Dois candidatos, Vasconcellos Tavares e Paula Passalacqua, protagonizaram uma disputa recheada de tensão, com acusações, fofocas e propaganda política inédita
Santos, 14 de dezembro de 1907. O clima estava tenso nas dependências da Câmara Municipal de Santos, à época situada no bloco norte dos famosos Casarões do Valongo (atual Museu Pelé). Os votos para a primeira eleição de prefeito da história de Santos eram contados cuidadosamente um a um pela Mesa Apurativa, ao mesmo tempo em que os números de cédulas eram confrontados em relação ao registro de assinaturas depositadas nos livros de presença de eleitores. A pressão era grande para cima dos apuradores. Tanto por parte dos correligionários do candidato do Partido Municipalista, então detentor do poder executivo da cidade e da Câmara; como por parte dos opositores, filiados ao Partido Republicano, que tinham na figura do senador Cesário Bastos sua maior liderança.
A cidade santista finalmente estava deixando para trás o regime administrativo das intendências, que fora implantado logo após a proclamação da República, em novembro de 1889. Os rumos do município, até o rompimento com o regime monárquico, eram determinados pelo plenário da Câmara Municipal. Diante do novo modelo político, livre da influência histórica do Império, todas as cidades brasileiras passaram a implantar um sistema de gestão onde se escolhia, entre os vereadores eleitos, o que se chamava de “intendente”, agente público que tinha a prerrogativa de exercer o papel de administrador executivo (o equivalente ao compete do prefeito).
Santos demorou para trocar de sistema, apesar de em 1894 ter ensaiado uma mudança, com a elaboração de uma “Constituição Municipal” (aliás, a única deste gênero criada no país), que previa a criação da figura do “prefeito”. Mas, ao final, a “Carta Magna” Santista foi cassada no ano seguinte, 1895, pela Assembleia do Estado de São Paulo e o regime de intendência voltou a ser adotado em Santos.
Desta feita, 1907 marcava, então, a tão esperada ruptura no sistema de gestão das intendências, fazendo com que Santos se equiparasse à capital paulista, que já possuía seu prefeito desde o ano de 1900.
Aqui, na terra santense, o último intendente eleito pela Câmara fora o coronel Carlos Augusto de Vasconcellos Tavares, nomeado para o biênio 1906/1907. Tido como um político progressista, era o nome mais forte no âmbito do Partido Municipalista para encarar a disputa, no voto popular, para o cargo de primeiro prefeito da história da cidade. O páreo, no entanto, era duríssimo. Os Republicanos, opositores, decidiram escolher para a contenda o vereador Paulo Américo Passalacqua, que era genro do influente senador Cesário Bastos.
Renúncia, propaganda eleitoral e acusações
Vasconcellos Tavares poderia até disputar o pleito mantendo-se no cargo de intendente. No entanto, optou pela renúncia, que ocorrera em 18 de setembro de 1907, pouco menos de três meses antes do dia da eleição. Em seu discurso de despedida do posto, ele alegou que necessitava de toda a liberdade de ação para se dirigir ao eleitorado, ao mesmo tempo que ficaria ao abrigo da suspeita de exercer pressão sobre subalternos ou qualquer pessoa que tivesse relações de interesse ou dependência para com executivo municipal. Tavares acabaria substituído por um companheiro de partido, o também coronel Cincinato Martins Costa.
O corpo a corpo na disputa eleitoral pelas ruas da cidade foi tenso. Os Municipalistas propagavam que o município retroagiria em seu progresso caso os Republicanos tivessem êxito na empreitada eleitoral. Os correligionários de Tavares atacavam abertamente o grande líder da oposição, Cesário Bastos, rotulando-o como um “político antiquado e retrógrado”. Nos editoriais dos jornais apoiadores da causa municipalista, o senador era taxado como um homem “fora de seu tempo, para quem economia política era sinônimo de guardar rendas arrecadadas, amealhar tesouros, sem reserva de espaço para investimentos no progresso”.
O ex-intendente, apesar de favorito, decidiu não arriscar a sorte e mandou produzir o que se pode considerar como a primeira peça político-eleitoral da história de Santos: Um livreto de 18 páginas, impresso na Typographia Imprensa Popular (situada na Rua Frei Gaspar, 21), intitulado: “Ao Público Santista – Exposição dos Serviços e Melhoramentos realizados no Período de 1906 e 1907 pela Ex-Intendente Carlos Augusto de Vasconcellos Tavares – Apelo ao Julgamento Imparcial da Opinião Pública”. Tal obra continha uma espécie de prestação de contas da gestão do coronel à frente do executivo municipal.
A eleição
Os jornais da época davam conta de que a presença de eleitores nas sessões eleitorais fora muito boa. Apoiado numa espécie de pesquisa de “boca de urna”, o Partido Republicano creditava como certa a sua vitória no pleito, a ponto de o jornal “Cidade de Santos” ter preparado uma edição especial estampando a foto de Paulo Passalacqua na capa, como vitorioso. Na casa do senador Cesário Bastos, bebidas finas foram compradas à exaustão, preparando os correligionários do ilustre político para a festa. No entanto, as coisas não aconteceram como o esperado para os opositores de Vasconcellos Tavares.
O ex-intendente acabou vencendo a disputa de forma apertada. Indignados, os Republicanos contestaram o resultado, alegando que o número de cédulas recolhidas nas urnas não correspondia ao número de assinaturas de eleitores nos livros. Passalacqua acusou os rivais de terem fraudado a eleição. Eles também alegariam que, contrariando a legislação, eleitores “incapazes” teriam votado em algumas sessões. Tal fator teria sido decisivo para o desequilíbrio no computo geral. Os adversários de Vasconcellos Tavares tentaram de todas as formas impugnar a eleição, apelando para a Junta Apuradora, Tribunal de Justiça e até mesmo para o presidente do Estado, Jorge Tibiriçá, mas não tiveram êxito em nenhuma das empreitadas.
Ao final, o coronel Carlos Augusto Vasconcellos Tavares, acabou, então, declarado vencedor, tomando posse definitiva em 15 de janeiro de 1908, nas dependências da Câmara Municipal, inaugurando a era dos prefeitos, que perdura até os dias de hoje.