O Brasil festejava o 447º aniversário (do descobrimento) naquela terça-feira, dia 22 de abril de 1947, juntamente com o então governador de São Paulo, Adhemar Pereira de Barros, que completava 46 anos de idade na mesma data. Apesar de ter se formado aviador, quando jovem, sua primeira profissão, Barros, que também se tornaria ao longo da vida médico, político e empresário, era um incondicional simpatizante do progresso rodoviário, tal qual o velho governante paulista Washington Luís, famoso pelo lema “Governar é abrir estradas”.
Na década de 1940, São Paulo já figurava como a locomotiva econômica do Brasil e não parava de crescer. A produção agrícola do Estado aumentava a olhos vistos, assim como a atividade industrial na região do planalto. Com o saturamento das vias férreas e a opção pelo modal rodoviário, o número de veículos em trânsito, nas cada vez mais ultrapassadas estradas de rodagem paulistas, fez acender uma luz de alerta: era necessário novas rodovias, mais largas, retas e modernas.
Uma das mais importantes estradas existentes, a SP-148, conhecida como “Caminho do Mar”, já apresentava claros sinais de esgotamento. Além do aumento progressivo do fluxo de veículos pesados em razão das movimentações portuárias, o incremento das atividades turísticas em Santos e região, aliada à popularização do automóvel de passeio, fez com que a velha estrada (criada originalmente em 1846 e diversas vezes reformada) ficasse obsoleta e totalmente fora do padrão aceitável de qualidade para a rodagem de veículos domésticos. Vale dizer que o Caminho do Mar (SP-148), que já fora chamado de Estrada da Maioridade e Estrada do Vergueiro, foi construído objetivando atender o trânsito de tropas de mulas e carruagens. Mesmo adaptada para veículos automotores, apesar do pioneirismo tecnológico do piso (Ela foi a primeira estrada de concreto do Brasil), sua inclinação se mostrava deveras agressiva para o sistema de freios – na descida – e motores – na subida – dos carros.
Propaganda exagerada
A nova rodovia, batizada de Anchieta em homenagem ao famosos padre jesuíta dos tempos coloniais, frequentador assíduo dos caminhos da Serra do Mar, enfim, se tornava uma necessidade urgente para o avanço progressista de São Paulo. Com obras iniciadas justamente pelas mãos de Ademar de Barros, enquanto interventor do Estado, em 1939, teve sua inauguração oficial realizada oito anos depois, mas não sem ter sido alvo de severas críticas de parte considerável da opinião pública.
A questão conflitante é que o projeto previa a entrega simultânea das duas pistas – Norte e Sul – enquanto o fôlego financeiro do Estado, até aquele ano, só permitiu a conclusão da primeira. Assim, para muitos, não havia motivos plausíveis para a quantidade de propaganda que Barros mandou espalhar ao longo da estrada, exaltando o feito, realizado pela metade e com acabamento contestado. “A Via Anchieta ainda não está arborizada, quando o Governo poderia ter executado esse trabalho nos últimos oito anos. Vê-se que nela não existe qualquer sinalização fundamental, embora abundassem, com irritante frequência, grandes cartazes, proclamando que fora iniciada e concluída pelo atual chefe do executivo” , escreveu o repórter de um grande jornal da capital, após ter percorrido com seu próprio carro a nova estrada durante sua inauguração.
Divisor de águas
Independentemente do tom das críticas da opinião pública, a inauguração da Rodovia SP-150 (Via Anchieta), representou, de fato, um marco importante na evolução rodoviária no Estado de São Paulo, abrindo caminhos para o progresso não só da cidade de Santos, mas de todas as outras da Baixada Santista, como Cubatão, que aproveitaria a onda de progresso para se emancipar politicamente dois anos depois (em 1949) e iniciar sua história como pólo industrial.
O advento da Via Anchieta também transformou a urbe santista, que passou a experimentar um verdadeiro boom imobiliário, com o surgimento, a partir da década de 1950, de diversos empreendimentos pluriresidenciais nas áreas da orla praiana.
A solenidade
A festa da inauguração da Via Anchieta começou, de manhã, no Vale do Anhangabaú, onde o governador paulista entregou 30 novos ônibus rodoviários que iniciariam um serviço de transporte de passageiros entre a capital e a cidade santista. Logo depois a comitiva de Barros partiu em um comboio de carros e ônibus para o Arco do Ipiranga, onde foi cortada a fita simbólica inaugural da estrada. No alto da Serra do Mar, mais uma solenidade, discursos e o descerramento de uma placa comemorativa. Ao longo da estrada, os veículos iam parando para que os participantes pudessem observar a bela vista da ergião da Baixada Santista. Ao atravessar Cubatão, uma multidão festejava a passagem do governador, acendando entusiasticamente para o chefe do executivo paulista. Ademar de Barros e seus acompanhantes chegaram finalmente a Santos às 14 horas, onde foram recepcionados com um banquete oferecido pela Associação Comercial de Santos, nas dependências do Parque Balneário Hotel. Entre as autoridades convidadas, figuravam o então governador de Goiás, Jerônimo Coimbra Coelho e o prefeito de Porto Alegre, Gabriel Pedro Moacir. O prefeito de Santos, na ocasião, era Rubens Ferreira Martins.
A segunda pista
Foram necessários mais seis anos para que a segunda pista da Rodovia Anchieta fosse aberta ao público, em 9 de julho de 1953, durante o feriado da Revolução Constitucionalista de 1932. Coube ao governador Lucas Nogueira Garcez a honra de cortar a fita inaugural da nova pista, em evento que não teve a mesma pompa, circunstância e velinhas de aniversário, mas que consolidou o futuro da Baixada Santista.