A Primeira Visita de D. Pedro II a Santos – Capítulo 2 – Primeiro aniversário do príncipe herdeiro do Império brasileiro aconteceu em Santos

Pedro II e Tereza Cristina participaram de vários atos em referência à data, que paralisou a cidade de Santos. Tiros de canhões, show pirotécnico e um chafariz que verteu vinho ao invés de água, marcaram um dia inesquecível da história santista.

Santos, 23 de fevereiro de 1846. O Brasil amanhecera radiante, em júbilo pela ocasião do primeiro aniversário do príncipe herdeiro do Império, Afonso Pedro de Bragança, filho único de D. Pedro II e sua esposa, Tereza Cristina. Suas Majestades empreendiam então sua primeira viagem para fora da Corte (Rio de Janeiro), visitando as províncias do Sul (Santa Catarina, São Pedro do Rio Grande do Sul e São Paulo). A jornada havia começado em 6 de outubro do ano anterior e, por vontade do Imperador, se alongava muito além do planejado. Em consequência disso, o evento planejado para o primeiro aniversário de Don Afonso, que ficara na capital do Império sob o cuidado de amas, não aconteceria mais no Rio de Janeiro, como Tereza Cristina sonhara. Os gaúchos bem que tentaram segurar D. Pedro em Porto Alegre para a ocasião, mas sem sucesso. Os catarinenses também suplicaram à Sua Majestade o privilégio de abrigar tamanho acontecimento. Entretanto, o Imperador decidiu partir para São Paulo. Ele calculou que seria interessante promover a celebração na capital bandeirante. Essa, enfim, era a ideia quando chegou a Santos no dia 18 de fevereiro. A partir da terra de José Bonifácio, a comitiva ainda dispunha de cinco dias para alcançar o Planalto de Piratininga e promover a comemoração na Sé paulistana.

No entanto, a natureza decidira atrapalhar os planos imperiais. Copiosas chuvas caíam insistentemente na região havia dias, sem dar trégua. O volume de água fez com que a estrada para São Paulo se tornasse absolutamente intransitável para cavaleiros, e dificultavam ainda mais o trânsito em seges (carruagem de duas rodas, com um único assento, puxada por dois cavalos). Dessa maneira, a numerosa comitiva que acompanhava Suas Majestades naquela jornada muito teria a sofrer por conta da infinidade de atoleiros. Não havia como evitar. O aniversário do herdeiro do Império aconteceria na cidade portuária de Santos.

A Fragata Constituição (na imagem, em 1843, quando trouxe a princesa Tereza Cristina, das Duas Sicílias, para casar-se com D. Pedro II) esteve no lagamar de Santos dando a salva de tiros em homenagem ao primeiro aniversário do príncipe herdeiro do Império, D. Afonso. 

Um grande acontecimento

As embarcações Constituição e a Euterpe, as duas mais importantes e imponentes da fragata imperial, foram pela calada da noite esconder-se detrás das muralhas do forte da cidade (Nossa Senhora do Monte Serrat) para salvar à aurora do dia, com tiros de canhão, a data natalícia do herdeiro da coroa brasileira. Dado o recado, fundearam junto à fortaleza para dispor a tomar parte na festa do dia.

Às 10 horas foi formada uma grande parada com componentes da guarda nacional, e à Igreja Matriz afluíram homens e senhoras em número considerável, levando consigo as meninas que, como representantes das cidades e vilas da província, estavam preparadas para a recepção de Suas Majestades. Além disso, havia representantes da câmara municipal, autoridades civis e militares, chefes de repartições e seus respectivos empregados, os criados de honra residentes nesta província, e muitos outros cidadãos. Todos dirigiram-se ao palácio do comandante da praça, onde estavam hospedados Suas Majestades, e os acompanharam até o templo, a cuja porta os vieram receber as meninas e cerca de setenta senhoras, pela maior parte solteiras.

A festividade foi iniciada pelo discurso de um religioso de São Bento, e terminou pelo Te-Deum. De volta a palácio, foram Suas Majestades acompanhados pelas meninas e senhoras que os receberam à porta da igreja, e por todos os homens bem-vestidos que se ali achavam. As senhoras e meninas teriam a precedência na honra de beijarem as mãos do Imperador e da Imperatriz. Seguiram-se depois dos membros das deputações da assembleia provincial, do corpo consular, da câmara municipal santista, o bispo diocesano e demais cidadãos.

Um acidente perigoso

Durante o ato salvaram em tiros de canhão a Constituição, a Euterpe e o forte de Nossa Senhora do Monte Serrat. Um incidente ocorreu neste ato. Uma partindo de uma das peças de proa da fragata “Constituição”, passou por sobre o forte e bem rente ao telhado atravessou três paredes de uma casa onde estava o mordomo interino do Imperador, situada nos fundos do palácio do comandante da praça, e caiu sobre a cama de um dos cozinheiros. A notícia do acontecimento espalhou-se com rapidez elétrica, e, em falta de alguma catástrofe a lastimar, começaram as conjecturas. Verdade seja que, se na popa estivera a peça que trazia em seu ventre aquele biscouto, iria ele direitinho como uma bala romper os salões de palácio, atopetados de gente, e sabe Deus o que seria.

Enquanto tinha lugar o beija-mão, lia o presidente da câmara em voz alta na primeira sala os Despachos de Graças. Mas aos atentos ouvidos dos circunstantes não soaram nomes seus nem de seus conhecidos, com a única exceção da senhora do presidente. As poucas graças conferidas couberam a quem estava mais longe. E isso causou uma ciumeira geral.

O povo santista se fartou de vinho durante a inauguração do Chafariz da Coroação. Desenho de José Wasth Rodrigues.

O toque de Midas, ou Baco?

Pouco depois de 8 horas da noite saiu a Corte com grande acompanhamento em direção à praça da Misericórdia (atual Praça Mauá), onde foi erguido o novo chafariz da cidade e armado um fogo de vistas. Chegando ali, subiram Suas Majestades os degraus do referido chafariz. Ao final, o Imperador girou a torneira. No entanto, ao invés de emanar a pura água limpa que a vida nos sustenta, correu em jorro um líquido cor de purpura que evidenciava ser vinho, e do bom, pelo odor que emanava. Regalados olhos viam com sofrimento estar caindo no tanque o que sequiosos estômagos apeteciam! E por mui pouco tempo que se ali demoraram Suas Majestades, pareceu um século para os que ardiam por provar da água do novo chafariz. Um dos homens bradou aos outros: “Profanos, que não sabem que nem todas as mãos têm as virtudes atribuídas às de Midas! Se a torneira aberta pelo Imperador jorra vinho, as que abrirmos vós, meu povo, deitar-se-ão água, e ainda dai graças a Deus se ela for fresca e pura”.

Por caminho tapeçado de baeta verde seguiram dali para a casa do negociante Antônio Ferreira da Silva (o homem que instalara o barril de vinho no sistema de torneiras do chafariz), à frente da qual estava o palanque, donde deveriam Suas Majestades gozar da vista do fogo (show pirotécnico), e na primeira sala uma mesa de doces, frutas, vinhos etc. Começaram os foguetes precursores das rodas e em seguida as outras peças. Fazendo justiça ao talento do fogueteiro, o Imperador declarou que em Santos o espetáculo valeu a pena de ser visto, e esteve melhor do que quantos se queimam pelo Rio de Janeiro nas festas do Espírito Santo, S. Cristóvão etc. A única crítica ao trabalho do fogueteiro foi por ter armado parte do fogo tão baixa que a primeira fila de espectadores acabou tirando a vista dos subsequentes, além de estar um pouco enfumaçado.

Terminada a “queima de fogos” em celebração ao herdeiro da Coroa do Império, com a presença de Suas Majestades, retiraram-se todos às suas casas… todos, não digo bem, até porque o chafariz ficou cercado por mais de duas horas, e quantas lagrimas se derramaram à vista daquelas lajes cobertas de sumo de uva! Sic transit gloria mundi!

O HERDEIRO DO IMPÉRIO – MORTE PREMATURA

D. Afonso Pedro de Bragança seria o sucessor de D. Pedro II não fosse sua trágica morte ocorrida em 11 de junho de 1847, aos dois anos e três meses de idade. O pequeno herdeiro estava brincando na biblioteca do palácio, quando subitamente começou a sofrer uma série de convulsões e faleceu prematuramente. Mais tarde, soube-se que Afonso sofria de epilepsia, assim como seu pai e seu avô (D. Pedro I)