Patrono da Vila Mathias era esposo de Dona Anna Costa, que deu nome a uma das principais avenidas de Santos.
Santos, quarta-feira, 8 de maio de 1889. Como de costume, o cidadão português, radicado em Santos, Mathias Casimiro Alberto da Costa, saiu bem cedo de casa para vistoriar as obras de conclusão da avenida que lhe garantia, desde 14 de abril de 1889, ou seja, menos de um mês antes, o funcionamento do tão sonhado serviço de transporte de passageiros e cargas em bondes da Vila Mathias até a orla da Barra, cujo ponto final se situava defronte ao bar do amigo e conterrâneo Antônio Gonzaga, famoso comerciante daquela localidade praiana.
Ao inspecionar alguns terrenos nas proximidades, onde pretendia abrir uma picada de acesso, Costa notou a aproximação de dois velhos desafetos, os irmãos Olívio e Antônio Batista de Lima, membros de uma tradicional família santista, tida por muitos como honesta e respeitável. Ambos exerciam a profissão de guarda-livros. Olívio era empregado da firma Vicente Carvalhaes e, diziam as más línguas da cidade, sofria “das faculdades mentais”, tendo até sido internado, havia pouco tempo, numa casa de saúde.
Relatos de testemunhas apontaram que Costa fora “convidado” a tratar de um “assunto importante” e deveria acompanhar os irmãos Lima até a beira da via. Enquanto caminhava até os dois, desprevenido, acabou recebendo, quase à queima-roupa, um tiro de revólver. A bala feriu-o na testa, pouco acima do olho esquerdo. O trauma violento, no entanto, não produziu morte instantânea, tanto que o atentado acontecera às 11h30 e o falecimento somente às 14 horas.
Perseguição e tentativa de linchamento
Alguns dos trabalhadores contratados pelo português, ao ouvirem a detonação do revólver, largaram o serviço e correram até o local do crime, ainda em tempo de assistir a fuga dos assassinos, que correram em disparada na direção da cidade. Pelo menos metade deles perseguiu os irmãos Lima que, ao final, acabaram pegos nas proximidades da Praça José Bonifácio. Antônio, durante a corrida, chegou a receber uma pedrada na cabeça. Os perseguidores, indignados com o caso, gritavam pelas ruas – Assassinos! Assassinos! Mata! Mata! Quando os alcançaram, ensaiaram um linchamento, mas foram impedidos pela polícia, que logo chegou ao local.
A notícia do atentado correu a cidade como rastilho de pólvora. Muitos diziam saber da existência de uma antiga demanda por conta de um terreno de pequeno valor, que teria sido “invadido” por Mathias para usá-lo como parte da nova estrada.
Na residência de Azevedo Sodré, seu cunhado, para onde fora levado, dezenas de amigos, incluindo seu sócio, João Éboli, que era médico, se aglomeravam para saber detalhes de seu estado de saúde. Mathias agonizava lentamente. A bala penetrara na região frontal esquerda, introduzindo-se até a cavidade craniana.
Ao mesmo tempo, na Praça José Bonifácio, Antônio Batista de Lima resistia à prisão, enquanto seu irmão, Olívio, entregava-se sem nenhuma resistência. Ambos ainda traziam na cintura seus revólveres (marca Lefaucheux, de seis tiros), novos, sendo que no de Antônio faltava uma bala. Ainda assim, foi Olívio quem assumiu a autoria do disparo.
Mathias Costa era relativamente jovem, 35 anos de idade, deixando a mulher e cinco filhos pequenos. A notícia da sua morte produziu consternação geral em Santos, porque todos o conheciam e o estimavam como um homem forte, de caráter enérgico, dedicadíssimo ao trabalho, arrojado e empreendedor. Ele estava muito feliz em razão de ter selado acordo com a municipalidade para batizar a nova via com o nome de sua amada esposa, dona Anna Costa.
Investigação e outras versões
Nos dias que se seguiram ao crime que abalou a cidade, várias testemunhas foram ouvidas. Olívio Lima prestou seu depoimento e contou outra versão à polícia. Disse ele que ao chamar Mathias para a conversa, não tinha intensão de matá-lo, mas só intimidá-lo. Confessou que puxou o revólver, mas não iria apertar o gatilho. Ele afirmou que o português, assustado, tentou tomar a arma de suas mãos, o que culminou no que Olívio reputou como “acidente”, um “disparo casual”.
Ao final dos trabalhos de investigação, em 1º de junho, os irmãos Lima foram pronunciados como incursos nas penas do artigo 92 do Código Criminal, por crime de homicídio. O julgamento ficou marcado para o dia 17.
Absolvição e revolta
Enfim, o julgamento aconteceu na data acordada, no Tribunal do Júri, que ficava na Casa de Câmara e Cadeia, na Praça dos Andradas (atual Cadeia Velha). Os irmãos Lima tiveram como advogado o jovem Dr. Cesário Bastos (que mais tarde se tornaria vereador, deputado e senador). Na acusação, o jornalista, advogado e neto de Martim Francisco de Andrada, Dr. Martim Francisco Ribeiro de Andrada (3º). Dois grandes oradores. O julgamento atraiu a cidade. Havia gente por todos os cantos na Praça dos Andradas e na Casa de Câmara. Ao final, a existência de falhas no processo, que descaracterizou a autoria do disparo, fez com que a vitória caísse no colo dos irmãos Lima, que acabaram absolvidos por unanimidade e soltos, segundo a processualística penal.
O caso repercutiu negativamente em todo o pais. Em diversas notas publicaram: “Foram absolvidos os homens que com uma bala de revólver despedaçaram o crânio de um homem, o coração de uma senhora e o futuro de cinco crianças”. (Diário Mercantil de SP, 1889).
Ironia do destino
Um dos fatos mais irônicos da história santista possui relação direta com esse episódio. Poucos meses após o assassinato de Mathias, sua esposa, Anna Costa, decidiu abandonar a cidade, indo morar no Rio de Janeiro. Assim, cada personagem desta trama seguiu seu caminho. Cesário Bastos, o advogado que absolveu os assassinos do empresário lusitano, como já dito, tornou-se um grande e prestigiado político, a ponto de ter seu nome associado a um dos maiores grupos escolares da cidade, fundado inicialmente na Vila Nova. Mas quis o destino que a escola mudasse de endereço, ocupando, a partir de 1916, o majestoso edifício situado justamente no bairro daquele homem, cujos assassinos, mesmo com várias provas à mão, ele livrou da cadeia. Para piorar, o lugar era o ponto de partida da avenida que levava o nome mulher que se tornou viúva por causa da violência promovida por seus clientes.