Carolina Ramos – A voz santista no Universo das Trovas

Escritora completa 100 anos de uma vida dedicada ao mundo das letras

“A grande, a maior vitória,

que até hoje consegui,

foi remover da memória

as batalhas que perdi”

 

Rio de Janeiro, quinta-feira, 18 de junho de 1964. A brisa suave da manhã fazia um agradável contraponto à atmosfera frenética que caracterizava o entorno da histórica Praça Mauá, coração pulsante da Guanabara. No então cenário do Terminal Rodoviário Mariano Procópio, desembarcava uma moça, que vinha diretamente de Santos e corajosamente adentrava a vastidão urbana do Rio de Janeiro. E mal tocara o chão da Cidade Maravilhosa, logo iniciou a busca pelo próximo capítulo de sua jornada: uma viagem até Petrópolis, a venerável Cidade Imperial, onde, entre ecos de um passado glorioso e a reverência pelos 1º Jogos Florais da cidade, a entrega de um prêmio de grande prestígio a aguardava. Porém, ela não estaria sozinha.

Junto ao ônibus que subiria a formosa Serra da Estrela, um grupo especial a aguardava: eram os “trovadores”, escritores que dominavam a arte de criar poemas de quatro versos, cada qual contando sete sílabas que formavam uma única estrofe de sentido completo. Desconhecidos até então para a moça santista, eles acabariam se tornando uma influência marcante por toda a sua vida, introduzindo-a a uma nova dimensão poética.

A moça, então, se aproximou do grupo, seus olhos buscavam ansiosamente alguém cujas trovas eram intimamente conhecidas das páginas de revistas e jornais renomados. Procurava por Gilson de Castro, mais conhecido pelo pseudônimo “Luiz Otávio”, coroado “Príncipe da Trova” no Congresso Brasileiro de Trovadores e Violeiros em 1960. Embora nunca o tivesse encontrado pessoalmente ou visto sua fotografia, ela dirigiu-se diretamente a um cavalheiro elegantemente trajado, que se destacava em meio a uma conversa animada, e perguntou: “Com licença, o senhor é Luiz Otávio?”. Com um aceno afirmativo, ela então se revelou: “Sou Carolina, de Santos”. Os olhos do trovador se iluminaram instantaneamente. E se virou ao grupo: “Pessoal, o que eu disse há pouco? Qual foi a melhor trova do concurso?” Todos responderam, tal qual um coral: “A segunda colocada!”. Então, o Príncipe voltou-se para a moça santista e completou: “Eis aqui a autora, Carolina Ramos!”

Esta passagem foi determinante na trajetória poética desta que é uma das mais talentosas e idolatradas poetisas da história santista, que logo se tornaria a “Princesa das Trovas” ou “Dama das Trovas”.

A gênese de um gênio

Carolina Ramos veio ao mundo em 19 de março de 1924, única filha de Francisco Ramos e Alzira Hervelha Ramos. Seu lar de infância era uma casa singela na Vila dos Andradas, local hoje ocupado pela Rodoviária de Santos. Em seus primeiros anos, Carolina guardava memórias carinhosas de um homem que se juntava às suas brincadeiras infantis. Ele frequentemente visitava sua vizinha e grande amor, conhecida por todos como Rosinha. Este visitante não era outro senão o renomado poeta Martins Fontes, que em um gesto afetuoso, certa vez a ergueu em seus braços, depositando um beijo suave em sua face. Esse encontro precoce, permeado de gentileza e arte, talvez tenha sido o estopim que inoculou a jovem Carolina com a poesia, infundindo-a com uma dose generosa de talento e sensibilidade, marcando o início de uma jornada literária singular.

Desde muito cedo, Carolina Ramos se viu fascinada pelo mundo da literatura, graças a uma “arca do tesouro” repleta de livros infantis pertencente a Odila, a filha de um livreiro e sua vizinha. Ainda sem saber ler, ela mergulhava naquele universo mágico, explorando as ilustrações e histórias que formariam a base de sua paixão duradoura por personagens memoráveis do Sítio do Pica-Pau Amarelo de Monteiro Lobato.  Ao crescer, a jovem ampliou seu repertório literário, absorvendo obras de grandes nomes da literatura brasileira e mundial. Enquanto as obras de Monteiro Lobato ensinavam-lhe lições valiosas sobre a vida e a natureza, os clássicos de Machado de Assis e José de Alencar moldaram seu entendimento da complexidade humana. Porém, foi “Cartas a um Jovem Poeta”, de Rainer Maria Rilke, que a impactou profundamente, incitando-a a explorar sua própria voz poética. 

O início das escritas

Já estabelecida como esposa e mãe de dois filhos, Carolina Ramos mergulhou no mundo da poesia, abraçando a oportunidade de participar de concursos literários, inclusive internacionalmente. Um desses envios, o poema “A Lagarta e a Borboleta” destinado a um concurso em Portugal em 1961, rendeu-lhe uma honrosa premiação, chamando a atenção de Austregésilo de Athayde, então presidente da Academia Brasileira de Letras que, encantado pela expressividade de uma voz brasileira em Setúbal, assumiu o compromisso de entregar pessoalmente o prêmio à poetisa de Santos na sede da ABL, o que de fato aconteceu. 

Sua afinidade pelas competições literárias e a conquista de diversos prêmios com suas poesias clássicas precederam seu fascínio pela trova. Em 1964, na incursão a Petrópolis, veio a paixão pelo estilo trovadoresco. Conquistou o segundo lugar com a trova temática à “Vitória” (que encabeça este texto), estabelecendo uma trilha de sucessos daquele ponto em diante. A trova entrelaçou-se à essência de Carolina, conduzindo-a a vitórias em concursos nacionais e internacionais, e a estreita relação que estabeleceu com Luiz Otávio a partir dali solidificou seu status como a “Dama da Trova Brasileira”, inscrevendo seu nome entre os grandes literatos do Brasil, um orgulho da terra de Rui Ribeiro Couto, Vicente de Carvalho, Martins Fontes, Zezinha Aranha de Resende e tantou outros nomes que dão sentido à veia artística da gente santense.

Dentre as publicações de Carolina, que incluem mais de 25 livros lançados, destacam-se:

– “Sempre” (poesias) 1968

– “Cantigas Feitas de Sonho” (trovas) 1969

– “Espanha” (poema épico) – 1ª edição 1968

– “Espanha” (poema épico) – 2ª edição 1992

– “Trovas que Cantam Por Mim” (trovas) 1989

– “Interlúdio” (contos) – 1993

– “Feliz Natal” (contos natalinos) – 1ª edição 1998

– “Feliz Natal” (contos natalinos) – 2ª edição 2015

– “Liberdade… Sonho de Todos” (prosa – poesia – trova) 2010

– “Destino” (poesias) 2011

– “A Trova – Raízes e Florescimento” UBT – (antologia) 2013

– “Canta Sabiá” (folclore) 2021

– “Histórias que a Bisa Conta…” (infantil) 2022

– “Meus Bichos, Bichinhos e Bichanos” (infantil) – 2023

Carolina Ramos palestra no Senac em 1976

Carolina com o escritor Austregésilo de Athayde, presidente da Academia Brasileira de Letras

Carolina Ramos e Luiz Otávio (camisa escura, em pé, ao seu lado)

Carolina e o escritor Cláudio de Cápua, com quem se casou