Equipamento pertencia ao pioneiro no serviço de transporte de passageiros em automóveis
Santos, dezembro de 1919. A orla praiana do agradável bairro do Gonzaga fervilhava, tomada por numerosa massa de visitantes e santistas ávidos por lazer e um pouco de sol revigorante. Pelas ruas, avenidas e praças locais, onde alguns anos antes imperavam a tranquilidade e os prestimosos bondes elétricos da “City”, automóveis barulhentos quebravam a serenidade do balneário santense, transportando influentes empresários, autoridades, profissionais liberais de relevo, assim como suas famílias. O perfil, elitista, do usuário deste tipo de transporte, no entanto, estaria para sofrer uma leve transformação. O carro, que até meados da década de 1910 era algo tangível apenas para alguns privilegiados, de bolsos abastados, prometia popularizar-se, em especial após o desembarque, no Brasil, naquele ano de 1919, da grande coqueluche norte-americana, o Ford T, primeiro veículo produzido em larga escala no mundo e que, aqui, ganharia o carinhoso apelido de “Ford Bigode”.
Destarte, nas duas primeiras décadas do século 20, ser proprietário de um “automóbile” (como alguns ainda rotulavam, afrancesadamente, o veículo) era algo, de fato, que pesava no bolso e causava grandes inconvenientes, sobretudo para mantê-lo abastecido de combustível, no caso, de gasolina. Naqueles tempos idos, a única maneira de obter-se o precioso líquido era recorrendo a uma distribuidora* que, normalmente, comercializava o produto em barris de madeira ou latões.
*A primeira distribuidora de combustíveis a instalar-se em Santos foi a Anglo-Mexican Petroleum Products Co, responsável pelas operações da anglo-holandesa Royal-Dutch Shell. A empresa instalou alguns tanques na cidade a partir de 09 de abril de 1913. Nos anos 1930, o armazenamento de combustível foi transferido para a Ilha Barnabé.
Um santista visionário
Mas naquele Verão 1919/1920, a dificuldade de buscar combustível na fonte de distribuição para armazenar na garagem de casa estaria para acabar. Era tarde de uma sexta-feira quando, em meio ao agito gonzaguiano, um homenzinho agitava os braços e comandava o término da instalação de um estranho equipamento na calçada junto ao Rinque do Parque Balneário (onde hoje está o Hotel Atlântico), bem à margem da avenida Ana Costa. Ao fim da inusitada labuta, ele pediu aos operários da obra que providenciassem rapidamente seu acabamento, pois desejava muito testar a engenhoca que adquirira de uma distribuidora de combustível estrangeira (a Standard Oil Company of Brazil – que se tornaria Esso). Antes de se recolher para casa, porém, ele ainda esperou um caminhão-tanque de pequeno porte se aproximar e, numa operação controlada, despejar algumas centenas de litros de combustível dentro de um reservatório cilíndrico enterrado a poucos metros de distância do equipamento enigmático. No veículo podia-se ler em letras garrafais o nome do produto ali depositado – “Gazolina Motano” – o mesmo exibido numa espécie de letreiro redondo situado no alto do instrumento instalado na calçada. Após cerca de duas horas, tarefa concluída, o sorridente “baixinho” agradeceu a todos e foi para casa, ansioso pelo que viria pela frente.
Nas primeiras horas da manhã do dia seguinte, uma fila com seis veículos encostava no local. Em seguida, surgia o homem que, se de estatura não parecia grande coisa, de visão empreendedora, criatividade e inteligência, era definitivamente um gigante. Antônio Duarte Moreira, além de se tornar um pioneiro na América do Sul, por implantar a primeira “bomba de gazolina” do continente, era também o proprietário da precursora frota de “táxis” de Santos, negócio a partir do qual fundou uma empresa que grafou seu nome – A.D.Moreira – na memória da cidade santista, por sua marcante atuação no segmento de automóveis e, mais tarde, de utensílios domésticos (entre outros campos de negócios).
A novidade se espalha pelo país
O equipamento instalado por Antônio nas proximidades da esquina mais movimentada da zona da orla do Gonzaga transformou a realidade automobilística santista e iria influenciar o país. O sistema facilitava a vida do motorista, que não precisava mais fazer força, sujar mãos, roupas ou utilizar-se de funis para abastecer seus carros. Era questão de tempo para que surgissem outras bombas de rua, ou melhor, espaços privados dotados com várias bombas, o que viriam a ser os “Postos de Combustíveis”.
Nesta época, a Standard Oil Company of Brazil, com sua “Gazolina Motano”, a partir da experiência bem-sucedida em Santos, começou a espalhar suas máquinas por outras cidades do estado de São Paulo, assim como no Rio de Janeiro. A capital bandeirante copiou o exemplo santista no ano seguinte (1920), instalando uma bomba semelhante na Rua Barão de Itapetininga, nas proximidades do Teatro Municipal de São Paulo. Em 1921, foi a vez dos cariocas instalarem seu primeiro sistema mecânico de abastecimento de automóveis. O local escolhido foi a Praça XV, considerada estratégica pela Standard Oil.
Os Postos de Combustíveis
Com o passar do tempo, e devido ao aumento do número de veículos na cidade, foram surgindo os primeiros postos de combustíveis como, por exemplo, o da Atlantic Refining Company of Brazil, que ergueu uma unidade de serviços automotivos na esquina da Avenida Ana Costa com a rua Alexandre Herculano. A inauguração foi um acontecimento na cidade, contando com a presença de autoridades municipais e a fina flor da sociedade santista.
Hoje, para manter abastecida uma frota de cerca de 150 mil carros*, temos a retaguarda de 61 postos de combustíveis, responsáveis pela operação de cerca de 200 bombas, todas elas descendentes da pioneira, obra de um empresário baixinho de estatura, mas gigante de ousadia.
* Dados apenas da cidade de Santos (Fonte: Detran), sem levar em consideração ônibus, caminhões e motocicletas.