Santos também teve seu “Tiradentes”

arte: Padron (jornal A Tribuna)
O soldado santista foi condenado à forca por ser considerado o líder da rebelião. Antes de ser morte, porém, a corda arrebentou três vezes, fazendo com que o povo presente suplicasse por sua “Liberdade”. arte: Padron (jornal A Tribuna)

Nos tempos do Brasil Colônia, em especial a partir de 1640, começou a surgir entre a população branca “nativa” (portugueses nascidos em solo brasileiro) um forte sentimento nacionalista, que culminou na eclosão de vários pequenos conflitos, chamados de “movimentos nativistas”. Via de regra, tais revoltas tiveram origem na diferenciação de tratamento que o Reino de Portugal mantinha entre os súditos lusitanos imigrantes, ou “reinóis” e os nascidos na Colônia, os “filhos da terra”. Essas rebeliões nativistas, mesmo fracassadas, deram impulso ao fortalecimento do desejo de independência, fazendo surgir planos com intuitos separatistas, como fora o caso da Inconfidência Mineira.

Tiradentes
A produção aurífera das Minas Gerais estava em decadência desde meados do século 18, fazendo com que a Metrópole (Lisboa) intensificasse o controle fiscal sobre a Colônia, inclusive proibindo, em 1785, as atividades fabris e artesanais no Brasil, e taxando severamente os produtos trazidos da Europa.

Portugal reputava o baixo rendimento das minas ao contrabando e, assim, decidiu punir os mineiros, instituindo uma taxação compulsória em que os homens-bons deveriam completar o que faltasse da cota imposta por lei, de 100 arrobas de ouro (1.500 kg) anuais, quando esta não era atingida. Era também descontado o quinto 20% do ouro e da quantidade de escravos.

Tal medida atingiu em cheio os proprietários rurais, intelectuais, clérigos e militares, que, descontentes, passaram a se reunir para conspirar. Entre os revoltosos estava o alferes Joaquim José da Silva Xavier, apelidado de “Tiradentes” (ele fora dentista antes de se tornar militar). Inspirada na independência dos Estados Unidos (1776), a Conjuração Mineira pretendia eliminar a dominação portuguesa de Minas Gerais, estabelecendo ali um país livre. Mas os inconfidentes acabaram traidos por um dos membros do grupo – Joaquim Silvério dos Reis – que os denunciou em troca do perdão de suas dívidas com a Coroa. Os inconfidentes, então, foram julgados e condenados ao degredo, à exceção de Tiradentes que, considerado líder do movimento, acabou enforcado e esquartejado, tornando-se um mártir e símbolo do desejo de liberdade para o país.

Corte no Brasil
Depois de esmagar a Inconfidência Mineira, a Metrópole continuou sua política de diferenciação entre lusitanos e brasileiros, e se manteve firme no sufocamento de outros movimentos, como a Revolta dos Alfaiates (Bahia, 1796). Em 1808, com a instalação da Corte Portuguesa no Rio de Janeiro, as rebeliões diminuíram. No período em que a família real esteve no Rio de Janeiro, apenas a Revolução Pernambucana (1817) deu mais trabalho.

Em 1821, após o regresso do Rei D.João VI a Portugal, os ideais de libertação se afloraram. O grande receio era o retorno da política colonizadora, quase ditatorial, de Portugal, impondo a submissão dos brasileiros perante à Metrópole. E foi nesse período que, em Santos, os sentimentos de independência se alastraram, criando uma pequena revolta militar, dentro do velho conceito dos movimentos nativistas.

Chaguinhas
A pequena vila portuária santista tinha uma importante praça militar, com vários quartéis e fortes. Um deles, o do Primeiro Batalhão de Caçadores, situava-se nas proximidades do atual Outeiro de Santa Catarina. Nele, havia soldados brasileiros e alguns poucos lusitanos, ocupantes dos cargos de patentes mais altas. Uma das situações mais aviltantes era a diferenciação em relação ao pagamento dos salários. Enquanto os portugueses recebiam em dia, os nativos ficavam de três a quatro anos para ter o soldo em mãos, o que lhes criava uma situação de inferioridade moral e material absoluta.

Neste contexto, um grupo de cidadãos liderados pelo capitão, nascido em Santos, José Olyntho de Carvalho e Silva, temeroso pelo retorno do Brasil à condição de Colônia, e conhecedor da situação dos pobres soldados brasileiros, incitou-os à revolta, que acabou iniciada de maneira precipitada na noite de 27 de junho de 1821.

Sob o comando do cabo Francisco da Chagas e do soldado José Joaquim Cotindiba, os rebeldes eclodiram a revolta de maneira brutal, prendendo e executando todos os oficiais reconhecidamente portugueses de sentimento. Alguns civis também tomaram parte da onda, agredindo comerciantes da vila considerados “retrógrados”. Santos viveu uma noite de terror, saques e mortes.

O capitão Olyntho, vendo a rebelião fugir ao seu controle, decidiu fingir ignorar o movimento e reclusou-se no Forte Itapema, ordenando a guarnição sob seu comando não participar da revolta.

A rebelião durou quase dez dias depois. Após combater ferozmente as tropas fiéis à Lisboa, inclusive utilizando-se do poderio dos canhões do forte da vila contra uma corveta real, Chaguinhas, exausto, deu-se por vencido. Mesmo considerado “ignorante”, semi-rude, o humilde soldado santista, segundo o depoimento dos homens da época, soube ser digno em sua queda, negando-se a comprometer os chefes civis e militares, declarando-os em completa ignorância da conspiração e alguns até ausentes da Vila, em seus sítios.

Forca e esquartejamento
Francisco das Chagas foi enviado, prisioneiro, para a capital paulista, junto com Contidiba. Em 20 de setembro de 1821, foi executado, no Campo da Forca, em terreno vizinho ao cemitério geral, onde hoje está a Praça da Liberdade. O seu enforcamento, porém, não fora simples. Durante a execução, a corda chegou a romper três vezes, fazendo com que o povo suplicasse por perdão ao rebelde (O clamor do povo, que gritava “Liberdade” deu origem ao nome da famosa praça do centro paulistano). A tarefa de mata-lo, porém, era clara e, na quarta tentativa, utilizando uma corda de couro, Chaguinhas finalmente foi executado. E, tal qual Tiradentes, o bravo soldado santista teve o corpo esquartejado.

Deixe um comentário