Cine Arte Posto 4 – Um espaço que reflete o gosto santista por cinema

Obra de adaptação do antigo posto da Telesp em um Cinema de Arte, 1990.

Santos, 1991. Muitas pessoas na cidade ressentiam-se de não possuírem um espaço dedicado à exibição de filmes do circuito não comercial. Algumas manifestavam tal anseio pela imprensa, como foi o caso do maestro Gilberto Mendes, que chegou a enviar uma carta à coluna do leitor do Jornal A Tribuna, criticando a inexistência de um cinema de arte em Santos, justamente a terra que construiu, em sua história, uma forte ligação com a sétima arte. Ato contínuo, o renomado crítico de cinema, o santista Rubens Ewald Filho, somou-se ao coro dos postulantes e sugeriu à então prefeita, Telma de Souza, em abril de 1991, que a municipalidade criasse um espaço público a fim de satisfazer essa parcela da população, ávida por consumir filmes de centros produtores não tradicionais, de países asiáticos, africanos, sul-americanos e europeus.

Sugestão mais do quem bem aceita, a administração pública passou a procurar, então, um local que pudesse comportar ao menos 120 pessoas, tal qual outros do gênero que existiam na capital paulista. Depois de muitos estudos, e visitas técnicas, finalmente a Prefeitura identificou o Posto de Salvamento nº 4 (na avenida Vicente de Carvalho), até então ocupado por uma agência da Telesp (Companhia Telefônica do Estado de São Paulo), como o ponto ideal para a instalação do primeiro Cinema de Arte santista, ainda que ele pudesse comportar apenas 48 cadeiras (menos da metade do que o desejado inicialmente).

A prefeita Telma de Souza inaugura o Cine Arte Posto 4, em 8 de novembro de 1991. Foto: Fams (Fundo Secom) Autor: Francisco Lopes Rubio

Rapidamente, a Prefeitura reservou Cr$ 5 milhões (Cinco milhões de Cruzeiros – O equivalente a R$ 200 mil nos dias de hoje) para que fossem promovidas as adaptações necessárias do espaço. O município contou, inclusive, com o importante apoio das duas maiores empresas cinematográficas da cidade: a Cinemas de Santos, do empresário Toninho Campos; e a Freixo Empresa Cine Teatral, do empresário Luiz Fernando Freixo. Ambas forneceram as poltronas e as orientações técnicas para a compra do projetor de 35 mm, além de sistema de som e luz.

Mas ainda faltava o programador. Rubens Ewald, que acabou homenageado tendo a sala de projeção batizada em seu nome, foi convidado a assumir o posto. Porém, por conta da quantidade de compromissos assumidos em sua vida profissional, ele apenas se colocou à disposição para atuar como colaborador.

Capa do Material de divulgação da estreia do Cine Posto 4, em 1991

De início a ideia era fazer com que o Cine Arte funcionasse apenas nos finais de semana. Porém, o sucesso rápido do espaço fez com que outros dias fossem contemplados. O Cine Posto 4 foi inaugurado solenemente no dia 8 de novembro de 1991, com a exibição do filme alemão “Asas do Desejo” (1988), dirigido pelo aclamado vencedor do Festival de Cannes, Win Wenders. A película ficou em cartaz até dia 21 de novembro, e era exibida em três sessões: 16, 18 e 21 horas. Os ingressos, vendidos Cr$ 900 (de segunda a quinta – R$ 45,00 nos dias atuais) e Cr$ 1,8 mil (sexta a domingo – R$ 90,00 atuais), podiam ser retirados no local (numa bilheteria montado do lado de fora do posto) ou no Teatro Municipal.

O evento de inauguração contou com a presença da prefeita Telma de Souza, do secretário de Cultura, Reinaldo Martins, da mãe do homenageado, dona Elza Ewald, e de algumas autoridades, empresários e profissionais da cultura. O Posto Cine-4 foi administrado inicialmente por Everaldo Ferraz (do Clube de Cinema), responsável pelo setor operacional e por Armando de Oliveira Marques, programador.

Em janeiro de 1992, mais de cinco mil pessoas já haviam frequentado o Cine Posto-4, evidenciando o sucesso da ideia e do lugar. Todas as sessões estavam repletas de cinéfilos apaixonados pela sétima arte. Além da programação com filmes pontuais, o espaço também exibia algumas mostras, como a do Moderno Cinema Internacional, que projetou os filmes “Estação Doçura” (Alemanha, 1985), “Eu sou o Senhor do Castelo” (França, 1989) e “Lua na Sarjeta” (França, 1983).

Polêmica do barzinho

Em 1993, a Prefeitura concluiu um projeto para a instalação de uma sorveteria e um barzinho na laje do posto 4, como forma de tornar o local de interesse turístico. Porém a ideia sofreu críticas, primeiramente por parte do Corpo de Bombeiros que, além de não ter sido consultado, reputava como inconveniente a proposta, alegando que ela “potencializaria o risco de atrair indivíduos alcoolizados e, consequentemente, confusões, o que obrigaria, de certa forma, uma intervenção por parte dos guarda-vidas ali alocados, tirando-os de sua função principal, que é cuidar dos banhistas”.

A Prefeitura, por sua vez, rebateu as críticas e apresentou uma maquete do projeto no saguão do Paço Municipal. Informou também que abriria o processo licitatório para o investimento e exploração do espaço. O custo da obra de adaptação estava estimado em cerca de Cr$ 425 milhões (cerca de R$ 170 mil nos dias de hoje).

Mas as críticas continuaram por parte dos munícipes, que alegaram haver outras prioridades de investimentos na orla, como, por exemplo, em banheiros públicos. O fato de o futuro barzinho atrapalhar as atividades dos salva-vidas também ganhou eco na população, e o projeto, assim, foi engavetado.

Clóvis Ferreira da Silva operando o projetor de 35 mm, em 1991. 

Personagem símbolo do Cine Posto 4

De todas as pessoas que já trabalharam no espaço, sem sombra de dúvida o personagem principal foi o operador cinematográfico Clóvis Ferreira da Silva. Ele iniciou sua trajetória logo após a inauguração do Cine Posto 4, e já tinha experiência na função, aprendida no antigo Cine Itajubá. Apesar de aposentado, o seu Clóvis, como todos o chamam, ainda se manteve como uma espécie de “faz tudo” do lugar que se tornara sua casa.

Reformas

Ao longo de sua história o Cine Posto 4 recebeu algumas reformas, como em 2002, quando o piso de carpete foi substituído por borracha pastilhada, assim como a forração das paredes. Mas a maior das intervenções ocorreu em 2010, quando foram sanados vários problemas de infiltração, renovada as instalações dos banheiros e trocadas todas as 48 poltronas, confeccionadas com forração em couro na cor laranja. Além disso, foi ampliado o sistema de som (aumentando de duas para oito caixas acústicas) e reformado o projetor de 35 mm, que ganhou novas lentes. Em 2015, nova reforma, contemplando a integração dos sanitários externos à sala de projeção, renovação das partes elétricas e hidráulicas, impermeabilização do piso da cobertura, entre outros. Também ocorreu nova troca de assentos e de equipamentos, com um novo projetor de 35 mm e outro digital, em blue-ray.

O Parthenon Santista

Chegando aos 30 anos de idade, o Cine Posto 4 se materializou como um templo do cinema de arte, como disse em 2013 a escritora e cronista Madô Martins, confessa frequentadora do espaço: “Ali resiste a Santos que nos orgulha, um discreto ponto de luz na escuridão de tanta mediocridade, tantas torres, tanto trânsito..” Em 30 anos de atividades, o Cine Posto 4 já exibiu cerca de dois mil filmes produzidos em cerca de 50 países diferentes.

Em 2005, na parte superior do Cine Posto 4, aconteceu uma intervenção artística com a reprodução de um desenho do século 16.

Curiosidades

No aniversário de 10 anos do espaço, em 2001, a Prefeitura organizou uma programação especial, a Mostra Cinema do Mundo, com a exibição de 15 filmes escolhidos pelo público.

Vários clássicos do cinema foram projetados na tela do Cine Posto 4, destacando-se o futurista “Metrópolis”, de Fritz Lang (1927); o anime japonês “Akira” (1988); o drama franco-italiano “Cinema Paradiso” (Vencedor do Oscar de Filme Estrangeiro de 1990); o icônico “Juventude Transviada” (1955), com James Dean; Ammacord, de Frederico Fellini (1973); o brasileiro “Pagador de Promessas” (Vencedor do Festival de Cannes em 1962); “Terra em transe”, de Glauber Rocha (1967), entre outros.

Em 2003 aventou-se a possibilidade de transferir o Cine Arte Posto 4 para as dependências do antigo Cine Itajubá, que já estava desativado há anos, por conta de suas dimensões maiores. Mas a ideia foi logo descartada, em razão da falta de verba para investir no novo espaço.

Em 2005, um grupo de artistas plásticos e poetas do Atelier Coringa de São Paulo estiveram no Cine Posto 4 para realizar uma intervenção visual na tela montada no segundo andar do cinema. O grupo instalou uma reprodução do famoso “Rinoceronte de Durer”, do Século XVI. O objetivo do grupo era reproduzir, em grandes proporções, obras de mestres da pintura para que as pessoas possam apreciar os detalhes de cada trabalho.

Em 2006, a Secretaria de Cultura de Santos anunciava a proposta de construir um prédio novo para o Cine Arte, fazendo uso do espaço onde está situada a Concha Acústica

Em 2015, após sete meses de reforma, o Cine Arte Posto 4 era reaberto. A cerimônia foi prestigiada pelo crítico Rubens Ewald Filho, que dá o nome à sala de projeções.  Foto Alberto Marques – A Tribuna
O secretário de Cultura Reinaldo Martins, a prefeita Telma de Souza e a mãe de Rubens Ewald Filho, dona Elza Ewald, descerram a placa inaugural. Foto: Fams (Fundo Secom) Autor: Francisco Lopes Rubio
Cena da inauguração do Cine Arte Posto 4, em 9 de novembro de 1991. Ao centro, a prefeita Telma de Souza. Foto: Fams (Fundo Secom) Autor: Francisco Lopes Rubio
Foto tirada antes da primeira exibição oficial do filme “Asas do Desejo”, com os convidados da cerimônia de inauguração. Foto: Fams (Fundo Secom) Autor: Francisco Lopes Rubio