Palácio Saturnino de Brito :: A evolução de uma joia arquitetônica

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Edificação completa 80 anos

Sábado, 28 de agosto de 1937. À medida que os convidados chegavam para a inauguração do novo prédio da Repartição de Saneamento de Santos, maior se tornava o número de pessoas encantadas diante do requinte e esmero com o qual a imponente obra foi planejada e executada. A nova edificação santista, localizada na aprazível Rua São Francisco de Paula (atual Avenida São Francisco), batizada como Palácio Saturnino de Brito, ostentava o que havia de melhor em termos de acabamentos e elementos decorativos: Sua forma externa, inspirada no “art déco” francês, levava a assinatura do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo; os desenhos do piso interno, por sua vez, tinham a autoria de Sebastiano Sparapini (o mesmo artista que produziu os mosaicos venezianos do Teatro Municipal de São Paulo); a parte metálica havia sido fornecida pela renomada indústria Fichet Schwartz Hautmont; a tapeçaria, instalada pela Casa Reingantz e os vitrais, que completavam o belo cenário interno, tal qual uma autêntica cereja do bolo, foram produzidos pela inigualável Casa Conrado, cuja arte em vidro se fazia presente em 80% dos mais significativos prédios históricos brasileiros da época. Enfim, mais do que um edifício público, o Palácio Saturnino de Brito nascia como uma autêntica joia patrimonial arquitetônica.

No quadro de Calixto (acervo da Associação Comercial de Santos), vê-se o terreno onde seria construído o escritório da Comissão de Saneamento (à direita, em imagem de 1903).
No quadro de Calixto (acervo da Associação Comercial de Santos), vê-se o terreno onde seria construído o escritório da Comissão de Saneamento (à direita, em imagem de 1903).

Origem modesta
Um ponto interessante sobre essa emblemática edificação é que ela, ao contrário dos outros prédios históricos de Santos, resulta de um processo evolutivo que se iniciou no final do Século 19. A primeira versão do edifício abrigou, a partir de 1903, a Comissão de Saneamento liderada pelo engenheiro Francisco Saturnino Rodrigues de Brito. Na época, o local não passava de um sobradão de dois andares, construído no terreno onde, antes, aconteciam diversas atividades (pista de patinação, ringue de luta greco-romana, circo e até corrida de touros) administradas pelo proprietário do Teatro Rink, vizinho do terreno, Antônio Eustáquio Lagarcha.

Com o avanço dos trabalhos pertinentes ao projeto sanitário na cidade santista (que incluiu a implantação do sistema de esgotos, dos canais de drenagem, das estações elevatórias, da estação de pré-condicionamento do José Menino, do Hospital de Isolamento e da Ponte Pênsil), e a criação, a partir de 1914, da Repartição de Saneamento de Santos, o sobradão acabou ficando pequeno para abrigar a quantidade, cada vez maior, de funcionários da empresa.

Assim, em 1919, após quase um ano e meio de obras, uma nova roupagem do prédio foi apresentada, desta vez com uma área construída praticamente duplicada. Foram criadas mais quatro salas, sendo duas no pavimento térreo e outras duas no andar superior. Naquele final de década, a municipalidade havia também decidido alargar a Rua São Francisco de Paula, tornando-a uma avenida. Com isso, o velho sobradão, agora alçado à condição de palacete, ficou mais vistoso aos olhos dos santistas.

Prédio sofre segunda reforma no anos 1930, contando com o que havia de melhor em materiais construtivos e de acabamento.
Prédio sofre segunda reforma no anos 1930, contando com o que havia de melhor em materiais construtivos e de acabamento.

A transformação definitiva
Em março de 1929, o engenheiro Saturnino de Brito falecia na cidade gaúcha de Pelotas, onde concluía seu último trabalho sanitário, aos 65 anos de idade. Os santistas receberam a notícia com muita tristeza. A Repartição de Saneamento de Santos, que assumira, além da administração do sistema de coleta de esgoto, também a fiscalização sobre a distribuição de água potável na cidade, via a necessidade de mais uma vez ampliar seu espaço. Foi aí que veio a ideia de novamente transformar a edificação da Avenida São Francisco em algo que pudesse abrigar todos os novos departamentos.

Sob a batuta do engenheiro Egydio José Ferreira Martins, então diretor da Repartição de Saneamento de Santos, o projeto do novo prédio da entidade foi minuciosamente pensado, dotado de arquitetura moderna e previsão de um acabamento que estivesse à altura das mais badaladas edificações públicas da cidade santista, como a Bolsa do Café (1922), o prédio dos Correios (1924) e da nova Alfândega (1934). Aliás, a inspiração “art déco” veio basicamente da edificação da Praça da República, incluindo-se a ideia de saguão de entrada, com escadaria em mármore e vitrais.

Egydio Martins não economizou na obra, contratando o que havia de melhor para dotar o futuro palácio de elementos visuais que valorizassem a homenagem ao grande mestre sanitarista que havia liderado uma das mais significativas transformações urbanas da cidade de Santos. As novas alas da edificação desta vez ganharam três pavimentos e a estrutura externa fora totalmente remodelada, com o apoio do Liceu de Artes de Ofícios de São Paulo. Martins diria a todos: “O novo prédio não só concorrerá para embelezar a paisagem urbana de Santos, como irá falar ao futuro, no simbolismo impressionante das formas arquitetônicas, testemunhando as disposições progressistas e previdentes do Governo de São Paulo”.

Em linhas do “arte déco”, o Palácio Saturnino de Brito chega para somar ao patrimônio histórico da cidade santista.
Em linhas do “arte déco”, o Palácio Saturnino de Brito chega para somar ao patrimônio histórico da cidade santista.

A inauguração
Egydio Martins planejou a inauguração do suntuoso palácio Saturnino de Brito próximo a uma data simbólica, em 28 de agosto. No dia anterior, 27, os santistas festejavam os trinta anos da inauguração dos canais (o canal 1 foi entregue à cidade em 27 de agosto de 1907). A festa foi cercada de pompa e circunstância, contando com a presença do então governador do Estado de São Paulo, José Joaquim Cardoso de Melo Neto, além de outras diversas autoridades políticas paulistas e locais, como o então prefeito Antônio Iguatemi Martins Júnior.

Os centenas de convidados, encantados com a beleza do prédio, assistiram a cerimônia de inauguração, que incluiu a apresentação de uma bela herma de Saturnino. Em meio à festa, admiradores do grande poeta santista, José Martins Fontes, que falecera pouco mais de um mês antes, distribuíram um poema escrito por ele, que seria utilizado justamente naquele evento. Não poderia haver melhor desfecho que não uma homenagem póstuma de Fontes a Saturnino, duas grandes figuras da história santista.

vitrais

Vitral “Os Bandeirantes”
Uma das mais belas obras da Casa Conrado, o vitral intitulado “Os Bandeirantes”, que possui nada menos do que seis metros de altura, retrata a escalada da Serra do Mar pelos lusitanos que, acompanhados de indígenas, fazem o transporte de pedras preciosas em direção ao litoral. A obra resume visualmente a formação de etimologia e cultura do Estado de São Paulo.

O Palácio, hoje
A edificação da Avenida São Francisco abriga desde 1973 o escritório regional da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). Em dezembro de 2009, a parte nobre do prédio (hall de entrada e salas adjacentes) passou a ser utilizada como área expositiva para o Museu do Saneamento, onde estão guardados os valiosos documentos e maquinário do tempo de Saturnino de Brito.

O prédio da Repartição de Saneamento em 1919, logo após a primeira ampliação.
O prédio da Repartição de Saneamento em 1919, logo após a primeira ampliação.
Manchete de A Tribuna anunciando a inauguração do prédio com a presença do governado de São Paulo.
Manchete de A Tribuna anunciando a inauguração do prédio com a presença do governado de São Paulo.

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