A famosa revista semanal de circulação nacional, “O Cruzeiro”, dedicou algumas das páginas de sua edição de 31 de março de 1962 para exaltar as belezas e o agito das praias da Baixada Santista, mais especificamente de Guarujá, Santos e São Vicente. A reportagem, produzida pelo jornalista Audálio Dantas, sob o título “A Geografia do Verão Paulista”, foi ilustrada com fotos de George Torok.
O blog Memória Santista resgata esta pitoresca reportagem, transcrevendo-a na íntegra, para o desfrute dos nossos leitores:
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A GEOGRAFIA DO VERÃO PAULISTA
Uma faixa de areia de um milhão de metros quadrados, sete quilometros de mar e outros tantos de jardins. Se o céu é azul e o mar também, isso quer dizer Verão, e por isso podem ser contadas nessa faixa de areia uma trezentas mil pessoas. E tudo estará completo para um retrato de corpo inteiro da praia de Santos, porta de entrada para o Verão no litoral paulista. Pouco mais acima, ao norte, está Guarujá, sala de visitas misto de Cannes e Saint-Tropez, de mar mais azul do que a Costa Azul e de areias povoadas de biquinis último tipo e de garotas não menos.
Ao sul, as praias de São Vicente, desde Itararé, pontilhada de guarda-sóis coloridos e de originais barracas retangulares, até a Ponte Pênsil, no extremo da enseada vicentina. Mais para o sul, a Praia Grande, grande mesmo, estendida ao longo de cinquenta quilometros, do Forte de Itaipu a São João de Peruíbe. São as praias paulistas, as mais concorridas, cada qual com suas características próprias. Mais precisamente, as praias da Baixada Santista que, reunidas, apresentam um dos maiores movimentos veranistas de toda a costa brasileira do Atlântico.
Além de concentrar a maior massa de turistas, Santos funciona como entreposto de Verão. A maioria dos que descem a Serra do Mar, para fins-de-semana ou temporada em qualquer das praias da Baixada, tem de passar antes por Santos, onde o turismo, depois do movimentadíssimo porto, é a industria principal. No ano passado a cidade recebeu nada menos do que 5 milhões de turistas, dos quais 4 milhões ficaram em suas praias e os restantes se espalharam por São Vicente, Guarujá e Praia Grande.
Fora das temporadas, a população de Santos é de 300 mil habitantes, de segunda a sexta-feira: aos sábados e domingos, eleva-se para 400 mil, e, se calha num feriado perto de fim-de-semana, a população é duplicada. E durante os meses de Verão, Santos é uma cidade de 600 mil habitantes, mais da metade em roupa de banho.
As praias santistas apresentam atualmente quase o mesmo perfil arquitetônico de Copacabana, com seus modernos edifícios de apartamentos. Mas há diferenças bem marcantes em outros aspectos, a começar pelos amplos jardins entre a faixa de areia e o asfalto, a presença constante de água nas torneiras, etc. Toda a orla marítima é profundamente iluminada (luz fluorescente) e, durante as temporadas de Verão, carnaval e festa juninas, as praias ganham ar de quermesse, com dezenas de milhares de lâmpadas coloridas.
A febre imobiliária é um fato e o ritmo de construções, durante o ano passado, foi de 2,3 edifíicos por dia, inclusive os grandes blocos de apartamentos. 75% dos turistas se hospedam em apartamentos, próprios ou alugados – e os restantes 25% nos hotéis e pensões . Além de dois hotéis considerados de luxo e cerca de uma dezena enquadrados na categoria de primeira, há mais de 200 pensões nas imediações da praia. Restaurantes há para todos os gostos e o mínimo que se gasta numa refeição é 500 cruzeiros (equivalente hoje a R$ 200).
Mas as praias, com mar azul e céu azul, são bonitas de ver. Cheinhas, em seus 7 quilômetros de extensão, da Ponta da Praia ao José Menino, na divisa com São Vicente, tendo Boqueirão, Embaré e Gonzaga de permeio. Boqueirão é o “lugar bem”, o mais enfeitado de barraquinhas, guarda-sóis e, naturalmente, belas garotas. Mas isso não impede que uma família operária que se desloca do José Menino, em passeio de bicicleta, desfrute da mesma areia e do mesmo mar.
A maior concentração de banhistas é na praia do Gonzaga, onde um espaço de areia chega a ser disputado. Há gente de todas as classes e de todos os tipos: ricos, novos ricos, “playboys”, de lambreta e sem lambreta, gordíssimas senhoras e lindas moças, estas últimas arriscando a graça dos biquinis, apesar de uma proibição que ninguém sabe de onde partiu. Também no Gonzaga se concentra a maioria dos chamados “clubes de praia”, que lá instalam grandes barracas para os sócios e organiza, partidas de volibol, frescobol, peteca. Há 120 desses clubes em Santos, com suas sedes em lugares fixos na praia.
José Menino é a praia mais popular. Seu grande dia é o domingo, quando se transforma em cenário para formidáveis piqueniques, com participação de famílias inteiras de operários que descem de São Paulo.Eles chegam de trem ou de ônibus, em grande festa, quase todos prevenidos de robustos farnéis que incluem desde garrafinha de café até frango assado com farofa ou macarronada.
Quem não tem roupa de banho pode alugar num dos balneários populares, que também dispõem de cabinas. Um calção para homem é alugado pelo módico preço de 40 cruzeiros (Equivalente hoje a R$ 16). Já os maiôs femininos custam mais dinheiro, até 100 cruzeiros por dia (R$ 40). Mas ninguém reclama, porque o que vale, mesmo, é o encontro feliz com o mar. E o piquenique na areia. A fotografia tirada na hora pelo artista lambe-lambe. À tardinha, quando o sol já foi embora de vez, eles também se vão, serra acima, para o trabalho de segunda-feira e para os comentários dos amigos: “Fomos em Santos ontem”…
O grande movimento de turistas tem outras razões de ser além do azul do céu e do mar: turismo, lá, é indústria de verdade. Há um Conselho Municipal de Turismo, secretariado pelo jornalista Olao Rodrigues e integrado por representantes do comércio, dos sindicatos e da Sociedade Amigos da Cidade, que promove festejos populares nas praias, durante todo o ano.
O carnaval de rua, considerado o melhor do Brasil, depois do Rio de Janeiro e Recife, começa com um mês de antecedência. Desfiles nas areias, banho à fantasia, escolas de samba, blocos, ranchos, batalhas de confete. E carnaval com força total nos quatro dias de Momo. Boa “mercadoria” para turista comprar. No último Carnaval, Santos recebeu cerca de 400 mil visitantes.
Guarujá não é apenas praia: é passarela para desfiles de modas e seus “lançamentos” são quase simultâneos aos de Cannes e St.Tropez. Recanto de mar quase exclusivo dos paulistas “quatrocentões˜ e quanta “gente bem” habita no Planalto de Piratininga, é a maior fonte de notícias para os colunistas sociais de São Paulo, que para lá se transferem com armas e bagagens – aquelas mais do que estas… E as colunas engordam, com registros mais ou menos assim: “A senhora Y acaba de estrear sandálias vindas diretamente de Paris” ou “Os homens também entraram na corrida da elegância”. São fiéis, os colunistas, porque elegância é coisa que não falta no Guarujá. E o gabarito dos seus frequentadores pode também ser medido pelo movimento do Cassino. De acordo com o registro dos alegres colunistas, o espaço em torno das mesas de jogo é pequeno “para os que preferem um joguinho ao twist da piscina”.
Guarujá é uma ilha, em dois sentidos: ilha de verdade, cercada de água por todos os lados, ilha de elegância em tempo de Verão. A proibição do biquini, que atinge as praias da Baixada Santista não funciona na ilha, onde a moda do rendadinho (bordado inglês) completa a beleza das superbronzeadas banhistas.
Dá gosto ver o desfile na passarela de areia do Guarujá. Além das praias – Pitangueiras, Guaiúba, Enseada, Perequê, Mar Casado – há a piscina do Grande Hotel, os clubes fechadíssimos, como o Samambaia e o Jequiti-Mar. Tudo exclusivo, porque Guarujá, na definição de um cronista “é fechado como caracol de porcelana”.
Para se chegar à ilha há só duas maneiras: de iate ou automóvel, que tem de ser transportado por “ferry-boat”. E assim se fica sabendo o que é o movimento na ilha: Em 1961 passaram pelo “ferry-boat” 800 mil veículos. Durante as temporadas a população flutuante atinge 40 a 50 mil pessoas, contra uma população fixa de 41 mil habitantes. Como Santos, Guarujá tem sua praia principal – Pitangueiras – enfeitada de arranha-céus. Cada dia é licenciada uma nova construção no município e 3.500 veranistas têm apartamento próprio na estância. Nas outras praias predominam as modernas e ricas casas de veraneio.
A promoção do turismo inclui festejos populares, principalmente no Carnaval, com desfile de escolas de samba de 1200 figurantes; Festival de Música Popular Brasileira, Festival de Cinema, apresentação de famosos artistas nacionais e estrangeiros, etc. O principal problema de Guarujá é o ferry-boat, insuficiente para atender o movimento sempre crescente de turistas. Atualmente está em construção uma estrada que ligará a ilha ao continente, com uma ponte sobre o canal de Bertioga. Mas a estrada assusta a alguns veranistas, que argumentam ser ela o fim de Guarujá como “ilha exclusiva”. Eles preferem que continuem as longas filas que se formam para a passagem no ferry-boat, E que Guarujá continue ilha absoluta.