Tragédia: Desabamento de prédio mata quatro e fere mais de 70 pessoas no Centro de Santos

Prédio da Rua Cidade de Toledo nº 10 teve seu telhado parcialmente desmoronado. Parte das paredes caíram no setor de pacotes e crediário da loja “Ao Preço Fixo” e no imóvel vizinho, onde ficava o escritório do corretor de café Joaquim Taveira.

Segunda-feira, 11 de fevereiro de 1963. Eram quase 16 horas, um dia como qualquer outro no centro da cidade. Os escritórios e as casas comerciais viviam seu ritmo normal de trabalho, como era o caso da Sociedade Mogyana Exportadora, cuja sede ocupava algumas salas do prédio de nº 10 da Rua Cidade de Toledo, situado na parte alta do casarão que ainda era dividido, no térreo, pela famosa loja “Ao Preço Fixo”, dos irmãos Farah Nassif, de tanta tradição na terra santista. 

Tudo estava normal quando, de repente, os funcionários da Mogyana escutaram um forte estalo, como o de uma madeira se partindo, ou um tronco de árvore se rompendo antes da queda. Todos ficaram paralisados, olhando para o teto, já que era de lá que vinha o misterioso e intimidador barulho. Segundos depois do primeiro estalo, veio outro, ainda mais forte, seguido de um barulho “craquelado”, como o provocado por telhas despencando. Uma funcionária percebeu, então, que o teto começava a rachar e gritou. De forma instintiva, todos os que estavam no escritório correram para a sacada que dava de frente para a rua. Aquela fora a decisão que acabou salvando suas vidas.

No andar de baixo, o movimento da loja “Ao Preço Fixo” era grande. Na seção de crediário, que ficava numa parte que ligava o prédio da Cidade de Toledo ao prédio da General Câmara, até uma fila de clientes havia se formado. Com o burburinho das conversas no interior da loja, ninguém pôde escutar ou mesmo sentir o perigo que estava por vir. Tudo acabou sendo muito rápido. As funcionárias da seção de pacotes ainda sentiram algo estranho, mas quando olharam para cima, um verdadeiro “mar” de tijolos, pedras, terra e tantos outros resíduos do prédio já desabavam sobre elas e às dezenas de pessoas que estavam no local, entre funcionários e clientes da loja. Um caos inesperado.

Ambulância e carros da Corporação dos Bombeiros em meio ao caos que se tornou a Rua Cidade de Toledo no final da tarde de segunda-feira.

O barulho chamou a atenção de toda a região no entorno da Rua Cidade de Toledo. Na Praça Mauá, várias pessoas correram na direção do local do sinistro. Gritos de desespero e choro davam o tom do cenário trágico que se fez naquele final de tarde. O prédio havia ruído parcialmente, de forma inesperada, e ainda atingira os prédios vizinhos. O de número 14, foi quase todo abaixo, levando consigo os escritórios do corretor de café Joaquim Taveira (fora o mais destruído de todos). O edifício da sequência, o de nº 18, ocupado pelo Banco Comercial do Paraná, também foi parcialmente danificado.  

Em meio à confusão, o Corpo de Bombeiros chegava ao local, poucos minutos depois do sinistro. A corporação enviou nada menos do que 84 homens, dos quais 40 recrutas, além de equipes do Pronto Socorro e da Guarda Civil. A primeira providência dos bombeiros foi retirar da sacada os funcionários da Sociedade Mogyana Exportadora, que por instinto, acabaram tomando a melhor decisão para escapar da tragédia.

Heróis de ocasião

Ainda antes da chegada do socorro oficial, alguns cidadãos que passavam pelo local, como Jorge de Pina, Nívio Furtado, Álvaro Lisboa, Júlio Labruna, Renato Mechert e José Bacarin, ajudaram no resgate das vítimas, auxiliando-as e levando-as para o pronto-socorro. A Santa Casa mobilizou todos os recursos para ao atendimento dos feridos. Uma força-tarefa também se mobilizou para abastecer o banco de sangue do hospital, no que a população santista atendeu rapidamente.

Todos os médicos de plantão, e até os médicos de folga, foram convocados para o atendimento das pessoas que se envolveram no acidente da “Ao Preço Fixo. O secretário municipal de saúde, Newton de Lima Azevedo, assumiu pessoalmente o comando dos atendimentos, fosse no resgate das vítimas no próprio local, como no comando do Pronto Socorro.

Cenas de um dia fora do comum. Foto 1) O secretário de Obras, Joaquim Cabral Lopes (ao centro) analisa as hipóteses da causa do acidente; 2) Bombeiros inspecionam condições do telhado do imóvel 10 da Rua Cidade de Toledo; 3) Retirando vítimas dos escombros; 4) O prefeito José Gomes (ao centro, apontando) presta sua solidariedade e conduz os trabalhos; 5) Diversos voluntários contribuíram para os resgates iniciais; 6) Funcionários da Mogyana descem a escada pelo lado de fora. Eles escaparam por conta de uma decisão acertada; 7) Os feridos foram levados para a Santa Casa; 8) Funcionário da Mogyana finalmente é resgatado; 9) Multidão de curiosos de forma na Praça Mauá.

O então prefeito de Santos, José Gomes, saiu de seu gabinete do Paço e caminhou apressadamente ao local da tragédia. Estava ao lado do então presidente da Câmara Municipal, José Vieira. Centenas de pessoas se aglomeravam nas imediações para testemunhar a ação de resgate. A Secretaria de Obras e Serviços Públicos da Prefeitura interditou de imediato todos os prédios vizinhos, na Rua Cidade de Toledo e também os imóveis 49, 51 e 53 da Rua Frei Gaspar, onde se localizavam o Restaurante Roma, Morad Casimiras e Agência Magalhães.

O trabalho de remoção dos escombros só terminou às 19 horas. O major Paulo Marques, comandante do Grupamento de Bombeiros considerou perigoso prosseguir à noite, apesar dos holofotes. Não havia queixa de desaparecidos.

Os prédios ficaram em estado lastimável. 1) Área de pacotes e crediário de “Ao Preço Fixo”, onde ocorreram três das mortes do dia. 2) Escadaria de acesso aos escritórios da Mogyana; 3) Telhado desceu mais de dois metros e fez cair as paredes de sustentação.

Mortos, feridos e uma azar providencial

A tragédia da Rua Cidade de Toledo resultou na morte de quatro pessoas: Raimunda de Sousa Amorim, 37 anos, casada, doméstica, residente na Rua Coronel Pedro Arbues, 257, sua amiga Edna Fernandes Batista, 33 anos, casada, doméstica, residente na Rua Coronel Pedro Arbues, 256; João Franco Junior, 58 anos, casado, corretor de café, residente na Rua Maranhão, 15 e Otília Garcia, 25 anos, desquitada, manicure, residente na Rua Campos Melo, 188. Outras setenta pessoas sofreram algum tipo de ferimento, sendo que quinze delas chegaram a ficar internadas na Santa Casa.

Um dos locais mais duramente atingidos pelas paredes que desabaram foi a sala do gerente da loja “Ao Preço Fixo”, Moacir Terra. Mas ele não estava em seu local de trabalho naquele momento, o que era algo raro, devido à assiduidade dele. Naquele dia, Terra havia sido convidado a conhecer a “Cidade da Criança”, em Praia Grande, onde participou de um evento. Ele programou sua volta para antes das 16 horas, mas uma intercorrência com o carro em que viajava, que molhou as “velas” na passagem de um regato, atrasou a sua viagem até Santos. Quando o gerente chegou, o caos já havia dominado a loja e todo o entorno. Muitos acreditavam que ele pudesse estar entre os escombros. Mas sua chegada, são e salvo, aliviou amigos e familiares.

O funeral das vítimas teve a presença de muita gente em solidariedade.

O laudo pericial técnico apontou que o prédio nº 10, utilizado pela Mogyana e pelo “Ao Preço Fixo”, construído em 1919, estava, de fato, com a estrutura do telhado altamente comprometida. O engenheiro Joaquim Cabral Lopes, secretário de Obras e Serviços Públicos, afirmou que a má conservação do telhado era evidente, com a constatação das tesouras de madeiras totalmente podres, atacadas por cupins. Por isso, mandou interditar todos os prédios do quarteirão para uma rigorosa inspeção.

Grande número de pessoas acompanhou o sepultamento das vítimas.