Maranhense Olympio Lima deixou um enorme rastro de amigos leais e desafetos raivosos. Por defender seus princípios abertamente, chegou a ser preso, sofrer atentado com tiro e ter seu mandato de vereador cassado
Santos, 26 de março de 1894. Os olhos de Olympio Lima contemplavam, satisfeitos, o trabalho artesanal realizado minuciosamente pelos linotipistas da velha oficina gráfica de Deocleciano Fernandes, situada numa modesta casa situada na Visconde de São Leopoldo, comprada por ele havia poucas semanas. A redação ficava na Rua Dois de Dezembro, 7 (atual D. Pedro II). Tomado por sentimentos combinados de ansiedade e alegria, o tarimbado jornalista maranhense, de 32 anos, carregava, de um lado para o outro, mais uma criação com sua assinatura, outro importante órgão de imprensa, de caráter combativo, independente, justo e crítico. Estabelecido havia não muito tempo na movimentada cidade santista, Lima fazia questão de frisar tais conceitos, a ponto de mandar estampar nas primeiras linhas do seu periódico, a qual batizou Tribuna do Povo, a seguinte mensagem: “Esta folha não tem ligação com nenhum dos partidos políticos militantes, o que melhor a habilita a julgar de ambos. Suas colunas estão francas a todas as manifestações do pensamento. As artes, as letras e as ciências encontrarão nela uma tribuna livre às suas controvérsias e aos seus ensinamentos. Aceita toda sorte de publicações, desde que o decoro público não seja nelas desodorado. As que tiverem por objetivo o interesse público serão feitas gratuitamente e as de interesse pessoal mediante prévio ajuste”. Esse era o jeito de Olympio Vaz de Lima, direto, sem filtro e galanteios.
O jornalista maranhense desembarcara no cais santista havia um ano antes. Estava à procura de emprego, depois de ter “causado” em sua terra natal, assim como em Belém do Pará, onde acabou expulso por conta dos escritos provocativos que tinham como alvos a classe política e a elite dominante local. Em Santos obtera trabalho como empregado de uma empresa de calçamento de ruas. “Antiflorianista” (contrário ao governo do presidente Floriano Peixoto), não demorou muito para conhecer e estabelecer parceria com o baiano Manoel Maria Tourinho, presidente da Câmara Municipal e severo crítico do governo militar de Peixoto. Tomando recursos emprestados pelo novo amigo, Lima lançou, então, o jornal Tribuna do Povo, de circulação semanal, que logo mostrou a que veio, com uma face polêmica, crítica, enfrentando várias figuras públicas da cidade, como o dr. Isidoro de Campos, “vítima” predileta do maranhense que, além de delegado de polícia, era irmão do diretor do jornal “Diário de Santos”, o mais antigo e robusto periódico regional em circulação.
Polêmicas, empastelamentos, atentado e prisão
Olympio Lima dividia os santistas por conta da linha editorial de sua Tribuna do Povo, que raramente trazia anúncios, já que os artigos costumavam desmascarar os mandatários locais. O periódico, de um lado, gozava do apoio da maior parte dos trabalhadores e, do outro, a desconfiança e irritação de diversos componentes da elite histórica da cidade e figuras protegidas pelos velhos políticos, caso do major Quintino de Lacerda, que se tornou alvo de Lima após ter sido eleito vereador, em 1895. O jornalista maranhense contestava a capacidade do ex-escravo e líder do Quilombo do Jabaquara para exercer a função, por ser ele declaradamente analfabeto. Com a ajuda de Tourinho, ele também conseguira um cargo na Câmara Municipal, onde apoiou a elaboração de uma Constituição Municipal (polêmica a ponto da Assembleia Legislativa do Estado cassar o documento, por entende-lo inconstitucional).
Nas primeiras sessões da Câmara, as provocações de Olympio Lima à sociedade dominante e aos partidários de Floriano Peixoto e Bernardino de Campos (presidente do Estado de São Paulo), se potencializaram. Além do delegado Isidoro, que havia mandado prendê-lo ainda no fim de 1894, por uso de “armas proibidas” (um revólver carregado com seis balas, conforme constou em relatório), era o vereador Quintino um dos mais criticados no jornal Tribuna do Povo. O líder negro do Quilombo, então, cansado das provocações do maranhense, chegou a mandar seu “Batalhão Patriótico Silva Jardim”, formado por ex-escravos, empastelar as oficinas e redação da Tribuna do Povo, e por mais de uma vez. A primeira, em 15 de abril de 1895 e a segunda em 5 de dezembro do mesmo ano, quando o jornal circulava duas veze por semana. Essa situação já havia sido enfrentada em 16 de novembro de 1894, quando o periódico foi invadido e todo arrebentado, segundo o maranhense, a mando do delegado Isidoro de Campos, que ainda o mandaria prender por desacato quando fora registrar o ocorrido na delegacia.
Por conta dos atentados, Tribuna do Povo era obrigada a renascer das cinzas. Lima chegou a editar, nos intervalos de recuperação de seu jornal, um outro com o nome de “Correio da Semana”, com poucos números rodados.
Os conflitos recorrentes com o delegado da cidade chegaram ao ápice com o atentado sofrido por Olympio Lima, pelas mãos do major José Emílio Ribeiro de Campos, irmão de Isidoro e diretor do jornal concorrente, “Diário de Santos”, que lhe desferiu três tiros quando desembarcava de um trem da São Paulo Railway. Uma das balas acertou o baixo-ventre, e o caso foi parar nos tribunais.
Displicente com dinheiro
Mas não era à base da bala ou da intimidação que Olympio Lima esmorecia. Ele gostava, de fato, dos primeiros postos de combate, conservando o pulso firme e o cérebro desanuviado. Apesar do ataque promovido pelos rivais, Tribuna do Povo crescia a olhos vistos. Em 1896, o jornal, buscando maior espaço, transferia suas instalações para a Rua do Rosário, 99.
Porém, o que o derrubava o aguerrido jornalista era ter de tratar das questões comerciais e administrativas do jornal, atribuições que lhe causavam sonolência e aborrecimentos. O jornal vendia muito, era popular e aguardado a cada manhã, ou seja, um produto bastante lucrativo. Porém, contabilizar lucros e dividendos não era do seu feitio. Todos diziam ter ele um diário excelente, empresa comercial de primeira ordem, que poderia legar a seus filhos considerável fortuna. No entanto, Lima distribuía tudo quanto da folha auferia em pensões, dádivas e outras aplicações filantrópicas, sendo em grande número as famílias pobres que se mantinham, na cidade, do seu bolso particular. Essa “displicência” acabou por lhe trazer grandes dissabores.
Por duas vezes, teve de entregar seu jornal para pagar dívidas. A última e conclusiva aconteceu em 19 de julho de 1899, quando foi obrigado a vendê-lo para o coronel Manoel Monjardim. Desgostoso, Lima volta ao Maranhão, mas retorna poucos meses depois, decidido a retomar sua folha, reclamando na justiça que fora “roubado” na negociação. No entanto, perde a causa.
Surge A Tribuna
Sem chance de retomar a Tribuna do Povo, não restava a Olympio Lima outra alternativa a não ser criar outro jornal. Foi então que, com a ajuda do comendador Júlio Conceição, monta uma nova redação, na Rua General Câmara, 25, e funda “A Tribuna”. O maranhense, entretanto, não encarava sua nova folha como algo, de fato, inédito. O periódico debutante estampou no seu número inicial, lançado em 19 de dezembro de 1899, as inscrições “Ano VI” e “Desde 1894”, deixando claro se tratar do mesmo veículo de tom crítico e irônico intelectualmente, conduzido com brilhantismo por Olympio Lima.
O jornal A Tribuna vira sucesso instantâneo, vendendo seis mil exemplares em meia hora. Era o apoio popular a Olympio sendo medido.
Morte e glória de Olympio Lima
Por alguns anos, o maranhense intelectual, como o chamava o historiador Francisco Martins dos Santos, conduziu sua nova-velha folha, com o mesmo espírito contestador da Tribuna do Povo. Em 10 de setembro de 1906, Olympio resolveu investir na capital paulista, onde arrendou o jornal “O Comércio de São Paulo”. De lá, tomava conta dos dois jornais. O ritmo intenso de trabalho, porém, não lhe fora benéfico. Bastante exausto, ele teria decidido viajar para o Rio de Janeiro para tratar de uma velha enfermidade cardíaca, e se internou na Casa de Saúde São Sebastião, onde veio a falecer em 4 de outubro de 1907, aos 45 anos de idade.
Sua morte repercutiu em todo o país, dado o reconhecimento de sua luta pela verdade e imprensa livre. Seu corpo foi trasladado para Santos, onde foi enterrado no Cemitério do Paquetá, após cortejo que contou com a presença de centenas de pessoas, admiradoras do bravo e combativo maranhense santista.