Durante o período colonial, até a transferência da corte portuguesa para o Brasil, em 1808, a presença e circulação de protestantes era bastante escassa, até que, em 1810, com a assinatura do Tratado de Abertura dos Portos às Nações Amigas, essa situação mudou. Após a consolidação dos acordos comerciais com a Inglaterra, o estabelecimento de empresários e negociantes de origem britânica em solo tupiniquim passou a ser uma constante. E, se por um lado, o tratado alavancou alguns setores produtivos, por outro criou um desconforto de ordem religiosa.
Os ingleses, de orientação protestante, ao contrário dos católicos brasileiros e portugueses da época, não sepultavam seus conterrâneos dentro das igrejas. A comunidade anglicana costumava enterrá-los em áreas abertas, os cemitérios (graveyard, em inglês), situados geralmente nas cercanias dos próprios templos.
Não foi muito diferente em Santos que, em razão do porto e o início do ciclo do café, passou a atrair uma atenção maior de empresários britânicos, que para cá vieram interessados em explorar não só os vários setores de exportação, mas também os de transporte coletivo (trens e bondes), comunicação (telégrafos) e serviços públicos (distribuição de água e mais tarde energia elétrica). Também faziam parte da conta, os alemães e polacos (poloneses), igualmente de orientação protestante, que desembarcaram na cidade no mesmo período.
Santos, em meados do século XIX, só dispunha de um “cemitério”, ainda assim provisório, situado na área externa do Convento do Valongo, onde eram enterrados os escravos e os cidadãos pobres, católicos. À exceção desses, a outra parte da sociedade santista estava associada a alguma irmandade, cujos membros eram, via de regra, inumados dentro das igrejas. Diante desta condição, os protestantes santistas não desejavam seguir por nenhuma das duas vias a fim de solucionar o enterro de seus mortos.
Tal conflito em relação ao assunto levou, em 1844, à criação do primeiro cemitério não católico e oficial fora dos adros das igrejas de Santos: o Cemitério dos Estrangeiros. Negociado por Frederico Fomm, os protestantes obtiveram permissão para instalar seu campo-santo “nos arrabaldes da cidade, junto às margens do Mar Salgado e do Rio dos Soldados, na parte extrema do Paquetá” (onde hoje está o Mercado Municipal). O terreno, bem dimensionado, ocupava uma grande área junto ao estuário e era cercado por muros de alvenaria de pedra. Ele foi comprado em 21 de agosto de 1844, por 50 mil réis, figurando Gustavo Backheusen como procurador de toda a comunidade religiosa protestante.
Com a Proclamação da República, em 1889, e a separação da Igreja e Governo, e a consequente instituição do “Estado Laico” no Brasil, a responsabilidade dos cemitérios passou para as mãos dos municípios. Porém, a cidade de Santos já havia se antecipado a essa situação havia muito tempo, uma vez que criara seu primeiro cemitério público municipal, o do Paquetá, em 1855, mais por conta da existência de graves problemas de saúde pública provocados pela enorme quantidade de sepultamentos dentro das igrejas originados das epidemias que assolaram a cidade a partir da década de 1850.
Diante desta nova situação, a existência do Cemitério dos Estrangeiros, que chegou a conviver lado a lado com o do Paquetá, perdeu o sentido, uma vez que todos (católicos e protestantes), a partir daquele momento, passaram a utilizar do mesmo espaço para sepultar seus mortos.
E desta forma foi extinto o Cemitério dos Estrangeiros. Primeiro, no papel, sendo anulado como instituição oficial. Depois, fisicamente. Em 1935, com o avanço do Porto de Santos, o espaço foi desativado em definitivo e sua área vendida à Companhia Docas de Santos, que expandia ainda mais as operações retro-portuárias. Os restos mortais de todos os protestantes sepultados no Cemitério dos Estrangeiros acabaram trasladados para uma campa perpétua que até hoje existe no Cemitério do Paquetá.
Nesta lápide é possível ler numa placa de bronze: “Aqui jazem os despojos trasladados do Cemitério dos Estrangeiros de Santos – 1846 – 1935”