O ano era 1937. Os ânimos políticos no país estavam exaltados pela iminência da instalação de um regime de governo ditatorial, mais ilegítimo e inflexível do que até então fora, fruto de um movimento engendrado meticulosamente pelo presidente Getúlio Vargas e seus pares, a qual eles viriam a chamar de “Estado Novo”, mas que muitos rotulariam como o “Golpe de 1937” (afinal, Getúlio, com esse lance, se manteve no poder, à despeito de ter se comprometido a convocar eleições gerais).
Santos, cidade sempre atenta aos movimentos sociais, de luta de classes e direitos de expressão, assistia a tudo com reserva e inquietude. Os santistas entenderam que já era mais do que necessário organizarem-se, fortalecerem suas instituições, assim como criarem outras que pudessem reunir cabeças pensantes a fim de que fossem colocadas à disposição da sociedade para suprir seus anseios em relação ao desenvolvimento local. Assim, então, advogados, médicos, professores, dentistas, contabilistas, comerciantes, engenheiros, arquitetos, entre outras classes de trabalhadores liberais, iniciaram seus movimentos no intuito de solidificar bases de resistência e fóruns de discussão locais, para tratar dos avanços da cidade e de suas próprias profissões e vidas.
A casa da praia
Apesar de quase todos iniciarem praticamente ao mesmo tempo este caminho em busca de autonomia e fortalecimento político, foram os meticulosos engenheiros que saíram na frente. Liderados pelo inspetor geral da Companhia Docas de Santos, Ismael Coelho de Souza, graduado na Escola Politécnica do Rio de Janeiro, dezenas de profissionais da área reuniram-se na casa deste, um belo palacete situado na avenida Vicente de Carvalho, defronte à Baía de Santos, para tratar da criação de uma instituição que não só reunisse a classe da engenharia em torno de seus interesses, mas também para formar um grupo de pensadores e contribuintes da causa desenvolvimentista da cidade. Assim, um a um, agregavam-se às reuniões na concorrida casa da praia, os engenheiros ferroviários da São Paulo Railway e da Southern SP Railway (futura Sorocabana); os engenheiros sanitários herdeiros das missões e tarefas concluídas algumas décadas antes pelo grande mestre Francisco Saturnino de Brito; os engenheiros eletricistas, hidráulicos e mecânicos da Companhia City Improvments (concessionária dos principais serviços públicos da cidade, como o de distribuição de água, energia elétrica e gás, além do transporte urbano em bondes); os engenheiros da Companhia Docas de Santos, atuantes dos mais diversos ramos da profissão (uma vez que no Porto de Santos havia de quase tudo – guindastes, locomotivas e trilhos, armazéns, pedreiras, embarcações diversas, etc) e o corpo de engenheiros da Prefeitura de Santos, também muito atuantes; além da enorme massa de engenheiros civis que contribuíam para o desenvolvimento da urbe santista.
Esse time seleto, que incluia, entre outros, nomes como os de Sylvio Passarelli, Henry Pilbeam, Benedito Pereira Nogueira, Guilherme Unger, João dos Santos Marques Filho, Maurilio Porto, Brasil Augusto de Souza Costa, Egydio Martins, Octávio Ribeiro de Mendonça, João Cardoso de Mendonça e Eduardo R. Figueiredo Junior, elegeu como palco para a criação da instituição o recém inaugurado prédio da Repartição de Saneamento, o Palácio Saturnino de Brito, em ato lavrado no dia 29 de outubro de 1937. Com a criação da entidade, a qual chamaram de Associação de Engenheiros de Santos, os pioneiros inseriram seus nomes na história, como desbravadores de uma nova era para o desenvolvimento não só da cidade portuária, mas de toda a região.
Os gamelas
Além dos fundadores, figuras privilegiadas e elevado destaque no meio profissional, a nova associação amealhou às suas fileiras os profissionais intitulados “gamelas”, construtores avulsos, não diplomados, porém com muita vivência de mercado. Deste grupo emergiram grandes nomes para a história regional, como Luiz La Scala e Polidoro Bittencourt.
A primeira sede
Nos dois primeiros anos de funcionamento, a Associação de Engenheiros de Santos funcionou em espaços cedidos no próprio Palácio Saturnino de Brito e no Parque Balneário Hotel, em oferta generosa de seu proprietário, Henrique Fracarolli. A sede própria da instituição só viria a surgir em 1939, e por conta de uma oportunidade fortuita, que se transformou num caso singular .
Um belo casarão pertencente à City, situada na avenida Vicente de Carvalho, 36, utilizada até então pelo seu superintendente, Bernardo Browne, ficara vazia com a aposentadoria deste. Assim, o novo chefão da concessionária, Henry Pilbeam, decidiu alugar o imóvel para os companheiros de associação. Em 1944, os engenheiros fizeram uma oferta pela casa, arrematando-a pelo valor de 900 contos de réis. O interessante desta história é que o caixa da entidade só tinha 25 contos de réis. O então presidente da instituição, Sylvio Passarelli, de maneira brilhante, fez a oferta de compra e, com os documentos em mãos, dividiu o imenso lote (que ia da praia até a atual rua Governador Pedro de Toledo) em três pedaços. Antes do vencimento dos pagamentos, eles já tinham negociado a parte da praia por 700 contos e a parte que ia da rua Dr. Porchat de Assis até a Gov. Pedro de Toledo, por mais 450 contos. Resultado: a associação ficou com um trecho intermediário (onde está até os dias de hoje) sem utilizar nenhum dinheiro do caixa e ainda embolsar os 250 contos da diferença entre os negócios.
Criatividade e muita contrapartida
Ao longo desses 80 anos de existência, a Associação de Engenheiros ganhou, no seu nome e marca, a companhia dos arquitetos (a partir dos anos 1970, a entidade passou a se chamar Associação de Engenheiros e Arquitetos de Santos) e sempre se destacou como liderança nas discussões e ações práticas visando o desenvolvimento de Santos e região. De lá pra cá, surgiram estradas de rodagem (Anchieta, Imigrantes), o Pólo Petroquímico Siderurgico de Cubatão, novos e modernos trechos do Porto de Santos, novas tecnologias, como o da informática, mobilidade urbana, engenharia hospitalar, de pesca, de alimentos, enfim, campos onde esses profissionais se inseriram para oferecer contrapartidas aos avanços da sociedade.