Santos, 28 de janeiro de 1888. Um jovem advogado, de 27 anos de idade, fluminense de nascimento mas, acima de tudo, santista de adoção, reconhecido por seus ideais abolicionistas e republicanos, não se conteve diante de uma das maiores polêmicas até então registradas no período imperial brasileiro: o da possível sucessão de D.Pedro II, cujas notícias era de que se encontrava doente terminal, por seu genro, o Conde D’Eu, esposo de sua filha, a princesa Isabel.
Antônio da Silva Jardim organizou um comício de desagravo aos boatos que se espalhavam pelas ruas das cidades brasileiras e eram repercutidos nas capas dos principais jornais do país. Jardim era partidário da ideia de os brasileiros terem a direito de decidir qual futuro político tomar. Defendia um plebiscito e que nele fosse escolhido o regime que fosse mais justo e democrático aos brasileiro: ou pela manutenção da monarquia ou pela escolha do regime republicano, no qual era ardoroso defensor.
Sua atitude em falar publicamente sobre o assunto era temerária. Jardim sabia dos risco que corria ao expor de forma aberta as suas ideias. Poderia ser visto como um conspirador, um traidor da pátria. Mas, ignorando os riscos, ousou. Convocou a população santista para que ouvissem suas palavras no Teatro Guarany, palco libertário, conhecido na cidade pelas cenas de alforria real, em benefício dos escravos ainda cativos da cidade.
Os santistas foram em peso, confirmando a história de um povo que sempre esteve na vanguarda na luta pelas causas justas, principalmente diante dos grandes e importantes assuntos de ordem nacional.
Mais de duas mil pessoas foram ao Guarany ouvir as palavras de Silva Jardim, que proferiu um discurso duro, forte. “A Pátria está ameaçada de perder o regime de liberdade pela usurpação de um príncipe estrangeiro, expulso de sua terra, o Sr. Conde D’Eu”. O jovem advogado aproveitou ainda para criticar a política de libertação dos escravos que, na opinião dele, engatinhava em relação às medidas adotadas em outros países. “Já causa piedade e asco ver que ainda tratamos disso. Uma única Lei de emancipação resolveria… pedimos perdão ao mundo de não tê-lo feito há mais tempo”
O comício de Santos foi assunto em todo o país. O discurso de Silva Jardim foi publicado na íntegra nos principais jornais republicanos, que não eram poucos, em São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Pernambuco, alçando seu nome como um dos grandes articuladores da campanha republicana no Brasil, tornando-o uma figura de projeção nacional.
Coincidência ou não, após o famoso discurso do Teatro Guarany, considerado o mais importante da campanha republicana brasileira, algumas situações começaram a mudar. Primeiro, com a libertação de todos os escravos do Brasil quatro meses depois, em 13 de maio. E no ano seguinte, com a Proclamação da República, em 15 de novembro.
Silva Jardim, apesar de seu importante papel nas duas questões, não fez parte do primeiro governo republicano, o que o deixou bastante frustrado, pois queria oferecer suas ideias para a nova construção nacional. Sempre deixou claro que a participação civil era fundamental no novo governo. Mas os militares companheiros de Marechal Deodoro o consideravam muito irrequieto. Preferiram chamar o comedido Ruy Barbosa, como principal representante da classe civil.
Assim, desiludido, decidiu ir para a Europa, para se aprofundar nos estudos do Direito. Em um de seus períodos de folga, em 1 de julho de 1891, resolveu visitar o Monte Vesúvio, na Itália, junto com um amigo, Carneiro de Mendonça. Na borda do imenso vulcão, ocorreu um tremor inesperado, que desequilibrou Silva Jardim. Uma fenda abriu-se às suas costas e arrastou para a morte um dos maiores nomes da campanha republicana brasileira. Silva Jardim desapareceu em meio à lava, tendo o amigo, que salvou-se, como testemunha desta partida inusitada a um homem que viveu a vida vibrante como o fogo.