Como todos nós aprendemos na escola, a Independência do Brasil foi assinalada no famoso gesto ocorrido na tarde do dia 7 de setembro de 1822, às margens do riacho Ipiranga, ocasião em que o príncipe regente D. Pedro de Alcântara, incitado pelas palavras de sua esposa, princesa Leopoldina, e de seu fiel ministro, o santista José Bonifácio de Andrada e Silva, decidiu romper definitivamente os laços da então colônia com Portugal, solidificado para a história com o famoso brado “Independência ou Morte”.
Ocorre que, para muitos estudiosos do fato que determinou o nascimento do Brasil enquanto nação livre, o gesto era para ter acontecido na Vila de Santos, berço da família Andrada e Silva, não fosse alguns imprevistos que anteciparam a volta do regente para a capital bandeirante.
Antes do brado do Ipiranga, em agosto daquele ano, José Bonifácio, com o apoio da princesa Leopoldina, de quem era grande amigo, já traçava os rumos para a libertação do Brasil, orientando D. Pedro a abafar alguns focos de insurgentes favoráveis à manutenção da condição colonial, primeiro nas Minas Gerais e depois em São Paulo. Em 5 de setembro, já na capital paulista, o príncipe iniciou sua viagem a Santos, onde inspecionaria o sistema de defesa da Vila, para o caso de uma possível invasão de tropas portuguesas se a decisão fosse mesmo pela Independência.
D. Pedro foi a Santos acompanhado de seu ministro itinerante Saldanha da Gama, o ajudante Chalaça, o alferes Francisco de Castro Canto e Melo (irmão mais novo da futura Marquesa de Santos), o padre Belchior Pinheiro, o brigadeiro Jordão, sua Guarda de Honra, com seu comandante coronel Antonio Pereira Lobo e subcomandante coronel Manuel Marcondes de Oliveira e Melo (futuro Barão de Pindamonhangaba), além de dois criados particulares.
A viagem para a Província de S. Paulo e a Santos fazia parte dos planos de José Bonifácio para convencer D. Pedro a dar o passo definitivo para a libertação brasileira. Assim, calculou o tempo da viagem do príncipe e enviou o mensageiro Paulo Bregaro, correio da Coroa, com a ordem expressa, e até rígida, de entregar ao príncipe a correspondência que o convenceria a tomar a decisão final. Em tom duro, chegou a dizer ao correio: “Se não estourares vários cavalos nunca mais serás coronel no Brasil” (Bregaro tinha aspirações para chegar ao posto).
A viagem de D.Pedro a Santos (a primeira e única dele à vila) foi um acontecimento. Ao passar pelo Porto Geral de Cubatão, onde tomou um barco para chegar ao cais santista, o príncipe foi recebido pelo capitão-mor da Vila de Santos, João Batista da Silva Passos; pelo governador da Praça, Aranha Barreto; além do capitão de milícias Antonio Martins dos Santos e várias outras pessoas de relevo no meio santista e vicentino. O desembarque de Sua Alteza e comitiva aconteceria às 4 horas da tarde (do dia 5 de setembro), no Largo da Alfândega Velha, perto do antigo Barracão do Consulado, em frente à atual Rua Frei Gaspar.
Já na vila, foi recepcionado com festa pela população e outras autoridades.Um parque de artilharia deu as salvas de estilo. D.Pedro e comitiva, então, percorreram algumas ruas, para deleite dos súditos. Atravessaram a Travessa da Alfândega Velha (atual Rua Frei Gaspar), a Rua Direita (Rua XV de Novembro) e a Rua Meridional (Praça da República), finalizando o passeio na frente da antiga Matriz, onde fora realizado um solene Te Deum em ação de graças pela vinda do príncipe.
O historiador santista, Francisco Martins dos Santos, escrevera sobre esta passagem de D.Pedro a Santos, dizendo que “as ruas por onde passou o cortejo estavam juncadas de flores e folhagens, apinhadas de povo.Das sacadas pendiam colchas de seda e brocado, e senhoras e moças atiravam, sobre o pálio, braçadas de rosas e outras flores.”
As tropas da guarnição se estenderam em duas alas, ocupando desde o Largo do Carmo até a Matriz (que ficava onde hoje estão as praças da República e Antônio Teles), e trajavam uniforme de gala. Para animar a festa, a Banda Musical do Batalhão de Caçadores (criada pouco tempo antes, pela Carta Régia de 5 de fevereiro de 1820, do rei D. João VI), tocou entusiasticamente.
D. Pedro ficou hospedado na ala esquerda do antigo Convento dos Jesuítas onde está atualmente o prédio da Alfândega.
Volta antecipada – Após ter visitado a Fortaleza da Barra e o Forte Itapema, entre outras fortificações, D. Pedro resolveu aceitar o convite de membros da família Andrada para um banquete em sua homenagem. Neste evento, o príncipe regente teria “exagerado” na comilança e acabou ficando indisposto. Irritado, no dia seguinte pela madrugada, resolveu ordenar a todos que se preparassem para a volta imediata para São Paulo, o que de fato ocorreu. Assim, quando já eram cerca de 4 horas da tarde daquele 7 de setembro, o correio da Coroa, Paulo Bregaro, que já se dirigia a Santos na intenção de lá encontrar o príncipe e sua comitiva, acabou “trombando” com eles às margens do riacho Ipiranga, onde descançavam. E foi ali que D.Pedro, após ler o conteúdo da correspondência, acabou promovendo o gesto da Independência.
Tivesse o correio chegado um dia antes, o palco do brado teria sido a vila de Santos. Mas não foi, para a frustração de Bonifácio, o arquiteto da liberdade brasileira.
Beijo roubado e tapa na cara – Há uma história pitoresca, não oficial, de que o príncipe, em sua passagem por Santos teria “roubado” um beijo de uma mulata de grande beleza, ao passar por uma “viela pouco freqüentada”. E que a moça, assustada com a ousadia daquele homem de aparência nobre, teria esbofeteado-lhe o rosto. Diz a história que o principe se divertiu com o ocorrido e não se importou com a “rejeição” porque estava com a mente voltada para outra mulher, que dias antes teria conhecido em São Paulo e se apaixonara perdidamente. Essa mulher seria Domitila de Castro Canto e Melo, futura Marquesa de Santos.