Apesar de restaurado e estar com maquinário funcionando, o velho equipamento de origem inglesa, que chegou a ser conhecido como o “Big Ben” santista, está há mais de cinco anos completamente esquecido numa sala do prédio anexo ao Teatro Coliseu.
Ele não está quebrado, muito pelo contrário. O velho maquinário do famoso relógio da Western Telegraph ainda pulsa firme e, se fosse um ser vivo, certamente estaria implorando para “voltar ao jogo”, retornar à cena urbana e recuperar a posição que jamais deveria ter deixado: o de ser a referência de pontualidade aos santistas.
No entanto, e infelizmente, esta não é a realidade deste patrimônio santense, que repousa esquecido há muitos anos numa oficina improvisada montada dentro do prédio anexo ao Teatro Coliseu, e só não sucumbiu graças ao altruísmo da empresária Terezinha Calçada Bastos (falecida em 2018) e à dedicação do relojoeiro Antônio Rodrigues de Lima, o Toninho, contratado em 2007 pelo Rotary Clube de Santos para resgatar e cuidar o equipamento até que ele fosse instalado no alto de uma torre, de no mínimo 25 metros de altura. Mas, vamos lá. Esta é uma história longa e complexa, que o Memória Santista traz após um estudo minucioso do Inquérito Civil 173/07-MP-PJCS-MA, aberto em 2007 pelo Ministério Publico. Uma história em que o tempo é parte essencial do roteiro.
A origem do drama
A trajetória do drama vivido pelo relógio da Western teve início em 25 de abril de 1973, data que marcou o fim das atividades da empresa telegráfica inglesa no Brasil e, consequentemente, na cidade santista. O equipamento foi desligado pontualmente às 12 horas, deixando a cidade órfã de pontualidade. Algumas semanas mais tarde, a Cia Docas de Santos promoveu a demolição do velho prédio para alargar a faixa portuária do Centro.
Nada sobrou da edificação que abrigava a companhia inglesa, a não ser o maquinário, o pêndulo e os mostradores do relógio inglês. No entanto, o equipamento que por tantos anos foi referência das horas na cidade (ele estava cronometrado pelo tempo da British Broadcasting Company – BBC), acabou relegado a um canto qualquer numa das oficinas da empresa portuária, e foi esquecido pela primeira vez.
Em 1992, a empresa, já estatizada (a Cia Docas foi substituída pela Codesp – Companhia Docas do Estado de São Paulo em 1980), ensaiou um movimento para resgatar o velho relógio e até chegou a desenvolver, em 20 de março, um belo projeto arquitetônico de uma torre de aspecto medieval para abrigá-lo. A ideia era construir uma estrutura com 27 metros de altura, simples, feita de concreto e sem nada excepcional, a um custo estimado de Cr$ 25 milhões (R$ 150 mil nos dias de hoje). Entretanto, as coisas não avançaram e o relógio se manteve abandonado em um dos armazéns da estatal portuária.
Doze anos depois, o relógio da Western voltava às manchetes dos jornais. Em reportagem publicada na edição do dia 29 de março de 2004 de A Tribuna, o então vereador Augusto Zago trazia à tona a história do equipamento inglês abandonado no armazém das Docas, e solicitava à Prefeitura um empenho no sentido de sensibilizar a estatal a retomar o projeto de 1992, que visava justamente a devolução daquele patrimônio histórico à cena urbana da cidade. A reportagem bateu firme, revelando as condições precárias das peças, jogadas ao relento.
Outras matérias foram motivadas pelo alerta do vereador, dando início a um movimento de pressão, até que chegou à porta do Ministério Público do Estado de São Paulo. O caso foi parar na 13ª Promotoria de Justiça de Santos que, diante dos fatos, decidiu abrir um procedimento de apuração.
Em 10 de maio, o 16º promotor de Justiça, Daury de Paula Junior, encaminhou ofício ao então presidente do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico de Santos (Condepasa), Bechara Abdalla Pestana Neves, solicitando informações sobre o caso para que pudesse instruir melhor o processo. O mesmo procedimento tomou em relação ao presidente da Companhia Docas de Santos (Codesp), José Carlos Mello Rego, exigindo dos mesmos esclarecimentos acerca do que fora publicado nas reportagens de A Tribuna. Da parte do órgão de proteção, a resposta foi que o Condepasa encaminhara ofício à estatal indagando-a sobre a existência de possível programação no sentido do aproveitamento do relógio em edificação da empresa, lembrando ainda que o bem poderia ser alvo de restauro fazendo uso da Lei de Incentivo Federal (Lei Rouanet).
A promotoria, então, convocou uma reunião entre os interessados no caso: Codesp e Condepasa, ocorrida em 3 de dezembro. O Ministério Público tornou a cobrar um posicionamento da Codesp no sentido do aproveitamento do relógio em alguma das dependências da empresa. Porém, os representantes da estatal, Francisco Vilardo Neto, assessor do presidente, e o advogado da empresa, Mário Altapini Berton, levaram a conhecimento público de que não havia essa previsão.
O representante do Condepasa, diante da ausência de solução a curto prazo, decidiu sugerir que o restauro do relógio fosse assumido por uma entidade municipal, como a Fundação Arquivo e Memória de Santos ou o Museu do Bonde (projeto da Secretaria Municipal de Turismo), ou até mesmo por alguma entidade privada, como as universidades Unisantos, Unisanta, Unip ou Unimonte. A promotora, então, indagou à Codesp se havia a possibilidade de a empresa promover a doação do bem, caso alguma entidade assumisse o compromisso do restauro e posterior instalação. Os representantes da estatal disseram que, antes, era necessário consultar o Conselho de Administração da Codesp, mas que acreditavam ser aquela uma possibilidade exequível.
Nova reunião foi marcada para 4 de outubro de 2005, desta vez contando com a presença de outros agentes do setor cultural e educativo, como a professora Wilma Therezinha Fernandes de Andrade, representante da Universidade Católica de Santos (Unisantos); Danilo Nunes, representando a Unimonte; Maria Inah Rangel Monteiro, representando a Secretaria de Cultura de Santos; Miriam Guedes de Azevedo, representando a Secretaria de Turismo de Santos; Celso Roberto Bertoli Júnior, representando a Fundação Arquivo e Memória de Santos; além do presidente do Condepasa, Bechara Neves; e dos representantes da Codesp, o assessor da presidência, Francisco Vilardo Neto, e o advogado Eduardo de Almeida Ferreira.
A Codesp informou aos presentes que estava disposta a doar o relógio para qualquer uma das entidades, desde que a mesma assumisse a responsabilidade pelo restauro e instalação dele, diante de projeto aprovado pelo Ministério Público. A estatal trouxe ainda a informação de que o Rotary Clube de Santos havia manifestado interesse de intermediar a questão, bancando o restauro do equipamento junto ao Senai de São Paulo, depois de consultado pela entidade. A proposta foi bem recebida por todos e o assunto, então, passou a ser sobre qual local poderia abrigar a torre do relógio. Todos chegaram ao consenso de que o sítio deveria ser no Centro Histórico, perto de onde estava o velho prédio da Western, demolido nos anos 1970. “O relógio representa um importante marco histórico na concepção do tempo para a população santista, uma vez que ele foi construído quando a marcação das horas começou a regular a vida da cidade. E nem todas as pessoas tinham condições de possuir um relógio particular“, disse a historiadora Wilma Therezinha, uma referência no setor de memória. Várias ideias foram colocadas à mesa no sentido de buscar a viabilização para a instalação do relógio no Centro Histórico, incluindo uma possível participação da Associação de Engenheiros e Arquitetos de Santos, que poderia providenciar o projeto promovendo um concurso entre seus associados.
Rotary assume compromisso total
No dia 1º de agosto de 2006, uma nova reunião juntou à mesa o presidente do Condepasa, Bechara Neves; o arquiteto do órgão de preservação, Edson Luís da Costa Sampaio; a representante da Secretaria de Cultura de Santos, Maria Inah Rangel Monteiro; os representantes da Codesp, Francisco Vilardo Neto, assessor; e Marco Antônio Gonçalves, advogado da empresa; e os representantes do Rotary Clube de Santos, Pablo Anjel Sanchez Castro, presidente; Marcelo Vallejo Marsaioli, presidente eleito do Rotary (biênio 2007/2008) e a empresária Terezinha Calçada Bastos, conselheira da entidade. Ficou estabelecido no encontro que o Rotary Clube de Santos, Distrito 4420, assumiria a responsabilidade financeira pela restauração do relógio, pela construção da torre para abrigá-lo, bem como as despesas de montagem e manutenção do equipamento. À Codesp ficou o encargo de apontar o lugar, em conjunto com a Prefeitura, que poderia ser em área federal ou do município (como, por exemplo, dentro da área do Museu do Porto, na Rua Rodrigues Alves, ou na área dos armazéns 1 ao 8, cuja utilização estaria sendo repassada ao município).
Início do restauro e abertura de processo de Inquérito
Em 17 de março de 2007, finalmente o relógio da Western era levado às oficinas do Senai, em São Paulo, onde passou por um amplo processo de recuperação. O responsável pelo trabalho foi o relojoeiro Antônio Rodrigues de Lima, técnico altamente especializado na restauração destes tipos de equipamentos antigos. A previsão do trabalho era de cinco meses, podendo haver diminuição ou prolongamento do prazo, dependendo da situação. Em 12 de abril, a conselheira do Rotary, Terezinha Calçada, enviava ofício ao Ministério Público informando que pretendia entrar em contato com as autoridades competentes para que fosse escolhido rapidamente o local onde seria erguida a torre para o relógio.
Para melhor controlar o caso, a promotoria, então, resolve transformar seu procedimento de investigação em Inquérito Civil, encartando no mesmo todos os procedimentos realizados até então.
O impasse pelo lugar
Em 17 de maio de 2007, o então secretário de Cultura de Santos, Carlos Pinto, informou o Ministério Público que a Prefeitura não poderia indicar o lugar para a torre até que fossem resolvidas as questões relativas à transferência dos armazéns 1 a 8 pela Codesp, ao município. No ofício ainda indicou que a municipalidade tinha planos ousados para o lugar, com a viabilização do projeto “Marina Porto de Santos”, que previa a total recuperação dos velhos armazéns, do Valongo ao Paquetá.
Os meses foram passando e nenhuma solução parecia ter lugar. No dia 12 de fevereiro de 2008, a promotora Ana Paula da Cruz, resolveu, então, chamar nova reunião, que contou com a presença da nova presidente do Condepasa, Eliane Elias Mateus; além dos representantes da Codesp (Francisco Vilardo e Celio Juliano da Silva Coimbra) e do Rotary (Terezinha Calçada Bastos e Ricardo Miranda de Carvalho). A ideia era buscar uma solução para o impasse que se formou em relação ao destino do relógio, então praticamente restaurado.
A Prefeitura voltava a alegar que a área proposta, no Valongo, ainda pertencia à União e que não tinha como aprovar nenhum projeto, uma vez que estava fora de sua área de jurisdição. A representante do Rotary, Terezinha Calçada, lembrou que o clube havia dispendido muito dinheiro no restauro e que uma possível demora na solução colocaria em risco todo o investimento feito, pois o maquinário poderia voltar a se degradar, caso se mantivesse sem uso. O 16º promotor de Justiça, Daury de Paula, que também participou da reunião, informou que as tratativas sobre a obra da perimetral e a cessão dos armazéns 1 ao 8, estavam avançadas e que, de acordo com o conhecimento que tinha sobre a área localizada na faixa de cais entre a estação das barcas, haveria um espaço livre, visando justamente garantir visibilidade para o projeto de revitalização dos armazéns 1 a 4 e da “Marina Porto de Santos”, o que traria condições amplas para a colocação da torre, que ficaria muito próxima do seu sítio original.
O Condepasa, no entanto, apresentou a informação de que o arquiteto da Prefeitura, Ney Caldatto, estaria prospectando outra área na entrada da cidade de Santos, por ser local de total controle do município.
Relógio vai para o anexo do Poupatempo
Em junho de 2009, o Rotary Clube informou que o relógio teve de deixar as dependências do Senai, em São Paulo, por conta da reforma que a entidade da indústria teve de promover no espaço. Assim, a empresária Terezinha Calçada Bastos solicitou apoio à Prefeitura de Santos, no sentido de disponibilizar um local para que o trabalho de recuperação do equipamento inglês pudesse ser concluído. O então secretário de Governo, Marcio Antônio Rodrigues de Lara, apresentou como solução o galpão anexo do Teatro Coliseu (cuja entrada é na Rua João Pessoa, 244). Assim, para lá foram todas as peças do relógio, que ficaram sob a custódia e responsabilidade do restaurador Antônio Rodrigues de Lima, o popular “Toninho Relojoeiro”. A Secretaria de Cultura aproveitou o conhecimento do técnico por algum tempo, criando naquele mesmo local uma “Escola de Restauro”, onde Lima capacitava jovens em situação de vulnerabilidade na arte do restauro de maquinários, alvenarias, madeira, vidro, etc.
Terezinha Calçada informou ainda que a máquina já estava recuperada, mas que boa parte dos mostradores tiveram de ser reconstruídas, pelo desgaste do tempo. “tivemos que procurar indústrias que oferecessem condições de restaurar as peças, o mais próximo do original”, escreveu no seu ofício.
Termo de Ajuste de Conduta coloca relógio na Bacia do Mercado
Em 3 de novembro de 2009, o Ministério Público firmou um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) envolvendo a Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp) e a Prefeitura, na condição de interveniente anuente, em razão da interferência de bens de sua propriedade, por conta das obras da Perimetral da Margem Direita do Porto de Santos. Entre as diversas obrigações assumidas pela estatal federal, estava a de garantir numa área remanescente situada no entorno da Bacia do Mercado, junto à Praça Nagazaki, tido como um espaço apropriado para a instalação do relógio da Western Telegraph.
Quatorze dias depois de firmado o TAC, o Ministério Público convocou a Prefeitura, representada então pelo chefe do Setor de Planejamento, Ney Caldatto e pelo chefe de Serviços Público, Carlos Alberto Tavares Russo, e cobrou uma posição sobre a construção da torre para o relógio na área da Bacia do Mercado. A promotoria alegava que a municipalidade manifestava, desde o início do inquérito, a predisposição para construi-la e devolver o bem cultural à sociedade. No entanto, os representantes da Prefeitura disseram que não haviam sido orientados nesta direção e que, por conta disso, não poderiam se posicionar oficialmente sobre a questão. A promotoria, então, determinou a expedição de ofício ao prefeito João Paulo Tavares Papa, dando um prazo de quatro meses para se manifestar a respeito, apresentando soluções para o caso.
Projeto de torre metálica
Em maio de 2010, a Prefeitura apresentou ao Ministério Público um projeto para a construção de uma torre metálica, feita com aço galvanizado e seis toneladas de peso, para ser instalada na Bacia do Mercado. O projeto foi desenvolvido pelos técnicos do Departamento de Planejamento do município. A estrutura teria um para-raios em destaque no alto e o maquinário do relógio ficaria acondicionado em uma caixa revestida em aço perfil 1 galvanizado por imersão a quente e pintado na cor grafite. O acesso ao relógio se daria por uma escada metálica tipo marinheiro. Era, enfim, um projeto simples e barato, ao custo estimado em cerca de R$ 190 mil (R$ 380 mil nos dias de hoje). Porém, mais uma vez, a ideia ficou só no papel.
Conflito Codesp x Prefeitura
Na passagem de 2010 para 2011, o Ministério Público continuava a cobrar os envolvidos visando a solução do caso. A Codesp alegou que já tinha cumprido com todos os acordos tratados em reuniões e no Termo de Ajuste de Conduta. Em ofício expedido pelo então presidente da estatal, José Roberto Correia Serra, em abril de 2011, ele reiterou que fora o Rotary que assumiu o compromisso não só pelo restauro do relógio, mas também pela construção da torre para abrigá-lo, bem como a garantia da montagem e manutenção do mesmo. À Codesp, de acordo com o documento, caberia apenas a indicação do local, o que seria feito em conjunto com a Prefeitura. Pouco tempo depois, ambos bateram o martelo em relação à Praça Nagasaki, na Bacia do Mercado, como o sítio determinado, e que foi inserido inclusive no TAC.
A Codesp manifestava também estranheza por ter sido oficiada pela Prefeitura, que cobrava da estatal uma solução definitiva para o caso do relógio da Western.
Rotary mantem compromisso pelo relógio
O impasse levou a promotora Ana Paula Cruz a convocar nova reunião entre os agentes interessados, ocorrida em 22 de setembro de 2011 com a presença do então presidente do Condepasa, José Manuel Costa Alves; do arquiteto do órgão de defesa, Vanderlei Hassan; dos representantes da Codesp, Francisco Vilardo Neto, assessor da presidência, e da advogada da estatal, Bernadete Bacellar do Carmo Mecier; dos representantes do Rotary, a conselheira Terezinha Calçada Bastos e o presidente do clube, Charles Ferreira Dias; além da representante da Secretaria Municipal de Cultura, Maria Inês Rangel Garcia e da Secretaria de Planejamento da Prefeitura, o arquiteto Ney Caldatto Barbosa.
O impasse sobre o local da obra continuava, até porque não era uma unanimidade entre os interessados (a Praça Nagasaki não era o local pretendido pelo Rotary, financiador do restauro). Diante disso, o Ministério Público decidiu não debater o assunto, passando a concentrar seus questionamentos em relação às fontes de financiamento utilizadas para garantir o projeto de reintrodução do relógio na cidade de Santos. A promotora Ana Paula indagou o Rotary se a entidade ainda tinha intenções de proceder ao projeto de proteção ao patrimônio, construindo a torre que o abrigaria. Ela pontuou que, caso o clube entendesse que deveria manter a proposta inicial, deveria apresentar novo projeto e aproveitou para elogiar a ação. “A atuação do Rotary é extremamente louvável e demonstra enorme boa vontade e compromisso público. No entanto, é voluntária, não tendo o Ministério Público como obrigar a entidade prosseguir no financiamento da execução da torre do relógio“.
O clube, então, manteve sua proposta inicial, de bancar a obra, e aprovou o projeto apresentado pela Prefeitura em 2010 (o da torre metálica de baixo custo). Foi ressaltado que ele deveria cumprir todos os ritos de aprovação junto ao Condepasa e outros órgãos competentes. O representante da Secretaria de Planejamento disse, então, que o Rotary ficaria responsável pela viabilização do projeto executivo da obra, que teria o acompanhamento da Prefeitura. Ficou esclarecido ainda que o clube teria ampla liberdade para captar os recursos, da forma que mais lhe fosse conveniente, bem como contratar as empresas de engenharia para a consecução do projeto executivo e da própria obra.
Aguardando a Prefeitura
Um ano depois da última reunião, o Rotary Clube de Santos respondia a uma indaga��ão do Ministério Público acerca do projeto. A representante da entidade, Terezinha Calçada Bastos, alegou que ainda estava esperando o envio de detalhamentos técnicos por parte da Secretaria de Planejamento da Prefeitura. Enquanto isso, o relógio ainda permanecia alocado na oficina improvisada no anexo do Teatro Coliseu, sob a guarda do técnico Antônio Rodrigues de Lima.
Em outubro de 2012, a Associação dos Empresários da Construção Civil da Baixada Santista (Assecob) foi indagada pelo Ministério Público se havia sido procurada para ajudar a dar uma solução ao caso do relógio. A entidade respondeu que apenas foi procurada por alguns dos interessados no tema, para opinar a respeito do anteprojeto arquitetônico elaborado pela Prefeitura Municipal em 2010.
Nova gestão municipal, mesmos impasses
Em fevereiro de 2013, a municipalidade, sob nova gestão (saiu o prefeito João Paulo Tavares Papa – 2005/2012, e entrou o prefeito Paulo Alexandre Barbosa), informava à promotoria que recebera pedido dos representantes do Rotary, solicitando alterações no projeto arquitetônico da torre. O novo secretário, Nelson Gonçalves da Lima Júnior, informou que procurou atender o pedido. Em novo comunicado, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (substituta da Secretaria de Planejamento) anunciou que estava desenvolvendo estudos para a implantação da torre nas cercanias do porto (na Bacia do Mercado), “em local onde possa ser integrado à paisagem como destaque que seu valor histórico requer e que tão logo seja concluído o projeto com a sua implantação“, conforme expediente encaminhado em 15 de julho de 2013.
Porém, o tempo ia passando, e nenhum movimento foi executado pela Prefeitura, Rotary ou qualquer outro interessado no processo. Em abril de 2014, depois de novamente inquirido sobre o caso pelo 13º promotor cível do MP, Luiz Claudio Bandeira (a promotora Ana Paula, que iniciou o processo, foi transferida para outra comarca), o secretário municipal de Desenvolvimento Urbano, Nelson Lima Jr, informou que os estudos de requalificação da área envolta ao Mercado Municipal estavam em fase de estudo preliminar. Nesta altura, havia um desenho da posição da futura torre no projeto da Bacia do Mercado. E só.
Arquivamento do caso
Em 30 de setembro de 2014, o novo 13º promotor, Rogério Pereira da Luz Ferreira, debruçou-se sobre o caso e chegou à conclusão de que o Ministério Público não tinha mais função qualitativa na questão. “Existem na Promotoria de Justiça de Santos mais de 200 inquéritos civis sob a presidência do 13º Promotor de Justiça de Santos. Portanto, é preciso usar a discricionariedade para levar adiante apenas as investigações que se mostrem necessárias. Aqui, como se viu, a sociedade civil, a municipalidade e a Codesp caminham juntas para levar uma boa solução para a preservação do relógio de importância histórica e cultural. Isso deixa ver que não se faça necessária a continuidade da intervenção do Ministério Público”.
Proposta do artista do Peixe
Neste meio tempo, em 2012, a então secretária de Turismo de Santos, Wânia Mendes Seixas, convidou o artista plástico Ricardo Campos Mota, o Rica, para lhe propor a criação de uma torre metálica de forma mais elegante, haja vista que a especialidade do escultor se concentrava em obras de aço, como o monumento “Peixe”, da entrada da cidade. Após elaborar o projeto que tornava a torre do relógio num mirante, com implantação, inclusive, de um elevador envidraçado, Rica foi levado a uma reunião com a representante do Rotary, Terezinha Calçada Bastos e o coordenador do Museu do Porto, Antônio Carlos da Mata Barreto, representante dos interesses da Codesp. Todos ficaram encantados com o design da proposta e garantiram que era a melhor apresentada até então. Ocorre que, com a mudança do governo municipal, a história ficou congelada, apesar de ter havido um ensaio de solução em 2013, quando a Petrobrás apresentou à cidade a proposta para a construção de uma praça de integração no Valongo, situada entre a Estação de Trem e o complexo da estatal petrolífera. Rica chegou a levar uma maquete do projeto da torre do relógio à reunião com os representantes da Petrobrás. Todos ficaram entusiasmados com a proposta e pela possibilidade de instalar a torre na referida praça. Porém, diante dos escândalos que se abateram sobre a empresa federal algum tempo depois, e o consequente fracasso do pré-sal da Bacia de Santos, a ideia acabou não evoluindo.
Apesar de não ter dado certo em relação à ideia da Petrobrás, Rica apresentou a proposta para a instalação da torre em dois locais distintos. A primeira era junto ao prédio da Alfândega, onde ela integraria com uma passarela moderna destinada aos usuários das barcas que fazem a travessia entre Santos e Vicente de Carvalho. E a segunda, defendida pela Codesp, era para a região de Outeirinhos, nas proximidades do complexo de oficinas da estatal portuária e do Museu do Porto. Ambas eram bem-vistas por Terezinha Calçada Bastos que, àquela altura, tinha assumido pessoalmente todas as despesas de manutenção do relógio, inclusive os pagamentos mensais do relojoeiro.
Torre na Ponta da Praia
Em 2017, o relógio da Western voltou a ocupar lugar nos noticiários, quando do lançamento, por parte da Companhia Docas do Estado de São Paulo, do projeto para a construção do Centro Integrado de Comando Operacional (Cicop), a ser instalado entre o Corredor de Exportação de Grãos e o Terminal Pesqueiro Público de Santos, na Ponta da Praia. A ideia era de que o Centro Operacional funcionasse em conjunto com outros diversos órgãos da cidade, como Defesa Civil, Corpo de Bombeiros, Polícia Militar, Guarda Portuária e Base do Plano de Ajuda Mútua do Porto de Santos, Guarda Municipal, Polícia Federal, Exército e Marinha. Na proposta urbanística, a estatal portuária sugeriu a construção de uma torre de 125 metros e no alto abrigaria o famoso relógio, contendo ainda um espaço-mirante, de uso turístico, acessado por um elevador panorâmico. O lugar traria a possibilidade de abrigar ainda, em seu núcleo, atividades extras, como restaurante, souvenir, café e outras. Porém, mais uma vez, a ideia só ficou no papel. E o relógio permaneceu esquecido na oficia de Seu Toninho Relojoeiro.
Instituto Histórico e Geográfico de Santos entra no jogo
No início deste ano de 2022, o Instituto Histórico e Geográfico de Santos, que passou a colaborar com a Autoridade Portuária (Santos Port Authority), substituta da Codesp, nas questões relativas ao destino dos acervos históricos do porto de Santos, por conta do processo de desestatização, tornou a falar do relógio da Western, exigindo soluções para o caso. O presidente da entidade, Sergio Willians, chegou a fazer uma transmissão ao vivo pela rede social Facebook, ao lado do relojoeiro Toninho e do artista plástico Ricardo Campos Mota, de dentro da oficina onde permanecia o velho equipamento inglês, informando a sociedade sobre o esquecimento do caso. “Depois da morte da Terezinha Calçada Bastos, ninguém mais assumiu o compromisso de dar um direcionamento para o relógio da Western, que é um patrimônio santista. Precisamos batalhar para que ele tenha seu lugar de destaque na cidade“, disse Willians na transmissão. O Instituto Histórico e Geográfico de Santos passou a defender a viabilidade do projeto do escultor Rica Mota por entender que ele propicia a valorização do equipamento, dotando-o de estética elegante e moderna, reforçando seu perfil de atração turística, uma vez que, além de abrigar o maquinário do relógio, a torre serviria de mirante.
O relógio
Construído em 1914, o relógio da Western Telegraph é dotado de quatro faces e diâmetro de 2,40 metros. Seu maquinário foi fabricado pela Gillet & Johnston, da cidade de Groydon, Inglaterra, com o número de produção 9.070. No coração do equipamento está gravado que o mesmo tem garantia do Rei George V. O cabo para dar corda no relógio possui 28 metros de extensão. O material básico empregado é bronze e ferro fundido. Quando foi desativado, o relógio foi desmontado e colocado em 22 caixas, com um peso total de 2.522 quilos. Só existem mais três relógios no mundo iguais ao da Western Telegraph de Santos. Um deles é o que fica na Estação D. Pedro II, no Rio de Janeiro. Os outros ficam na Europa.