Santos, em luto, chorou a morte de Martins Fontes

Milhares de pessoas tomaram as ruas da cidade para o último adeus ao médico e poeta, no maior enterro da história santista

Sábado, 26 de junho de 1937. O povo, em massa, comprimia-se sob o sol ao longo do extenso trajeto (3,5 km) entre o prédio da Beneficência Portuguesa e o Cemitério do Paquetá, para testemunhar, incrédulo, a passagem do cortejo fúnebre de um dos mais adorados filhos da terra santista em todos os tempos: o poeta e médico José Martins Fontes, o Zezinho, cujo falecimento fora anunciado um dia antes, para consternação geral. Não era para menos. Contando com apenas 53 anos de idade, o dileto filho do renomado médico Silvério Fontes (já falecido) e dona Isabel Martins Fontes, a Bebé, era uma pessoa absolutamente saudável e tampouco estivera envolvido em qualquer tipo de acidente que pudesse leva-lo à morte. Seu desaparecimento, assim, foi tão inusitado quanto fora sua própria trajetória de vida, marcada pela bondade, doçura, solidariedade e reconhecido talento poético-literário.

Prova do seu carisma era constatado nas cenas do fúnubre acontecimento, considerado, até os dias de hoje, como o mais opulento e significativo enterro da história santista. Homens, mulheres e crianças, à passagem do féretro, ajoelhavam-se, com lágrimas nos olhos. Muitas delas, pessoas humildes, sentiam a dor imensa pela perda de uma espécie de “pai atencioso e acolhedor”. Numerosas sociedades enviaram representantes, conduzindo seus pavilhões, honrados por acompanhar o corpo do poeta maior da cidade de Santos. Ao longo do caminho havia um misto de lamento e silêncio respeitoso.

O caixão fora colocado numa carreta do Corpo de Bombeiros, cedida pelo então prefeito Antonio Iguatemy Martins Júnior.  Às 12 horas, quando o cortejo se iniciou, a partir da Beneficência Portuguesa, onde o corpo fora velado, era praticamente impossível contabilizar o número de pessoas que tomavam conta das ruas próximas. Eram milhares. E todas desejavam ter o privilégio de tocar o esquife de Zezinho Fontes para conduzi-lo até o Paquetá. Só coroas de flores, foram mais de 200 enviadas ao velório do grande poeta. Todas seguiram para o derradeiro local, em dezenas de carros.

O adeus do povo
O cortejo seguiu pela rua Joaquim Távora, passando defronte à antiga residência de Fontes, no número 268, emocionando os velhos vizinhos, ainda céticos com a trágica notícia. A muito custo, a procissão alcançou a avenida Ana Costa, de onde partiu para o Centro, percorrendo as ruas Lucas Fortunato e Brás Cubas até chegar, finalmente, à avenida São Francisco, onde tomou o rumo do Cemitério.

Pelo caminho, o povo balançava lenços brancos, entoava versos conhecidos e consolava-se em abraços mútuos. O cortejo promovera uma reunião inédita de figuras das mais variadas representações sociais, entre autoridades, militares, médicos, advogados, magistrados, professores, senhoras, senhores e crianças. Todos irmanados na dor e na comoção pela morte do homem que dava sentido à palavra “bondade”.

Quando o cortejo, afinal, chegou às portas do tradicional Cemitério do Paquetá, todas as suas alamedas, vielas, caminhos e espaços entre campas já estavam tomados pela população que, rodeando o féretro, acompanhava silenciosamente o ritual. Faltavam cinco minutos para as 13 horas quando o caixão alcançou à margem da campa 308, jazigo 20, a última morada do poeta.

Sob o sol abrazador, falou à beira do túmulo o dr. Navajas Filho, representando a classe médica de Santos, seguido de outras personalidades locais. Todo o acontecimento fora narrado e transmitido ao vivo pelas ondas da Rádio Atlântica (PRG-5), tendo ao microfone o competente locutor Cherubim Corrêa.

Homenagens
No dia seguinte, domingo, o jornal A Tribuna dedicou toda a sua primeira página à cobertura do maior enterro da história santista, sob o título “Os funerais de Martins Fontes consagraram o poeta e o cidadão numa demonstração apoteótica às suas excelsas virtudes”. Em quatro páginas internas, também registrou o nome de pelo menos duas mil pessoas, empresas e entidades presentes, além de algumas homenagens em forma de poemas, como o escrito por Virginia Del Nero:

Martins Fontes! Morreste… mas a nós deixaste
A poesia genial… a tua inspiração!
Resplandecem quais sóis os versos que gravaste…
Tão belos fragmentos do teu coração
Imortal é teu nome que semeou a beleza
Nas estrofes que dizem bem dessa grandeza
Sem par do teu talento, ó poeta de “Verão”!

Filho desta cidade excelsa que a História
Os Andradas, Gusmão e tantos vultos deu
No rol desses expoentes máximos da glória
Tens gravados também o egrégio nome teu!
E ficas junto a nós na poesia genial
Salve, vate santista! Glorioso! Imortal!

Causa da morte
Existem duas versões para explicar a fatalidade de Martins Fontes. Ambas apontam como causa uma infecção provocada por navalha. A primeira dá conta que Zezinho teria pedido ao seu barbeiro, em 18 de junho, para lhe extrair um pelo encravado, logo abaixo do pescoço, que o incomodava. Consta que o procedimento acabou provocando uma infecção, que se tornara fatal poucos dias depois. A segunda tese defende que Martins Fontes teria ficado doente após ter atendido alguns pacientes em navios atracados no Porto de Santos. Muito febril, passou o aniversário (23 de junho) no hospital e dois dias depois veio a falecer vítima de uma infecção estafilocócica, provocada pela raspagem inadvertida, com uma navalha não desinfetada, do pelo do tórax, promovida para a realização de um eletrocardiograma. Seja um caso ou outro, o certo é que, se houvesse antibiótico naquele tempo, talvez Zezinho Fontes sobrevivesse (os antibióticos só começaram a serem produzidos em escala comercial nos anos 1940).

 atribunacapaA SEGUIR, FOTOS DO ÁLBUM DO ACERVO DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE SANTOS

enterro11enterro12 enterro2enterro1 enterro3 enterro4 enterro5 enterro6 enterro7 enterro8

Deixe um comentário