Junho de 1973. Picaretas, marretas, cordas e capacetes eram distribuídos para os cerca de vinte homens convocados para uma das tarefas mais inglórias da história de Santos: extinguir o suntuoso Parque Balneário Hotel. A culpa, porém jamais poderia recair para aqueles modestos operários, pessoas de vida simples que desconheciam completamente o significado daquele imponente edifício que teriam de botar abaixo, um palácio que transbordava luxúria e poder, onde outras figuras, de vidas tão distintas da realidade daqueles pais de família, de mãos calejadas pelas agruras da árdua labuta, se reuniam para confraternizar em festas nababescas, em sofisticados jogos de cassino e espetáculos exclusivos à alta elite cafeeira paulista, no tempo em que o “ouro verde” ditava o caminhar do Brasil.
A partir do primeiro golpe de marreta na velha ala direita daquela joia arquitetônica e afetiva de Santos, caia por terra um dos mais antigos e tradicionais hotéis brasileiros, inaugurado em 1913, nos áureos tempos da primeira República. Em poucos meses desapareciam da vista dos santistas, as outras duas portarias do Balneário, a frontal à Av. Ana Costa e a outra, clássica, que conduzia os hóspedes e visitantes através do belo jardim, que se expandia ao longo da Av. Vicente de Carvalho, à beira-mar.
Muitas pessoas testemunharam atônitas a morte agonizante daquele que chegou a ser considerado o melhor hotel da América Latina, mais pujante até que o ainda hoje famoso Copacabana Palace, do Rio de Janeiro. Em seus quartos, de raro luxo, hospedaram-se personalidades de grande vulto, como Maurice Chevalier, o general McClark, Washington Luís, Juscelino Kubitschek e o rei Alberto da Bélgica. O Balneário era o hotel preferido da elite cafeeira paulista e também dos “reis da indústria” paulista, como os Matarazzos, os Sicilianos, os Byingtons e os Crespis. O que falar então do Cassino, onde se reuniam fazendeiros, exportadores, comissários e corretores cheios de dinheiro e prontos para o jogo.
Luxo, luxo, luxo
Não havia quem não se encantasse com cada espaço daqueles 12.700 metros quadrados ocupados pelo Parque Balneário Hotel. O edifício central, por exemplo, localizado entre as duas portarias do complexo, abrigava o Salão de Mármore, o Salão de Festas, o Salão Dourado, o Salão de Jogos e o refeitório de crianças. Este “pedaço” foi construído em 1926 pela Companhia Construtora de Santos, fundada e presidida por um dos mais eminentes economistas e empresários brasileiros: o santista Roberto Cochrane Simonsen.
Todos os detalhes saltavam aos olhos: escadarias de mármore, corrimãos de latão lavrado, lustres de cristal e alabastro, vitrais coloridos e capitéis dourados encimando pilastras de mármore rosado. Os salões do edifício central do hotel eram os que faziam do Parque Balneário uma relíquia do art noveau.
Entre todos os espaços do Balneário, a estrela era o Salão Dourado, onde dois alto relevos com ninfas muito alvas ladeavam a porta de entrada. Pelos vitrais dos janelões laterais viam-se cupidos nus e gordinhos como que espreitando arroubos e nostalgias de amor que por ali passavam.
Reminiscências de miniaturas góticas se misturavam aos cupidos e uma linha curva, antiga, terminava a parte superior das janelas em ogivas de gosto árabe ou mourisco. No teto, formado de saliências e reentrâncias quadrangulares, haviam filigranas douradas. E um balcão com amurada baixa, em colunatas, dominava o alto do salão, abrindo-se para uma varanda que dava para o jardim e de onde se avistava o mar.
Em conexão com o Salão Dourado estava o amplo Salão de Festas que, de 1930 a 1960, conheceu bailes carnavalescos tão animados quanto os melhores do Rio de Janeiro. Esse salão conheceu também sons de valsa, rumba, foxtrote e bolero. Seus vitrais apresentavam vasos transbordantes de frutas e lianas de flores pingentes.
A filosofia hoteleira dos irmãos João e Henrique Fraccaroli, idealizados do Balneário nos anos 1910, sintetizava-se no princípio de que um hotel “deve ter uma boca para o mar e outra para o interior“. E, de fato, eles recebiam do mar os turistas da rota Buenos Aires-Europa ou Buenos Aires-Nova York, e, do interior, os fazendeiros e industriais paulistas.
O Cassino
Mas foi o jogo que construiu a prosperidade do Parque Balneário. E, de 1913 a 1946, ele só sofreu uma interrupção nos salões do Parque, quando da proibição levantada durante o governo do marechal Eurico Gaspar Dutra, por meio do Decreto Lei 9.215, de 30 de abril de 1946. Dali em diante, o Balneário começou a declinar.
Santos era uma cidade inclinada para este tipo de lazer. Das 8 da noite às 4 da madrugada jogava-se não só no Parque Balneário, mas também nos cassinos da Ilha Porchat, do Jockey Club e no Miramar. Mas o Balneário era quem mais investia em atrações musicais para cativas os clientes, tal qual até hoje se faz em Las Vegas. O palácio hoteleiro santista chegou a trazer nomes como Jimmy Durante e Maurice Chevalier, que lotaram os salões estilo art noveau do Parque.
O Balneário se diferenciava dos demais cassinos pelo luxo e pela estilo de vida de seus frequentadores. Não era incomum estar de plantão algum agiota, preparado para “socorrer” os jogadores descapitalizados. Normalmente eles emprestavam discretamente dinheiro a jogadores sem sorte, que não pensavam duas vezes antes de penhorar joias, casas e terrenos. Havia também os que davam como garantia do empréstimo apenas um fio de barba. Gente honesta, como hoje não se vê mais.
Diagnósticos da decadência
Muita gente se perguntava. Porque o Balneário teve um fim tão lamentável? Na verdade, o ano de 1973 apenas consolidou uma agonia que já se arrastava havia anos. Com o boom imobiliário na cidade, a partir dos anos 1960, traduzido na forma da multiplicação dos edifícios de apartamentos na região da orla, muitos dos costumeiros hóspedes passaram a ter seu próprio endereço na cidade, isentando-se, assim, da necessidade de hospedar-se no hotel. Outro fator foi a própria popularização das praias santistas, em especial a do Gonzaga, o que, de certa forma, afastou a elite paulista, que passou a buscar outros balneários para viajar.
Com isso, a partir dos anos 1960, o grande hotel de 160 apartamentos foi adquirindo uma cor cinzenta e triste, transformando-se na imagem de uma época e de um estilo de vida irrecuperáveis. Chegou a ser comprado pelo Santos Futebol Clube que, orgulhosamente, o apresentou como uma das maiores conquistas do clube, em seu projeto de expansão social. Porém, o clube não conseguiu pagar a compra e todo o complexo acabou adquirido por duas imobiliárias da cidade, a Elacap e a Metromar, pelo valor de 16,7 milhões de cruzeiros. A ideia inicial dos novos donos, após a demolição de todo o conjunto, era construir um complexo turístico de dezoito andares, com lojas, cinemas, garagens, restaurantes e um hotel (o que não viria a acontecer por completo).