Escola Portuguesa de Santos, Um Século de Ensinamentos e Curas

Primeira página da Ata de Fundação da Escola Portuguesa, em assembleia datada de 24 de julho de 1921

Santos, 24 de julho de 1921. A comunidade lusíada de Santos, reconhecida como a maior fora do Velho Continente, estava em absoluta festa. Isso porque depois de muitos anos, de muita luta, finalmente foi possível instalar na cidade uma instituição educacional voltada ao atendimento dos filhos dos imigrantes portugueses, em especial os mais necessitados, para a nobre missão de ensiná-los não só os princípios básicos das letras, das ciências e da matemática, mas também o respeito às raízes de Portugal e os seus laços de afeto e respeito ao Brasil. A proposta, enfim, era firmar a união da família portuguesa, estreitando os laços entre seus membros.

No comando desta tarefa estava um homem incansável, de fibra, um erudito que fazia jus ao nome: o professor Antônio Maria Guerreiro. “Ensinar é tão nobre quanto curar”, vivia dizendo em suas conferências. Guerreiro era diretor da Escola Portuguesa da capital e estimulava seus patrícios santistas a criar uma instituição semelhante na cidade portuária, que era tida como uma colônia de grande relevância para a comunidade lusitana.

A escola começou a funcionar, efetivamente, apenas no dia 1º de dezembro daquele ano, utilizando espaços emprestados pela Câmara Portuguesa de Comércio, que ficava num sobrado da Praça da República, 47. O primeiro presidente da entidade educacional, eleito em assembleia, no mês de setembro, no Real Centro Português, foi o Dr. Thomaz D’Alvim, que tinha como vice, Antônio Ribeiro Moreira.

A primeira sede da instituição, ainda que provisória, foi instalada na rua Júlio Conceição, Vila Mathias, em 6 de abril de 1922, quando se tornou oficialmente reconhecida pela Delegacia Regional de Ensino. Dois meses depois, os alunos da escola promoveram uma grande festa em homenagem aos heróis portugueses Sacadura Cabral e Gago Coutinho, que estiveram em Santos para celebrar a primeira travessia aérea entre a Europa e o Brasil. Os estudantes e a escola também tiveram participação ativa nos festejos referentes ao Centenário da Independência do Brasil, ocorrida em 7 de setembro daquele mesmo ano.

Em 1924, a escola se transferiu para um casarão na avenida Conselheiro Nébias, número 94. Nesta época contava com cinco professores e 220 alunos de ambos os sexos. A instituição era mantida por 400 sócios contribuintes de diversas categorias, entre empresários do comércio santista. O colégio permaneceu neste endereço até 1933, quando se mudou para a rua Dr. Cochrane, 65. O espaço, menor do que o anterior, só comportava 110 alunos, divididos em classes mistas sob o comando das professoras Mercedes Tavares da Silva, Conceição Salgado e Virgínia Diogo, além do professor Basílio de Araújo Lacerda. Na década de 1930, a diretoria pretendia abrir “filiais” pela cidade, visando ampliar a oferta, mas para isso era necessário retomar o número de beneméritos, que na época havia caído para 84 colaboradores.

Nota publicada no jornal Gazeta Popular, de Santos, em 13 de janeiro de 1938, dando conta da inauguração, que aconteceria três dias depois.

Enfim, a sede própria

Em 1937, a Escola Portuguesa finalmente consegue juntar recursos para adquirir sua sede própria (até então, os imóveis anteriores eram alugados ou cedidos), localizada na Rua Sete de Setembro, 79. Naquele mesmo ano, os alunos e professores tiveram a oportunidade de conhecer o famoso navio “Sagres”, da Marinha Portuguesa, então de passagem pelo Porto de Santos. A nova unidade, totalmente reformada foi inaugurada solenemente em 16 de janeiro de 1938, tendo como oradores os ilustres professores Amazonas Duarte, Nicanor Ortiz e Alberto de Carvalho

Nos anos 1940, a figura de Cordovil Fernandes Lopes marcou a história da Escola Portuguesa, abrindo as portas da instituição de ensino para crianças que não necessariamente tivessem relação com a comunidade lusíada, embora ainda, majoritariamente, fosse ocupada por filhos e netos de portugueses. Este movimento fez a escola crescer e voltar a oferecer dois períodos diurnos de atendimento, contando com oito professores no quadro.

Outro fato marcante na história da Escola Portuguesa aconteceu em junho de 1957, quando Santos recebeu a visita do então presidente de Portugal, Craveiro Lopes. Durante sua recepção no Centro Real Português, na rua Amador Bueno, os alunos do colégio entoaram os hinos do Brasil e de Portugal, em que foram muito elogiados pelo ilustre visitante.

Em 1968, a instituição passou a apresentar sérios problemas de ordem financeira, além de testemunhar uma queda considerável no número de alunos. Era necessário, enfim, abandonar definitivamente a política de admissão prioritária de crianças ligadas à colônia portuguesa e iniciar o atendimento da demanda do entorno. Santos havia se transformado por demais. A oferta de outros estabelecimentos de ensino espalhados pela cidade aliada à alteração do perfil socioeconômico da Vila Nova e Paquetá exigiam tal mudança de postura. Contudo, não houve tempo para a reestruturação e a escola acabou encerrando suas atividades em 1970.

O prédio da Escola Portuguesa, assim, acabou sendo alugado pelo Sesi (Serviço Social da Indústria), que lá permaneceu até meados dos anos 1980. Quando a entidade deixou o local, a edificação acabou ficando abandonada por alguns anos. A Colônia Portuguesa, sob a liderança do então vice-cônsul de Portugal, José Augusto Martins Ogando dos Santos, se reuniu para discutir a questão e decidiu reabrir a escola, só que desta vez com uma finalidade social, atendendo as crianças de 3 a 6 anos do entorno.

Assim, de lá para cá, a Escola Portuguesa mantém sua tradição de cuidar dos desvalidos, dos filhos dos santistas que mais precisam, atuando mais do que uma instituição educativa, mas também social, com a missão de curar a ferida das desigualdades. Afinal, como dissera o fundador da escola, o professor Guerreiro, há 100 anos: “Ensinar é tão nobre quanto curar”.

 

Fachada da escola nos anos 1940
Fotografia publicada na Revista Flamma, edição de Julho de 1942. Inauguração do Galpão “Cordovil Lopes”, em homenagem ao então presidente da instituição.
Alunos diplomados no final do ano letivo de 1942
Imagens da Escola quando ela ocupava o prédio da Avenida Conselheiro Nébias, 94. Publicação no Álbum da Colónia Portuguesa no Brasil / dir. e org. Teófilo Carinhas. – [Lisboa : s.n.], 1929 – acervo da Biblioteca Nacional de Portugal