua importância, acabaram paralisadas em 2013. No ano seguinte, a Prefeitura publicou decreto passando a gestão da unidade para o Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza, por meio de convênio. No entanto, a parceria não vingou e o prédio acabou fechado. Somente em novembro de 2019 é que a edificação histórica voltou a ganhar nova chance de uso, com o repasse do prédio à Câmara Municipal de Santos.
O Legislativo pretende, além de atividades administrativas, utilizar o precioso espaço para o cumprimento de sua finalidade precípua, a de educação, porém voltada ao ensino da cidadania plena. E, podemos dizer, nada melhor do que um lugar onde a luz esparge para todos os lados para instigar os jovens santistas o exercício da reflexão e das boas práticas comuns.
Premiado Internacionalmente
Do ponto de vista arquitetônico, o prédio da Escola do Comércio de Santos se tornou um dos símbolos do movimento da Escola Paulista de Arquitetura, amealhando diversos prêmios, incluindo a escolha, em 2009, pelo Museu Nacional de Arte Moderna do Centro Georges Pompidou (Paris, França), para figurar com destaque no catálogo da exposição de obras modernas (“Modernités Plurielles de 1905 a 1970”). A maquete do Acácio foi escolhida, entre tantas outras obras arquitetônicas, a compor o acervo permanente da renomada instituição francesa. Isso tornou aquela pequena fração do sonho construído em 1963 por Tozzi e Ramos numa bela realidade, reconhecida no mundo todo.