Anunciada como a estrela do famoso livro de Herman Melville, escrito em 1851, e dos cinemas, cetáceo impressionava pelo tamanho e pelo uso absurdo de formol.
Segunda-feira, 29 de janeiro de 1956. A Praça dos Andradas testemunhava um movimento maior do que o normal naquele início de semana, em meio ao calorão tradicional de Verão santista. Desde as primeiras horas da manhã, homens, mulheres e dezenas de crianças se aglomeravam em torno de um caminhão de vinte e três metros de comprimento para ver de perto o que a imprensa local anunciara em suas páginas havia alguns dias: uma atração descomunal, única e espetacular, que vinha encantando públicos na Europa e África. Enfim, chegava a Santos a badaladíssima baleia “Moby Dick”, aclamada como sendo, de fato, a estrela de um dos filmes de maior bilheteria do cinema mundial naqueles anos 1950. O cetáceo, dono de imponentes 20 metros de comprimento e 60 toneladas de peso, chegou à cidade santista de trem, vindo da capital bandeirante, a fim de ser exposta ao vivo para o público local. Mas, a pergunta que ficara no ar para muita gente desavisada era: Mas como? Quem seria doido o suficiente para expor um animal daquele porte no meio de uma praça? Imagine o tamanho do tanque e a quantidade de água salgada necessários para abrigar este monstro marinho?!
Mas o que esses desavisados não sabiam era que a “Maior Baleia do Mundo”, como vinha sendo anunciada nos reclames publicados nos principais jornais do país, seria exposta morta, o que elevava ainda mais o nível de insanidade do mentor da ideia, o espanhol José Maturana. A atração “Moby Dick” era literalmente um “cadáver”, ainda que muito preservado, de uma Baleia-jubarte que fora capturada no Oceano Atlântico, no trecho entre Portugal e Marrocos.
Para não se decompor, os promotores do evento a mantinham, durante as viagens, imersa em 7.000 litros de formol (imagine o cheiro disso!). Porém, durante o período em que ficava exposto ao público, o animal marinho era retirado desta situação e colocado no seco. Ainda assim, o cadáver recebia, diariamente, uma aplicação de 500 litros de formol na pele. Vários cordões de isolamento impediam o público de tocar no animal. A precaução era necessária para evitar “furtos” de pedações do animal. Para se ter uma ideia, um dos olhos da baleia foi “roubado” durante a exposição na Itália.
Homenagem ao título paulista do Alvinegro de Vila Belmiro
Quando chegou a Santos, em janeiro de 1956, Moby Dick havia acabado de concluir uma “turnê” pela Europa e desembarcara na América do Sul no finalzinho do ano anterior, como uma passageira inusitada do navio “Lloyd Nicarágua”. Primeiramente a atração bizarra ficou exposta na capital brasileira, o Rio de Janeiro e, depois, rumou para São Paulo, levada por vagão de carga no ramal ferroviário da Central do Brasil. A decisão de descer a Serra a fim de expô-la aos santistas foi motivada pelo título que o principal time da cidade, o Santos Futebol Clube, ganhara dias antes (o segundo campeonato paulista de sua história, de 1955, em partida disputada em 15 de janeiro de 1956, na Vila Belmiro – Santos 2×1 Taubaté). O alvinegro da Vila Belmiro, por feliz coincidência aos donos de Moby Dick, tinha como mascote justamente uma baleia. Daí foi juntar a fome com a vontade de comer e pronto! Santos acabou se tornando rota da exposição da mais famosa baleia do cinema. Nas mensagens publicitárias veiculadas pela imprensa santista, a atração foi apresentada como “O Símbolo da Vitoriosa Equipe do Santos FC”.
Nas propagandas de rádio e jornal, os promotores chamavam a atenção do público, evidenciando os tamanhos colossais do animal. “Para estudo e ilustração das crianças, para distração dos adultos. Veja de perto uma verdadeira baleia, em carne e osso com 8.000 litros de sangue e cuja língua pesa 2.000 quilos. Vejam só que físico! Com 20 metros de comprimentos e 60 toneladas de peso, Moby Dick é simplesmente sensacional!”
A ideia do promotor e dono do animal morto, o espanhol Maturana, era fazer com que o povo brasileiro realmente acreditasse que a estrela da exposição era, de fato, a mesma baleia que estrelava livros e filmes de cinema. “Crianças, adolescentes, adultos, todos vão gostar muito de conhecer MOBY DICK, famosa em toda a Europa. Já se escreveram milhares de artigos e livros sobre ela”, propagavam as chamadas publicitárias. E muitos acreditaram! Para dar veracidade às histórias contadas pelos monitores da exposição, até o arpão que a matou foi mantido no corpo do animal, junto ao seu coração.
Como Moby Dick foi capturada para ser exposta ao público!
Ao contrário do lendário animal criado em 1851 pela imaginação do escritor norte-americano Herman Melville, a Moby Dick que veio a Santos foi facilmente capturada no alto mar atlântico, como contou Maturana à imprensa. O cetáceo, do tipo jubarte (ao contrário do personagem do famoso livro, que era um “cachalote”) foi “fisgado” na manhã de 14 de abril de 1955. Depois de localizada e perseguida, um arpão certeiro no coração, tirou a vida do animal marinho. A baleia ficou presa a um cabo de aço com mais de mil metros. Trazido à tona (ele estava afundando), Moby Dick recebeu uma injeção de ar comprimido para que pudesse flutuar. Na sequência foram injetados mais de sete mil litros de uma composição à base de formol, com o que se iniciaram as operações de conservação e embalsamento.
Viagem pelo mundo
Depois de passar por Santos, a exposição ainda tinha como destino o sul do país, e depois outros países, como Argentina, Venezuela, México e Estados Unidos. Os promotores do evento acreditavam que o defunto da baleia duraria cerca de três anos, e depois teria de ser descartado, aproveitando-se apenas os ossos. Até lá, eles esperavam ganhar tanto dinheiro e fama quanto a Moby Dick dos livros e do cinema.