2ª Convenção Nacional de Reis Momos reuniu 1.702 quilos de pura alegria em 1966

Depois de cumprirem a pauta de discussões na Convenção, realizada no Hotel Atlântico, os soberanos da folia de treze cidades brasileiras foram dar uma voltinha nas areias da praia do Gonzaga.Fonte: Revista O Cruzeiro

Santos, 11 de fevereiro de 1966. A praia do Gonzaga estava repleta de turistas em mais um dia de Verão quente e absolutamente agradável para todos os que procuraram a cidade em busca de descanso ou lazer. As garotas desfilavam de biquínis, os rapazes jogavam frescobol na beira d’água e a garotada se divertia fazendo castelos de areia. Cenas, portanto, completamente normais, como em qualquer outro Verão, não fosse o desfile inusitado que se iniciara na faixa defronte ao Hotel Atlântico, de onde saíram para dar uma voltinha treze homens avantajados que, somados, resultavam em 1.702 quilos de massa humana. Essa turma, que já tinha feito uma visita à cidade em 1963, voltava para participar do 2ª Convenção Nacional de Reis Momos, evento carnavalesco não informal que tinha como propósito unir a categoria de peso em torno de reivindicações típicas dessa tropa cheia de alegria.

A gorda convenção reunia nos dias 11, 12 e 13 de fevereiro, no Hotel Atlântico, as majestades carnavalescas de norte a sul do país, para o debate em torno de questões de “substancial importância”, como, por exemplo, o fato de haver dualidade de poderes momísticos na capital paulista. Outros temas em pauta tomaram conta da agenda dos participantes, à exceção daquela que era considerada a justíssima reivindicação dos participantes nos debates na convenção: comer.

O Rei Momo de Belém do Pará, Mário Alberto Valério Coelho, era o mais pesado da turma, com 211 quilos. Na foto, ao lado da Rainha do Carnaval de Santos 1966, Arlete Marília Castro. Fonte: Revista O Cruzeiro

 

Reis Momos foram unânimes nas suas resoluções e comemoraram juntos a paz

Afinal de contas: Rei momo é uma figura burlesca ou um artista sério? Este era o questionamento central dos santistas e visitantes que testemunharam o desfile dos inusitados personagens pelas areias quentes do Gonzaga. Claramente eles se autodenominavam pessoas de bem com a vida, apesar de flertarem com problemas de saúde em função do peso. Por isso, encaravam suas tarefas como coisa séria. No primeiro dia de trabalhos, os treze monarcas carnavalescos decidiram declarar Salvador Mitielo, de São Paulo, o único e soberano Rei Momo Paulistano, “até que morresse ou abdicasse”. Isso tudo por conta de uma polêmica na capital bandeirante, provocada pela Comissão de Carnaval daquela metrópole, que coroou outra pessoa naquele ano, sem consultar os verdadeiros promotores da folia. A segunda resolução do dia foi marcar a 3ª convenção de Momo para o Estado da Guanabara (atual cidade do Rio de Janeiro). Depois dessas duas duras decisões, os participantes do congresso foram fazer o que mais lhes aprazia: comer. Logo depois foram dar uma caminhada na praia, para fazer a digestão.

Além desses, estiveram em Santos os reis Momos do Estado da Guanabara, Abraão Haddah, José Taranto, de Niterói; Haroido Rego, de São Luís do Maranhão; Belmonte, de Minas Gerais; Ferreirinha, da Bahia; Hilton da Silva, de Florianópolis; Paulo Maux, de Natal; Chico Tomás Neto, de João Pessoa; Mário Carvalho, de Brasília. Todos foram recepcionados pelo anfitrião, o eterno rei Momo santista, Waldemar Esteves da Cunha.

O Rei mais gordo e o mais velho

O Rei Momo de Belém do Pará, Mário Alberto Valério Coelho, de 34 anos, era considerado o mais pesado da turma, com 211 quilos. Ele era tão grande que mal passava pela porta do hotel. Em seu cardápio diário constava quase sempre tartaruga ou pato, geralmente acompanhado com tucupi (suco extraído da mandioca brava). A cama onde o rei momo paraense dormiu teve de ser reforçada, para não se quebrar inteira. Aliás, quase todas as camas tiveram de passar pelo mesmo processo de reforço, como o leito de Vicente Rao, de 57 anos, Rei Momo de Porto Alegre, RS, considerado o mais veterano da trupe.

Agenda real

A 2ª Convenção Nacional dos Reis Momos abriu o Carnaval de Santos, que era tido como o segundo mais importante do Brasil na época. Tudo começou na sexta-feira, quando o grupo foi reunido, vindo de todos os cantos do país, no Aeroporto de Congonhas (eles viajaram apoiados pela empresa Varig). De lá, desceram a Serra num ônibus Breda fretado e se hospedaram no Atlântico Hotel. À tarde eles discutiram algumas pautas e foram passear na praia, sempre cercados de vários jornalistas de veículos impressos, de rádios e Tvs. À noite, os convidados foram para a boate “El Morocco”, na famosa Boca de Santos, onde assistiram um desfile e concurso de fantasia, além de um show especialmente dedicado aos momos.

No segundo dia de atividades na região, os reis Momos foram para um passeio na Ilha de Santo Amaro, onde almoçariam no distinto “Tortuga Clube. Na parte da tarde, já de volta à cidade de Santos, eles foram acompanhar os desfiles do Bloco Carnavalesco “Agora Vai” nas imediações da Praça Mauá. Na sequência foram ao Clube Sírio Libanês, cuja milionária e artística decoração (Samba Fantástico – de Fritz Husemann) foi inaugurada em homenagem aos reais visitantes com coquetel oferecido pela diretoria da progressista agremiação do Gonzaga.

Os participantes da Convenção são recepcionados pela Corte Carnavalesca de Santos (Rei Waldemar Esteves da Cunha e Rainha Arlete Marília Castro). Fonte: Revista O Cruzeiro

No domingo, e último dia do evento momístico, aconteceu uma grande confraternização na barraca de praia do Grêmio A Tribuna, onde suas majestades compareceram de shorts, manto e coroa, para uma caipirada de classe, acompanhada de acepipes locais, como siris, caranguejos, ostras, mariscos e outros frutos do mar. De lá, eles foram para a Ponta da Praia, onde tomaram uma lancha especial para visitar o Círculo Militar de Santos na Fortaleza da Barra Grande, onde saborearam uma peixada com frutos do mar, oferta da Companhia Antarctica Paulista.

No final do dia, os momos ainda tiveram tempo de participar de um evento na Ilha Porchat, em São Vicente, sendo recepcionados no terraço de uma casa badaladíssima e à noite ainda cumpriram a agenda prestigiando a tradicional patuscada (Desfile de Blocos) “Dona Doroteia, Vamos Furar Aquela Onda? “, criado em 1923. Naquele ano de 1966, os participantes já não se atiravam mais ao mar, como era feito no início da tradição, mas os organizadores pensavam em resgatar a ideia.

Terminado o desfile no Boqueirão, os Momos se dirigiram para o famoso ginásio do Clube Atlético Santista, no canal 3, em torno da mais elegante piscina da América do Sul, onde participaram do ato de coroação da Rainha do Carnaval Santista de 1966, Arlete Marília Castro, pelas mãos do então prefeito Silvio Fernandes Lopes e sua esposa Arlete Telles Lopes. O ato foi solenizado sobre a deslumbrante cascata artificial da piscina verde e branco, tendo por fundo a concha acústica a reverberar a música maviosa dos Chorões Santistas.

Passeio de lancha para a Fortaleza da Barra, onde eles visitariam as instalações do Círculo Militar de Santos. Fonte: Revista O Cruzeiro 

Logo a seguir, teve acontecimento no grill de Verão, o homérico grito de Carnaval atleticano, com a Banda Carnavalesca e Escola de Samba de Luiz Cesar, da TV Record, Canal 7, e participação especial dos frevistas do Bloco Carnavalesco das Esmeraldas.

Encerrando a 2ª Convenção Nacional de Reis Momos, teve lugar no Salão Verde do Atlético Santista, a ceia de despedida, oferta do Buffet Atleticano. Foi um evento que marcou a história do Carnaval santista.