A revista Flamma, circulante em Santos entre os anos de 1921 e 1956, sempre dedicou bastante espaço para o universo feminino, servindo como importante meio de comunicação para este público, exaltando ainda a beleza e a capacidade da mulher santista. Entre as muitas curiosidades estampadas em suas páginas, foi motivo de destaque, na edição nº 10, de outubro de 1940, a conquista da jovem Maria Arruda Baccarat, considerada a primeira mulher santista graduada em ciências jurídicas na história da cidade.
Formada pela Faculdade de Direito de São Paulo (Largo de São Francisco) na turma de 1939, Maria Baccarat obtia seu ingresso na 2ª subseção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em setembro de 1940, motivo pelo qual a revista decidiu fazer uma homenagem a esta pioneira do Direito santense. Dizia a nota de uma página sobre a jovem:
“Flamma presta, hoje, justa homenagem à primeira santista formada em ciências jurídicas e sociais. Maria Baccarat, advogada nos auditórios desta comarca, tem um nome a zelar. Seu pai, Samuel Baccarat, foi um dos mais ilustres e ardentes causídicos que militaram no cível e no comercial, conseguindo os mais belos triunfos nas lides forenses desta cidade. Vereador laborioso, político inflamado, tornou-se no seu tempo, elemento indispensável ao nosso meio, que ele soube dignificar com a sua nobreza de caráter.
É o patrimônio desse nome ilustre que a Doutora Maria Baccarat tem de respeitar e defender, na sua nobre e elevada carreira. E estamos seguros de que s.s., com o brilho do seu talento, com a luminosidade da sua simpatia, com a intrepidez de sua juventude, tudo fará para conservar a aureola de fama e de glorificação que rodeou a vida agitada e exemplar de seu progenitor.
A mulher santista terá, assim, para representa-la no setor da vida do foro local, uma legítima glória, moça que nasceu na princesa do mar, a quem o poeta das Cantigas teceu as mais afinadas estrofes nos seus magníficos poemas de romantismo e sentimento.
A doutora Maria Baccarat, ilustrando com a sua mocidade a página de honra da Flamma, consagra-se desta forma, na genuína embaixatriz da mulher santista, no posto de ardente defensora do direito e da justiça. E a nossa revista, ao prestar-lhe esta prova de simpatia e admiração, cumpre um dever e homenageia a mocidade feminina na pessoa dessa intrépida e inteligente conterrânea, exemplo de cultura, coragem e esforço”
Maria Baccarat militou na comarca santista por alguns anos. Também contribuía com textos dramáticos para as novelas produzidas pela Rádio Atlântica, de sua família. Em 1953 prestou concurso público para trabalhar na área jurídica do Ministério da Educação e Cultura. Atuou com diversos ministros, destacando-se, entre eles, Ney Braga e Jarbas Passarinho. Angariando experiência a cada ano, a santista passou a ser convidada para dar aulas inaugurais em diversas universidades pelo país, especialmente no campo do Direito da Mulher.
Em 1972, Maria Baccarat foi uma das integrantes da delegação brasileira participante da Conferência Interamericana Especializada em Educação Integral da Mulher, realizada em Buenos Aires, sob o comando da Organização dos Estados Americanos. Na qualidade de assistente jurídica do Ministério da Educação, a santista dissertou sobre os aspectos da reforma do ensino brasileiro, comandando os painéis “Educação e Aspectos Jurídicos” e “A Formação Cultural da Mulher”, mostrando o quanto elas, no Brasil, já participavam ativamente da vida cultural e intelectual do país, quer como docentes ou discentes.
Em meados dos anos 1970, após obter seus direitos de aposentadoria, mudou-se para o Rio de Janeiro, indo morar no bairro de Campo Grande. Na capital carioca atuou como procuradora-geral da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Nesta época passou a utilizar suas horas vagas para dedicar-se à literatura, lançando dois livros de poesias, todos com a temática feminina: “Versos de Maria” e “Mulher Intemporal”. Em 1994, já passando da casa dos 70 anos de idade, a grande santista lançava um romance intitulado “Mulheres de Outrora”, que discutia o papel feminino nas sociedades dos séculos 18 e 19. O evento de lançamento aconteceu no auditório do Palácio Gustavo Capanema, do Ministério da Educação e Cultura, no Rio de Janeiro.
Maria Baccarat não se casou e não teve filhos. Seu falecimento aconteceu antes de 2005, como apurou o colaborador do Memória Santista, Vicente Vazquez, que encontrou um acórdão do Tribunal de Contas da União, na análise das contas da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Em determinado trecho do documento, o texto é claro: “16.4 Por fim, transcreve trecho atribuído a Gaston Gèze, citado pela saudosa Consultora Jurídica do MEC, mais tarde Procuradora-Geral da UFRRJ, Maria Arruda Baccarat, em estudo sobre o art. 5º. da LICC, intitulado ‘Exegese da Lei’, publicado por aquela Universidade em 1991” .
Filha de Samuel Baccarat, autor do livro “Capacetes de Aço” e eminente político
Maria era a filha caçula, a quinta do casal Alda Arruda e Samuel Baccarat. Ele fora um grande advogado, formado em Direito no Largo São Francisco em 1915. Ingressou na política local e chegou ao posto de deputado estadual entre 1925 e 1927. Lutou na Revolução Constitucionalista de 1932, sobre a qual escreveu o livro “Capacetes de Aço”. Acabou exilado pelo governo Getúlio Vargas e acabou morrendo em 21 de março de 1934 na cidade francesa de Marselha, vítima de apendicite.