Na história dos brasões de armas de Santos, que se inicia em 1888, com o estandarte da Câmara Municipal, a cidade contou com outras versões, além da produzida por Benedicto Calixto, em 1920, que se tornou a oficial. Por muitos anos a seguir, especialistas em heráldica (arte ou ciência cujo objeto é o estudo da origem, evolução e significado dos emblemas blasônicos, assim como a descrição e a criação de brasões), apontaram diversos defeitos no brasão de Calixto e sugeriram sua troca por peças “mais adequadas”. Um deles foi o renomado heraldista Lauro Ribeiro Escobar, que apresentou proposta nos anos 1980.
Antes dele, em 1963, o estudioso Arcinoé de Faria, um dos organizadores da Enciclopédia Heráldica Municipalista, do Instituto Heráldico e Genealógico Brasileiro, também já havia alertado para alguns erros heráldicos encontrados no brasão de Calixto, em especial a coroa amurada (que tinha menos torres do que deveria) e o formato do escuto (que deveria ser arredondado – português – e não pontiagudo – francês). Porém, Arcinoé resolveu não mudar o formato do escudo e as alterações propostas não caíram no gosto dos santistas, que a refutaram.
Quase 20 anos depois, o pesquisador santista Jaime Mesquita Caldas resolveu resgatar a questão, em 1980, iniciando um movimento acadêmico para promover a reforma no Brasão de Armas de Santos. Caldas, que era um apaixonado pela história da cidade, sabia que para ter êxito em sua missão necessitava caminhar pelo processo político. Foi então que procurou o vereador Kosei Iha que, por sua vez, com os estudos do pesquisador em mãos, ingressou na Câmara Municipal, naquele mesmo ano, o Projeto de Lei n° 74/80, que definia a reforma do Brasão de Santos pelas regras heráldicas.
O processo tramitou na Câmara por alguns meses, até que o então presidente do Legislativo santista, Oswaldo de Rosis, decidiu solicitar auxílio ao Governo do Estado, por meio da Secretaria de Cultura, comandada na época por Antonio Henrique Cunha Bueno. A ideia era buscar uma avaliação mais especializada sobre o assunto. O secretário de Estado, por sua vez, convocou o renomado heraldista Lauro Ribeiro Escobar, então membro do Conselho Estadual de Honrarias e Méritos, para promover um estudo aprofundado sobre as Armas Santistas (Escobar foi desenvolvedor de centenas de brasões de armas pelo Brasil, incluíndo o de São Vicente-SP).
A princípio, Escobar se ateve ao texto da Lei 638/1920, que homologou o Brasão de Armas desenhado por Calixto e o comparou ao Projeto de Lei apresentado por Kosei Iha. O heraldista considerou que muitos dos termos contidos no seu texto não eram adequados heraldicamente, e não ajudavam a buscar a solução definitiva para o símbolo. Escobar também apontou todos os erros elencados por Arcinoé no estudo de 1963 e ainda mencionou outros, como o fato de os ramos de café não darem sustentação ao escudo, como é pedido na heráldica. “Além do escudo ser francês, um erro que Arcinoé manteve em seu projeto, o mesmo está no ar, como se estivesse levitando, ou seja, não tem sustentação. Os ramos de café devem ficar levemente sobpostos, como se estivesse segurando o escudo, para ele não cair. Outro detalhe é a grafia da palavra “Charitatem”, que conta no listel. No latim, caridade, que se origina da palavra Cáritas, se grafa “Caritatem”. Este é um erro a ser considerado.”
Escobar permaneceu alguns meses estudando uma solução para o Brasão de Armas de Santos. Além de corrigir o que havia de necessário, Escobar sugeriu dois novos elementos. O primeiro era colocar ao lado dos ramos de café (que ficam no entorno do brasão), ramos de cana-de-açúcar, para lembrar que Santos foi a primeira vila do Brasil a cultivar o produto, além de ter possuído os primeiros engenhos do país.
A segunda proposta era a de inserir dentro do escudo quatro corações flamejantes, “como uma forma para lembrar que a primeira das santas casas brasileiras foi a de Santos. Os corações flamejantes traduziriam o amor e solidariedade. Foi uma ideia muito legal, mas que o pessoal de Santos acabou não adotando”. Realmente, a proposta de Escobar também ficou no caminho, assim como aconteceu com o projeto de Lei de Kosei Iha e o sonho de Jaime Caldas.
ESTE TEXTO É PUBLICADO HOJE EM HOMENAGEM AO GRANDE HERALDISTA LAURO RIBEIRO ESCOBAR, QUE FALECEU EM SÃO PAULO NO DIA 2 DE DEZEMBRO DE 2016.