No começo do século 20, a imprensa escrita mostrava uma gigantesca influência junto à sociedade, ditando regras, normas, estilos e comportamentos. Entre os diversos títulos em circulação, havia de tudo um pouco: publicações de cunho político, religioso, classista, comercial, artístico e alguns, satíricos, que não economizavam criatividade em suas críticas ácidas e elegantes, utilizando-se sempre de tons irônicos e gozadores na abordagem aos temas mais polêmicos daqueles tempos.
Entre os títulos deste último gênero, no período, destacava-se a revista paulistana A Lua (1910), cujo estilo mostrava, de forma divertida, a transformação de uma época, mostrando uma cidade de São Paulo que deixava de ser simplesmente uma metrópole do café para ocupar um papel fundamental no país, na qualidade de centro econômico e político. A Lua se diferenciava das outras revistas pelo seu conteúdo inovador e humorístico, publicando poemas, contos, crônicas, artigos e reportagens sobre a vida social em São Paulo.
Circulando em cidades como Curitiba, Ponta Grossa, Juiz de Fora, Paranaguá, Santos, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Florianópolis, interior e capital Paulista, a Lua publicou um ensaio fotográfico especial sobre a cidade santista em sua oitava edição, lançada em março de 1910, revelando uma localidade que demonstrava notória ascenção dentro do contexto econômico do Estado de São Paulo.
Sem poupar elogios
Os jornalistas de A Lua introduziram o trabalho mencionando a transformação da “cidadesinha empestada pela febre amarela e sem nenhuma importância”, em um lugar “cheio de vida e de progresso, a mostrar toda a energia de um povo que trabalha e vence”.
Esta metamorfose urbana, segundo a reportagem, se deveu aos grandes esforços empreendidos por meio de projetos urbanísticos e de saneamento básico, notadamente o liderado pelo famoso engenheiro Saturnino de Brito, sem falar do ritmo intenso de crescimento do Porto de Santos, cada vez mais estruturado para receber bem a demanda de navios que atracavam em seu cais.
Os redatores, entretanto, alertaram, na introdução da reportagem, que não desvirtuariam do seu papel de “semanário alegre e pilhérico, rendendo nesta coluna um preito de admiração a ela – a lendária e vencedora pátria dos Andradas e dos Gusmões, porque somos daqueles que compreendem a necessidade que há em abrir esses claros em nossa linha traçada, para fielmente desempenhar o nosso programa – castigar e premiar”. Ou seja, para o pessoal de A Lua, Santos era, de fato, merecedora de uma avaliação positiva mas que, se houvesse necessidade de apontar erros, seus redatores não se furtariam de gozar a situação.
Os anfitriões
Para produzir a extensa reportagem fotográfica sobre a cidade, os jornalistas de A Lua percorreram diversos pontos da urbe santista, registrando imagens de alguns dos seus pontos mais significativos, além dos retratos dos anfitriões da equipe do periódico. A eles não foram poupados elogios e palavras de reconhecimento pelo trabalho visível de transformação de Santos. ““Salientamos, com orgulho e com sinceridade, a ação benéfica daqueles que cooperaram para essa invejável avançada na senda da civilização, estampando, como o fazemos, clichés dos mais belos aspectos de suas ruas e edifícios principais, e o retrato dos vultos mais proeminentes de sua vida administrativa atual”
Os jornalistas se referiam ao então prefeito de Santos (aliás, o primeiro prefeito da história santista), Coronel Carlos Augusto de Vasconcelos Tavares, ao presidente da Câmara Municipal, o médico Benedito de Moura Ribeiro e ao Coronel Cincinato Martins Costa, figura destacada pela municipalidade para acompanhar a equipe de A Lua pela cidade.
O Pierrot nas ruas de Santos
Uma das peculiaridades da revista Lua, até pelo tom satírico que imprimia em suas reportagens, era o fato de utilizar a figura do Pierrot (personagem teatral de origem francesa que consiste na figura de um palhaço lunático e até ingênuo, que se apaixonara por uma atriz de nome Colombina. Esta história era uma das mais populares no Brasil, lembrada especialmente em tempos de Carnaval) como se fosse o redator responsável pela matéria em curso. Este expediente tornava o resultado da reportagem um pouco mais informal, gerando entre os leitores uma expectativa por um texto leve e divertido.
Na matéria sobre Santos, assim fora introduzido a figura imaginária da revista: “A Lua consagra sua presente edição a Santos, a encantadora cidade marítima, que Pierrot andou visitando, há pouco, com alegria e com entusiasmo, pela sua atividade e pelo seu progresso, tanto mais que o carinho e as amabilidades daquela gente franca e leal de lá cativaram sobejamente”.