Santos vivia mais uma madrugada calma e quente, naquela segunda-feira, dia 9 de janeiro de 1967. A maior parte dos cerca de 300 mil habitantes santistas já estava na cama, “carregando as baterias” para enfrentar a jornada de trabalho que se iniciava em poucas horas. Assim, fora o latido fortuito de algum cão mais alerta ou o cantarolar descompassado dos últimos boêmios dominicais, não se ouvia outro som pelas ruas até que, às 3 horas, um estrondo de grande violência sacudiu praticamente toda a cidade.
No epicentro do que pareceu um ataque aéreo por bomba, no bairro da Vila Nova, a força do deslocamento do ar provocado pela explosão de um imenso tanque de gás de carvão destelhou dezenas de casas num raio de 2 km em torno do local conhecido pelos santistas como “Gasômetro”, unidade operacional pertencente à “Companhia Cidade de Santos, Eletricidade e Gás”, situada na rua Marechal Pego Júnior, 144.
O complexo (um centro de distribuição) ocupava uma área de 1.200 metros quadrados, abrigando cinco tanques iguais ao que explodiu (eles eram apelidados de “Zeppelin”, dado o seu formato). Cada reservatório media 15 metros de comprimento por 3 metros de diâmetro e possuía capacidade para estocar 30 mil metros cúbicos de gás de carvão, produzidos pela empresa no bairro do Valongo (Este serviço foi criado no final do século 19 pela extinta companhia inglesa “The City of Santos Improvments”, que o explorou até o final dos anos 1950. Inicialmente utilizado para a iluminação pública – à gás – com o tempo passou a ser distribuído para uso doméstico, através de encanamento de rua).
Cenário de Guerra
Em poucos minutos, sobressaltados, dezenas de policiais e bombeiros correram na direção do local sinistrado, ainda cambaleantes por terem sido arrancados à força de seus “sonos justos”. O que viram, ao ocuparem as cercanias do Gasômetro foi um autêntico cenário de guerra: casas com telhas arrancadas e atiradas a longa distância, janelas quebradas, muros e paredes em ruínas. Além do prejuízo material, mero detalhe diante da situação catastrófica, foram contabilizadas 245 pessoas feridas (surpreendentemente, nenhuma com gravidade). Mesmo não contando com vítimas fatais, os jornais locais reputaram o fato como um dos maiores acidentes da história de Santos.
A tragédia só não atingiu um quadro mais grave porque somente um, dos cinco tambores, explodiu. Ainda assim, o impacto da detonação foi sentido até na Ponta da Praia, distante 4 km do acidente. A violência da explosão foi tamanha, que um pedaço enorme do tambor sinistrado foi encontrado no pátio do Colégio Coração de Maria, localizado a 60 metros do local (no atual prédio da Universidade Metropolitana – Unimes – na Rua Conselheiro Saraiva).
O fim dos tempos
Santos não “fechou mais os olhos” após as três horas da manhã. Os telefones de emergência da polícia e dos bombeiros tocam sem parar, com relatos de pânico. Centenas de pessoas tomaram as ruas da cidade e o bairro da Vila Nova acabou literalmente invadido por uma turba de curiosos. Muitos deles, numa enorme corrente de solidariedade, se predispuseram a colaborar com os soldados tanto na remoção dos escombros, como no auxílio aos feridos. A explosão atingira todas as residências da rua Marechal Pego Júnior, que ficou completamente coberta de tijolos, pedaços de vidros e telhas. Na residência nº 106, uma moça não morreu por um triz. As paredes de sua casa caíram para o lado oposto de onde estava. Outro morador das proximidades do Gasômetro, cuja casa ruíra, contou à imprensa que teve a sensação de estar vivendo o fim dos tempos.
Igreja condenada
No surgimento dos primeiros raios de sol, no dia 9, o então prefeito Silvio Fernandes Lopes percorreu os locais atingidos e determinou uma série de providências para a remoção dos escombros e prestação de socorro às famílias desabrigadas, muitas das quais tiveram seus pertences recolhidos aos depósitos da municipalidade. No mesmo dia, à tarde, uma comissão de técnicos da Prefeitura inspecionou os prédios mais atingidos, expedindo ordens de desocupação para os que apresentassem perigo de desabamento. Entre os mais abalados, estava o prédio da Igreja Sagrado Coração de Jesus (1902), cujas paredes foram condenadas pelas autoridades. Semanas depois, foi demolida.
A explosão do Gasômetro em Santos afetou a vida de 20 mil usuários do sistema de gás de carvão, uma vez que toda a rede foi inutilizada. Quilômetros de tubulação ficaram totalmente dilatados, destruídos, por conta da altíssima temperatura gerada pela rebentação. Diante da inviabilidade financeira para recompor o sistema, a empresa decidiu decidindo extinguir o serviço de gás encanado. Seus clientes, em pouco tempo, migraram para o uso do famoso GLP (Gás Liquefeito de Petróleo). O serviço de gás encanado voltaria a Santos no século 21, mas com outro tipo de produto, num sistema mais seguro.