Há uma máxima que assegura que quando um sonho é compartilhado, aspirado por mais de uma pessoa, sua chance de se tornar realidade é praticamente certa. E sonhos são traços marcantes na essência de uma das instituições culturais mais antigas e tradicionais da cidade: o Instituto Histórico e Geográfico de Santos, que completa 80 anos no próximo dia 19 de janeiro.
Observando de perto seu brasão, ou logomarca (como a chamam os mais modernos), é possível identificar alguns dos grandes feitos da memória santista, conquistados por sonhadores natos, como Braz Cubas (fundador da vila de Santos e criador do primeiro hospital das Américas – a Santa Casa de Misericórdia), Bartolomeu de Gusmão (primeiro cientista das Américas e patrono da navegabilidade aérea mundial), Alexandre de Gusmão (mentor do Tratado de Madrid, que substituiu o Tratado de Tordesilhas, e possibilitou ao Brasil suas atuais dimensões continentais) e o inigualável José Bonifácio de Andrada e Silva (o patriarca da Independência do Brasil e de tantos outros sonhos materializados).
Inspirados por estes notáveis exemplos, o renomado historiador Francisco Martins dos Santos, que acabara de concluir sua maior obra (A História de Santos – 1937), Durval Ferreira e Edmundo Amaral (autor de “Rótulas e Mantilhas”), amigos de longa data, perceberam que era mais do que necessário que a cidade possuísse uma instituição para agremiar homens e mulheres associados no interesse pela causa da geografia e da memória regional. Até então, Santos só abrigava instituições de caráter esportivo, cultural (nas áreas de música, literatura, carnaval, teatro), assistencial e social (em especial de comunidades de outros países). Ambientes acadêmicos, então, só mesmo o da Associação Instrutiva José Bonifácio, com seus modestos cursos de Direito e Ciências Contábeis. Francisco Martins sabia, então, como ninguém, das dificuldades para encontrar documentos e elementos organizados e necessários aos seus trabalhos. Assim, pensou: Se ele, hábil pesquisador, sofria, imagine a juventude estudantil e outros cidadãos interessados pelo rico passado santista. A partir dali, então, começou a construir seu sonho, e passou a compartilha-lo.
Júlio Conceição
Francisco Martins, Durval Ferreira e Edmundo Amaral, no entanto, apesar das melhores das intenções, ainda precisavam arregimentar outros parceiros, e que tivessem forte influência na socidade santista. Não demorou muito para que o grande nome fosse conquistado: o do comendador Júlio Conceição, então com 76 anos de idade, figura política de enorme prestígio, reconhecido abolicionista e republicano. Coube a ele a tarefa de reunir a nata da sociedade local para a criação do Instituto Histórico e Geográfico de Santos, cuja ata de fundação foi lavrada no dia 19 de janeiro de 1938.
O sonho da casa própria
Criada a instituição, agora cabia dar-lhe um endereço, que acabou sendo escolhido a dedo: o casarão que abrigava o Clube Zoológico do Brasil – Seção de Santos, na avenida Conselheiro Nébias, 689. A edificação, construída entre 1886 e 1887, serviu inicialmente como sede de uma chácara que abrangia toda a região do atual bairro do Boqueirão, sendo considerada uma das melhores residências da estrada velha da Barra. Seu primeiro proprietário foi o comerciante italiano Domênico Levreiro, vice-cônsul da Itália em Santos, presidente da Sociedade Italiana de Beneficência e diretor da FerroCarril Santista, empresa de bondes que pertencia ao médico e empresário, também italiano, João Éboli.
A partir de 1888, o imóvel troucou de mãos algumas vezes, até que, no início dos anos 1940, a casa foi colocada à venda. Pela Lei, caberia ao Instituto Histórico, locador, decidir por comprá-la ou deixá-la. No entanto, àquela altura, sem poder contar com o auxílio financeiro do grande benfeitor Júlio Conceição, falecido em dezembro de 1938, e sem dinheiro em caixa, restava aos membros da instituição encontrar outras saídas para fugir da difícil situação.
Foi aí que o então presidente do IHGS, Costa e Silva Sobrinho, teve a ideia de buscar auxílio junto ao empresário santista Valentim Fernandes Bouças, tido como um dos maiores economistas e financistas do país, além de importante membro do Governo Federal (ele também fora o introdutor da IBM no Brasil, em 1917). Dono de grande riqueza, e extremamente autruísta, Bouças atendeu aos apelos dos amigos santistas.
Com a ajuda de Edgar Cerqueira Falcão, portador de algumas mensagens entre as partes, o influente economista acabou cedendo a quantia necessária a Costa e Silva Sobrinho que, na qualidade de presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Santos, promoveu a aquisição da casa em definitivo. Para registrar a história de tão generosa ajuda, a edificação acabou sendo batizada como “Edifício Valentim Bouças”. Ali, mais um sonho coletivo se realizava.
Sonhos e pesadelos
O Instituto Histórico e Geográfico de Santos, assim, atravessou as décadas, liderando as discussões sobre o progresso e desenvolvimento regional, assim como servindo de referência à preservação e difusão da memória santista. Conquistou o status de entidade de utilidade pública, nas três esferas de governo (federal, estadual e municipal) e participou da construção intelectual de milhares de estudantes santistas. Em contraponto, também viveu dias difíceis, aviltado por péssimas gestões. Numa delas, teve o acervo dilapidado, roubado (como três quadros originais de Benedicto Calixto, além de peças arqueológicas, coleções de moedas, selos, fotografias, livros), um escândalo que maculou a imagem da velha instituição. Mas alguns sonhadores persistiram, e ainda hoje sonham, e sonham alto.
Museu Histórico de Santos
Em meio às tempestades, o Instituto Histórico e Geográfico de Santos, conseguiu chegar até seus 80 anos, sonhando viver outros 80, e outros 80, e assim por diante. Nomes como Adelson Portela Fernandes e Carolina Ramos foram os maiores responsáveis pela sobrevivência da instituição numa época onde a alta tecnologia impera e a forma de preservar, pesquisar e difundir mudaram.
O desafio, ou melhor dizendo, o sonho agora é outro: a construção do Museu Histórico de Santos, equipamento moderno, lúdico, interativo, inspirador, que provocará reflexões e manterá vivo cada detalhe das histórias santistas. Sob a batuta de um sonhador chamado Lupércio Mussi, a energia de Francisco Martins, Edmundo Amaral, Julio Conceição, Costa e Silva Sobrinho, Valentim Bouças, Adelson Portela, Carolina Ramos e tantos outros apaixonados pela missão do IHGS, se unem para tornar realidade mais um grande legado que esta jovem instituição de 80 anos, fábrica de sonhos, pode oferecer à região.