Ainda que ameaçados por destroyers da Marinha de Guerra e de bombardeios aéreos, santistas resistem e “minam” entrada da Baía de Santos
Santos, 14 de julho de 1932. A cidade estava apreensiva, envolta por uma verdadeira ebulição de sentimentos, principalmente de consternação e sede de justiça. Havia apenas cinco dias, eclodira em São Paulo o movimento revolucionário que se insurgiu contra o ditador que tomara à força, em 1930, o controle do país, e conduzia com mãos de ferro o destino de todos os brasileiros. Milhares de santistas corriam para se alistarem nas frentes de combate. Naquele dia, uma quinta-feira, a primeira batalha já acontecia no município de Cunha, Vale do Paraíba. Outras frentes surgiriam a reboque, ao longo das divisas com o Rio de Janeiro, Minas Gerais e Paraná. As trincheiras necessitavam de bravos soldados paulistas para defender a causa constitucionalista. Santos estava a postos.
Apesar dos combates terrestres estarem teoricamente longe da urbe santense, a iminência de ataques aéreos e marítimos assombrava a população. Getúlio Vargas enviara dois “destroyers” da Marinha Nacional para bloquear, e inutilizar, o Porto de Santos, ou até mesmo tomar a cidade se fosse possível. Hidroaviões sobrevoavam sorrateiramente os céus da região e ameaçavam bombardear o Forte de Itaipú (e eles chegaram a jogar bombas na fortaleza em 16 de julho e em 5 de setembro), ao mesmo tempo em que minas marítimas eram lançadas na Baía de Santos por grupos de práticos voluntários, liderados por Quincio Peirão, objetivando impedir o avanço das embarcações “inimigas”.
Nas ruas da cidade, o ufanismo paulista entusiasmava corações e mentes. Na noite anterior, na Praça Ruy Barbosa, um grande comício atraíra centenas de santistas ávidos por ouvir palavras de alento e ordem. Discursaram grandes líderes, como Antônio Feliciano, José Amazonas e Waldemar Leão.
Manifesto direcionado aos marinheiros
A imprensa também se posicionava ao lado do povo e lançava apelos públicos pela causa de São Paulo. Houve até editorial cutucando a presença dos navios de guerra ditatoriais ao largo do litoral: “Destroyers da Marinha Nacional, que desde a época de Riachuelo* desaparecera em sua eficiência, até que o paulista Rodrigues Alves, na chefia da Nação, de novo a tornou digna de suas tradições e da grandeza da nossa terra, bordejam os mares da costa paulista, para que um descuido do Forte de Itaipú lhes facilite o acesso ao Porto de Santos, coração possante a distribuir sangue nas artérias do Brasil.
Foi aqui, dentro das nossas enseadas, onde se projeta a sombra da Serra do Cubatão, em cujo altiplano a energia bandeirante ergueu a trepidante cidade das usinas, das fábricas e dos titãs de cimento, que ensinamos o Brasil a combater contra os inimigos que do mar surgissem. Gente que há quatro séculos, com armas rudimentares e peitos em que o temor não entrava, corria à praia a afrontar as caravelas artilhadas do inimigo cobiçoso, não pode tremer hoje dos canhões que braços irmãos manejam. Bem sabemos que a marujada das belonaves que nos fiscalizam e nos espreitam, não pode sonhar em agressões a São Paulo. Mas desejaríamos que ela viesse a colaborar conosco em lugar de se fazer ao largo em sinal de ameaça. Aqui estamos para receber os soldados do mar brasileiro e os seus navios que o ouro de São Paulo pagou.
Se, porém, o delírio tomou essa gente nossa irmã e a transformou em adversária da grande pátria escravizada, nós lhe asseguramos, e fala conosco a velha alma santista, que estamos dispostos a repetir as façanhas e gestos dos praianos de Braz Cubas e de Tibiriçá. E quando tudo nos falhe, afirmamos aos feitores da ditadura que antes de a entregar, morreremos com a cidade”
Como se podia ver, o ardor pela causa constitucionalista corria as páginas de jornais e as ruas da cidade. Em 18 de julho, uma multidão de trezentos jovens santistas embarcou nos trens da São Paulo Railway com destino a São Paulo. O Valongo estava repleto de pessoas. Enquanto o exército paulista avançava nas frentes fluminense, mineira e paranaense, obtendo vitórias importantes, chegavam notícias tranquilizadoras para os santistas, que continuavam a defender seu porto da sana ditatorial.
Na Companhia Docas, o então inspetor Ismael de Souza, garantia que os trabalhadores do porto receberiam normalmente seus salários, mesmo eles sendo obrigados a paralisar suas atividades. “Podem cessar o trabalho, mas nós não abandonaremos nosso companheiros de labuta do cais”.
O derrotado triunfou sobre o vencedor
No começo de agosto, os combates se intensificaram na Serra da Bocaina, na divisa entre Rio de Janeiro e São Paulo. Aeronaves da ditadura sobrevoavam Santos, mas desta vez não causavam alarme na população. Os adversários tentaram bombardear, sem sucesso, os centros fabris de Cubatão. No dia 5, a Cruz Vermelha de Santos seguiu para a linha de frente. Os santistas começaram a contribuir para a campanha do “Capacete de Aço”.
Muitos fatos trágicos se desenrolaram até 28 de setembro, data que marcou o fim do armistício. Inúmeros santistas se dedicaram incansavelmente à causa constitucionalista, alguns sacrificando suas vidas e se tornando verdadeiros heróis. Embora a Revolução de 1932 não tenha sido vencida pelos paulistas, eles obtiveram uma vitória moral, demonstrando o espírito combativo de um povo que luta por seus ideais. O porto não caíra nas mãos inimigas! A promulgação de uma nova Constituição em 1934, aconteceu por resultado da luta incansável de São Paulo para colocar o Brasil no caminho da legalidade. Destarte, podemos afirmar que na guerra travada em prol de um Brasil livre, contra um Brasil subjugado, aquele que foi derrotado triunfou sobre o vencedor.
* Batalha de 11 de junho de 1865, que determinou a vitória do Brasil na Guerra do Paraguai