Na história existem aqueles momentos que ficam marcados por gafes burlescas, como a que ocorreu em 13 de maio de 1958, tendo como personagens centrais o então vice-presidente da República, João Goulart, o Jango (que se tornaria presidente em 1960, governando até 1964, quando foi deposto pelo golpe militar daquele ano), e o vereador santista José Gonçalves (um dos mais importantes sindicalistas do porto da história – veja síntese biográfica ao final do artigo).
A história começou com a lamentável notícia de um acidente com vítimas fatais que ocorrera no dia 12 de maio na Rodovia Anchieta, onde um automóvel “Mercury”, da empresa de transporte Expresso Luxo, rodopiou após passar por uma mancha de óleo na pista e, sem controle, acabou saindo da estrada, capotando e caindo dentro da Represa Guarapiranga, com cinco pessoas à bordo. Além do motorista do veículo, estavam quatro sindicalistas, rumo a São Paulo, onde tinham uma audiência com o então governador do Estado, Jânio Quadros. Dois deles, Francisco Pedro Reis (tesoureiro do Sindicato dos Empregados em Escritórios de Navegação) e João Gonçalves Neto (presidente do Sindicato dos Condutores de Veículos Rodoviários), morreram no acidente que chocou a cidade de Santos. Gonçalves Neto, além de ativo líder sindical, havia também sido vereador na última legislatura (1953-1957) e, provavelmente, por isso, sobrenome e condição política, o engano do futuro presidente da República do Brasil, Jango, em relação ao velho companheiro de PTB, José Gonçalves, que também era ativo líder sindical (presidente do Sindicato dos Trabalhadores Portuários) e vereador (a diferença é que, ao contrário de João, José estava atuando na Câmara Municipal).
Os telegramas equivocados
É provável que a notícia, ao chegar ao gabinete da vice-presidência da República, tenha sido recebida de forma bastante truncada. Afinal, não eram nomes homônimos (João e José). Mas as informações básicas: “sindicalista”, “vereador de Santos” e “Gonçalves” acabaram formando o ingrediente perfeito para a confusão. Abalado com a notícia, Jango, imediatamente mandou enviar a Santos o telegrama de condolências à família do companheiro de partido, e outro endereçado para o então presidente da Câmara Municipal de Santos, Remo Petrarchi.
À família de José Gonçalves, mandou:
“Sentidas condolências por infausto acontecimento em que perdeu a vida nosso dedicado e grande companheiro, digno vereador José Gonçalves. João Goulart”.
Ao presidente da Câmara de Santos, enviou:
“Por intermédio do digno presidente, envio a todos os vereadores essa valorosa Câmara, sentidos pêsames falecimento grande companheiro José Gonçalves. João Goulart”
A resposta de esclarecimento
Três dias depois, logo pela manhã, Remo Petrarchi encaminhou telegrama, pela companhia Italcable, ao gabinete do Ministério do Trabalho, no Rio de Janeiro, endereçado a João Goulart (talvez essa tenha sido uma gafe da Câmara de Santos, uma vez que Jango havia deixado de ser ministro do Trabalho em 1954. Em 1958, ele ocupava a vice-presidência do Brasil e a presidência do Senado Federal). Na mensagem, dizia:
“Satisfação comunicar companheiro José Gonçalves gozando perfeita saúde. Houve equívoco nome. Saudações. Remo Petrarchi.”
Esclarecida a gafe de Jango, ninguém mais falou no assunto.
O Fundo José Gonçalves
Esta curiosa história chegou até o Memória Santista graças ao trabalho desenvolvido pelo setor de pesquisas da Fundação Arquivo e Memória de Santos que, recentemente, recebeu, em doação, todo o acervo documental do ex-vereador e sindicalista José Gonçalves. Na fase de inventário deste acervo, a estudante de história Lilliam Tavares, se deparou a esta curiosidade da vida de Gonçalves que, curiosamente viveu até os 100 anos de idade. Tivesse sido ele no acidente de 1958, teria falecido aos 46 anos de idade. Viveu mais 54!
José Gonçalves
Nascido em Santos, em 1912, era líder sindical na área portuária. Começou na política na década de 1930 e era a pessoa da mais alta confiança do ex-presidente Getúlio Vargas, de quem era grande amigo e partidário. Gonçalves foi o vereador mais votado da história de Santos até 2008, quando foi superado pela ex-prefeita Telma de Souza. Participou de várias instituições e foi por muitos anos voluntário na Santa Casa de Misericórdia. Faleceu aos 100 anos de idade, em dezembro de 2012.