Vila de Santos, 24 de dezembro de 1591. Eram quase dez horas da noite, quando os colonos, reunidos em comunhão, faziam suas orações em celebração ao nascimento de Jesus Cristo na pequena igreja da Misericórdia, situada nas imediações do Outeiro de Santa Catarina. Ali, ninguém, absolutamente ninguém, poderia supor que aquela noite de Natal acabaria sendo lembrada como uma das mais terríveis da história santense, marcada pelo ataque covarde e sórdido de um bando de piratas comandados pelo corsário inglês Tomas Cavendish. A invasão ocorrera, enfim, como o planejado pelos flibusteiros, que apostaram na desatenção dos soldados da fortaleza da Barra Grande para avançar sorrateiramente sobre o povoado, justamente por acreditarem que os vigias estivessem mais ocupados comemorando o Natal do que tomando conta das águas tranquilas do Canal do Estuário. O fato é que três naus que compunham a frota do temido corsário inglês passaram totalmente ilesas diante da Barra Grande e lançaram âncoras no lagamar frontal à vila santista, postando-se ameaçadoramente diante da indefesa povoação.
A invasão havia sido planejada dias antes. Cavendish reunira os capitães e mestres das embarcações que formavam sua esquadra para definir a estratégia de ataque à Vila de Santos, que abrigava o que era considerado então um dos portos mais importantes da Colônia. O corsário convocou suas três melhores naves: a Roebuck, liderada pelo capitão Cocke; a Desire, pelo capitão John Davies; e a Black Pinese, pelo capitão Stafford. A ideia inicial era alcançar o lagamar de Enguaguaçú através do canal da Barra. Thomas avisou que não participaria do primeiro ataque, que seu navio ficaria na retaguarda, de sentinela, ancorado nas proximidades de São Sebastião com os outros dois navios de sua frota: o Leicester, do capitão Southwell; e o Daintie, do capitão Barker.
Para comandar a investida a Santos, Cavendish chamou à responsabilidade o seu braço direito, capitão Cocke, a quem confiou o sucesso da missão. Assim, a Roebuck saiu na frente e foi a primeira a adentrar a Baia de Santos, nas primeiras horas da noite. O vento soprava firme, o que ajudou a pequena frota ultrapassar os temíveis canhões da Fortaleza da Barra, sem chamar muita atenção. Depois de vencida esta etapa, na altura dos Outeirinhos, os piratas já podiam ouvir, ainda que ao longe, o som fraco de um sino de igreja, que vinha justamente da torre da Misericórdia, erguida ao lado do Colégio dos Jesuítas, que servia de Matriz. No local estavam reunidos cerca de trezentos homens, entre colonos europeus e índios catequisados, isso sem contar as mulheres e crianças. Todos celebravam o Natal.
Utilizando o fator surpresa, os primeiros piratas desceram à terra e atearam fogo em alguns casebres situados no Valongo, causando pânico nos que não tinha ido à igreja. Ao mesmo tempo, outra leva de invasores avançou na direção da Igreja Matriz, tomando parte das pessoas que ali estavam, no susto. Os invasores não encontraram praticamente nenhuma resistência e logo capturaram os principais homens da vila, incluindo Braz Cubas, José Adorno, Jerônimo Leitão, entre outros, ficando encarcerados como reféns.
Depois de controlar totalmente a vila, os homens de Cavendish passaram a depredar e saquear casas, igrejas, capelas (inclusive jogaram nas águas do estuário a imagem da Santa Catarina de Alexandria, que ficava no altar da capela do mesmo nome – e que fora encontrada pouco mais de 70 anos depois) e os estabelecimentos das autoridades portuárias. Também abusaram das mulheres da vila que foram feitas prisioneiras. Dezenas de moradores conseguiram escapar, utilizando como rota de fuga uma trilha no morro São Jerônimo (Monte Serrat). Provavelmente muito deles de esconderam nas cavernas descobertas pelo mestre Bartolomeu, o ferreiro. Quem tentou enfrentar os piratas na base da força, foi passado a fio (morreu ao golpe de espada).
No dia seguinte, 26 de dezembro, depois de ter sido avisado sobre o sucesso da empreitada, Thomas Cavendish desembarcou em Santos, vindo pelo canal de Bertioga. O Forte São João nada pôde fazer diante de tão intenso poderio bélico. Ao ancorar diante da vila tomada, mandou desembarcar cerca de duzentos homens, para reforçar o efetivo em terra. Mandou, em seguida, saquear e queimar todos os navios que se encontravam no porto. Embriagado pela vitória, ainda ordenou parte de seu exército atacar, por terra, a vila de São Vicente, além de todos os engenhos que encontravam pela frente, pilhando e incendiando, igualmente o vizinho povoado, deixando atrás de si um rastro de ódio e pavor.
Segundo o historiador Francisco Martins dos Santos, que pesquisou amplamente o assunto, os piratas de Cavendish se mantiveram na Vila de Santos ainda por dois meses. A história não guardou, contudo, em suas falhas e lacunas, os detalhes sociais daqueles momentos difíceis, tampouco sobre os atos de heroísmos protagonizados por homens, que, refugiados a princípio, acabaram surgindo mais tarde, acompanhados de agregados indígenas e gente do lado vicentino, promovendo emboscadas contra os piratas, chegando a matar alguns dos invasores.
Cavendish, enfim, abandonou uma vila destruída, mas ainda assim retornaria um ano depois para tentar repetir a brincadeira. Porém, desta segunda vez se deu mal. Calejados com o que ocorrera em dezembro de 1591, os santistas reuniram um exército formado por colonos e índios e acabaram massacrando 25 ingleses que chegaram a desembarcar em terra para intimidar os locais. Cavendish, àquela altura desmoralizado por somar algumas derrotas no Estreito de Magalhães, acabou indo embora do litoral santista, para nunca mais voltar.
O corsário inglês morreria quando tentava voltar à Inglaterra, depois de tentativas de saques frustradas em Vitória do Espírito Santo e na Ilha Grande (RJ).