Há 100 anos, santista se tornou responsável pela internacionalização da norte-americana IBM

Original_IBM_LogoIBM. Essas três letras formam a sigla de uma das marcas mais conhecidas do planeta, uma gigante do mundo da computação, existente desde o tempo em que tecnologia era algo desenvolvido de forma rudimentar através de máquinas imensas e cartões de papel perfurados. Fundada em 1911, nos Estados Unidos, como CTR (Computing Tabulating Recording), a IBM era uma empresa essencialmente caseira, sem nenhuma pretenção internacional, até que um santista entrou em cena para mudar essa história.

Em busca de uma oportunidade

Tudo começou em julho de 1915. Naquele ano, o jovem contador Valentim Fernandes Bouças, de 24 anos de idade, vivia uma situação bastante delicada. Após ter ficado desempregado de seu trabalho na firma Correia Magalhães, para sobreviver, aceitara a modesta função de vendedor de caixas registradoras, da marca “National”, produzidas e importadas dos Estados Unidos. Atuando em Santos e região, ele até que se destacou, chegando, inclusive, a ganhar um relógio de ouro por seu desempenho. Porém o mercado em sua área de cobertura rapidamente saturara, e os ganhos passaram a ser cada vez menores.

Preocupado, Bouças, que já era casado e pai de duas filhas pequenas, acabou convencido por um colega, Theodore Meyer, agente das máquinas de costura “Singer” em Santos, a tentar buscar sua independencia, ser dono do próprio negócio, como representante direto de uma empresa norteamericana, qualquer ela que fosse.  Meyer enxergava no amigo um enorme potencial e Valentim, por sua vez, sabia que precisva ampliar suas fronteiras de ação.

Assim, sem dispor de qualquer recurso para encarar uma empreitada na América do Norte, Valentim resolveu arriscar, vendendo os modestíssimos móveis de sua casa, ficando com a metade do dinheiro (a outra metade deixou com a esposa, que se abrigou na casa dos pais, junto com as duas filhas), com o qual financiou sua ida a Nova Iorque em busca de uma oportunidade.

Primeira viagem

Com uma “fortuna” de pouco mais de 200 dólares no bolso, o santista chegou à grande cidade e se encantou com suas dimensões, todas gigantes, tais quais seu espírito e sensação de liberdade. Bouças percorreu Nova Iorque atrás de uma grande chance e, na aventura de quem pouco falava a língua local, vivenciou muitas situações difícies e outras engraçadas, a começar pelo estranho fato de perceber as pessoas “caminharem para baixo, como se fossem formigas em busca de caminhos subterrâneos”. Na verdade, o santista conhecia de perto o famoso subway (metrô), de que tanto falavam mundo afora. Por outro lado, chegou a almoçar pão e banana e, com apenas 5 cents no bolso, teve de levar suas abotoaduras ao prego. Ao final de seu périplo nos EUA, foi em Boston que Valentim Bouças encontrou sua oportunidade, obtendo a representação de uma empresa de borracha manufaturada. Voltou ao Brasil, trabalhou muito, mas, ao final, a coisa não deu certo e o santista voltou a mergulhar numa nova crise financeira.

Valentim Bouças (em destaque no alto) na sede da IBM com sua equipe de trabalho.
Valentim Bouças (em destaque no alto) na sede da IBM com sua equipe de trabalho.

Thomas Watson

De volta à “Big Apple” (Grande Maçã – apelido da cidade de Nova Iorque) em 1917, novamente obtendo recursos de forma penosa, Bouças decidiu ir até o escritório da CTR, conhecedor do sucesso das máquinas “Hollerith”, que revolucionaram a forma de se contabilizar censos demográficos. O santista soube que a Diretoria de Estatística Comercial (antigo nome do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE) estava à procura de novos métodos para a coleta de dados. Ele, então, enxergou naquela necessidade uma enorme oportunidade de negócio.

Decidido a obter a representação da CTR, Bouças foi, sem nenhum aviso prévio, ao escritório de Thomas John Watson, um empresário visionário e ex-gerente da National, a mesma empresa que o santista trabalhara em sua terra natal. Conseguindo a sua atenção, Valentim fez sua proposta: queria ser representante da CTR no Brasil, onde dizia conhecer muita gente importante. Mr. Watson, então, perguntou: Quanto dinheiro você tem?  O santista respondeu: Não tenho nada, tenho um negócio que não deu certo, mas sou um excelente vendedor e tenho muita vontade de trabalhar. 

Thomas Watson ficou impressionado com a sinceridade do brasileiro e, apesar de ter dito que sua empresa ainda estava em crescimento e sem nenhuma pretensão de atuar fora dos Estados Unidos, resolveu dar uma chance ao jovem santista, mas com uma condição e uma meta a ser alcançada. “Como não temos muito capital para aventuras estrangeiras, eu darei para você o agenciamento das máquinas se você conseguir clientes para pagar o aluguel delas, com pagamento adiantado de um ano para as máquinas tabuladoras, mais empacotamento, frete e seguro.”

A IBM

E assim, Valentim, com a oportunidade nas mãos, voltou ao Brasil e, ao contrário da primeira vez, obteve tanto êxito em suas vendas, que precisou montar uma empresa, com sede no Rio de Janeiro, para dar treinamento para o uso das máquinas CTR, a qual chamou “Serviços Hollerith”. Ano a ano, os negócios de Bouças evoluíram e o brasileiro já conseguia ter as mesmas condições de trabalho que nos Estados Unidos, incluindo a venda de todos os produtos desenvolvidos pela empresa de norteamericana (balanças, máquinas de moer café, caixas registradoras, relógios de ponto, etc). Em 1924, a CTR mudava seu nome para IBM (Internacional Business Machines) e Valentim se tornava, no ano seguinte, o gerente geral das operações da empresa no Brasil, estreitando sua amizade com Thomas Watson.

Valentim Bouças liderou a IMB até 1949.
Valentim Bouças liderou a IMB até 1949.

Rico e influente

Com o passar dos anos, Bouças se consolidou como um grande líder empresarial, rico e influente, conquistando vários prêmios da IBM, como destaque global da empresa. Watson costumava dizer em todos os congressos que participava: “O conhecimento de negócios e a visão de futuro de Bouças nos ajudaram a construir nossos negócios em todos os países do mundo”.

Assim, mesmo com a separação da Serviços Hollerith da IBM em 1949 , o santista Valentim Fernandes Bouças, falecido no Rio de Janeiro no em 2 de dezembro de 1964, era exaltado na história da gigante da computação mundial como um pioneiro e visionário.

Instituto Histórico e Geográfico de Santos

Bouças fez sua vida no Rio de Janeiro, a então capital federal, mas nunca deixou de pensar em sua terra natal. Um de seus grandes feitos por aqui aconteceu em 1943, quando, a pedido dos membros do Instituto Histórico e Geográfico de Santos, que estava para ser “despejado” de sua sede, alugada, adquiriu-a, com seu dinheiro, doando-a em seguida ao IHGS. Não fosse este gesto, talvez esta tradicional instituição, que completa 80 anos em 2018, não existisse.

Anúncio das máquinas CTR no Brasil.
Anúncio das máquinas CTR no Brasil.
Jornal da IBM com a notícia sobre o incrível desempenho do brasileiro.
Jornal da IBM com a notícia sobre o incrível desempenho do brasileiro.
O presidente Getúlio Vargas visitando as instalações da IBM, no Rio de Janeiro. Valentim já era homem de confiança de Vargas para a economia nacional.
O presidente Getúlio Vargas visitando as instalações da IBM, no Rio de Janeiro. Valentim já era homem de confiança de Vargas para a economia nacional.
Valentim Fernandes Bouças, em foto do acervo da família.Colorizado por Memória Santista em 2020.

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