Abrigando o mais antigo farol do litoral paulista, a Ilha da Moela é um recanto repleto de marcas e histórias curiosas.  

Baía de Santos, 30 de dezembro de 1591. Sob a luz pálida da lua, a Ilha de Itamarimbá* emergia da escuridão como uma sombra silenciosa no horizonte. O vento noturno sussurrava entre as árvores enquanto as ondas quebravam suavemente nas rochas. A bordo de um navio ancorado a poucos metros, alguns piratas trabalhavam em silêncio enquanto seus olhares atentos estavam voltados para a costa. Com passos furtivos, os homens enfim desembarcaram na ilha, carregando baús pesados repletos de riquezas saqueadas. Ouro, joias e artefatos brilhavam sob o manto noturno, refletindo a luz da lua. O corsário Thomas Cavendish, líder do grupo, com olhar aguçado, escolheu um ponto escondido entre duas grandes árvores. “Rápido, homens. Enterrem aqui. Este lugar nos guardará bem,” ordenou utilizando um tom baixo mas autoritário. Seus comandados, então, suando e arfando, começaram a cavar. Com os baús finalmente enterrados, os bucaneiros cobriram o local com folhas e galhos, apagando qualquer vestígio de sua presença. A ilha de Itamarimbá, agora guardiã de um tesouro, retornava ao seu silêncio misterioso, enquanto os piratas, satisfeitos, se preparavam para partir, deixando para trás um segredo que o tempo se encarregaria de proteger.

A história introdutória é, obviamente, totalmente ficcional, mas compõe uma das inúmeras lendas que cercam a memória de um dos lugares mais emblemáticos da região: a Ilha da Moela. Chamada Itamarimbá (do Tupi, pedras que protegem os peixes) pelos nativos, o lugar, além de suas histórias misteriosas, é abrigo do mais antigo farol do litoral, inaugurado em 31 de julho de 1830. O equipamento, ainda em plena atividade, presta inestimáveis serviços aos navegantes que demandam ao porto de Santos, guiando-os através das traiçoeiras águas e perpetuando a aura enigmática da ilha.

O primeiro proprietário

A história da Ilha da Moela, anteriormente conhecida como Itamarimbá, remonta ao século XVII, quando foi concedida a Gonçalo Nunes Chaves, conforme foi relatado pelo historiador e geógrafo Major Eufrásio de Azevedo Marques, autor de “Apontamentos Históricos, Geográficos, Biográficos, Estatísticos e Noticiosos da Província de São Paulo” (1876). 

A construção do farol

A Ilha da Moela começou a ter importância estratégica a partir de 1820, quando o Reino de Portugal passou a cobrar taxas dos navegantes que buscavam chegar ao porto de Santos pelo seu “facho de acesso” (uma espécie de pira alimentada com óleo de peixe) durante o período noturno. Essa arrecadação contribuiu significativamente para que o Primeiro Reinado providenciasse a construção de faróis no litoral de São Paulo, sob a administração da Junta de Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação. Em 1828, o Imperador D. Pedro I nomeou Paulo Freire de Andrade como projetista e responsável pela obra na Ilha da Moela, e a inauguração do farol e das demais instalações ocorreu em 31 de julho de 1830, tornando-o o mais antigo do litoral paulista.

Em 1852, o farol passou a utilizar querosene como combustível, emitindo uma luz fixa de cor branca. Em 1870, contava com três faroleiros, além de um barco de socorro com um patrão e seis remadores. Em 13 de maio de 1895, o antigo aparelho de luz foi substituído por um moderno sistema dióptrico (conjunto de lentes que promovia a refração da luz), montado em uma torre cilíndrica de alvenaria, com o plano focal elevando-se a 9,50 metros acima do solo e a 103,50 metros acima do nível do preamar, proporcionando uma visibilidade muito melhor para os navegantes. O aparelho, de origem francesa até hoje está preservado na ilha, ostentando o brilho de sua placa dourada com a inscrição “F.Barbier, Paris, 1891”.

Até metade do século XX, o sistema de luz por querosene funcionou bem, até ser substituído pela energia elétrica em 1953, aumentando o alcance da luz em mais 26 milhas. Com a chegada da eletricidade, foi instalada uma estação de meteorologia e um radiofarol com capacidade de alcançar 300 milhas náuticas. O farol, edificado no alto de uma rocha, em uma torre cilíndrica de 10 metros de altura, emite luz alternada com lampejos a cada 10 segundos, sendo alimentado por geradores que funcionam diuturnamente. A ilha também abriga as casas dos faroleiros e de seus familiares, uma guarnição da Marinha de Guerra e agentes de Atividades Marítimas e Fluviais.

Sob a jurisdição da Diretoria de Hidrografia e Navegação e da Capitania dos Portos do Estado de São Paulo, o farol da Moela, que completou seu sesquicentenário em 1980, continuou a ser uma sentinela vigilante do mar e um guardião das riquezas ocultas em algum ponto da ilha.

Um burrinho ajudante

Em 1992, a Marinha enviou um burrinho para ajudar os faroleiros em suas tarefas nos caminhos íngremes da ilha. Batizado de “Lampejo”, ele era considerado o “burro mais inteligente” do mundo pelos funcionários do farol, auxiliando incansavelmente nas atividades diárias e tornando-se uma figura querida entre todos.

Hoje em dia

O farol da Moela ainda desempenha seu serviço, mesmo em tempos de navegação por satélite e cartas náuticas digitais. Embora a tecnologia tenha avançado, o farol continua a ser uma presença vital para navegantes desavisados que podem ser pegos de surpresa. Assim, o farol mais antigo de São Paulo permanece vigilante, protegendo aqueles que buscam chegar ao porto de Santos e, talvez, guardando os segredos dos tesouros piratas ainda escondidos na ilha.

Uma lenda assombrada

Há uma lenda associada à Ilha da Moela que colabora ainda mais para seu misticismo. Segundo ela, durante a noite, os feixes brancos de luz emitidos pelo farol refletem vultos de pessoas mortas. Diz-se que esses espectros seriam de antigos escravos que lá trabalharam arduamente nas obras do farol e que ali mesmo faleceram. Tais espíritos, presos entre o mundo dos vivos e dos mortos, assombrariam os visitantes da ilha na tentativa de retornar ao continente. A presença dos fantasmas certamente adiciona uma camada de mistério e fascínio à já enigmática Ilha da Moela, tornando-a um lugar de interesse não apenas histórico, mas também sobrenatural.

Por que Moela?

A transição do nome Itamarimbá para Ilha da Moela ocorreu após o Século XVIII, devido à característica visual da ilha, cujo perfil lembra uma moela gigantesca. A peculiaridade topográfica inspirou o nome que carrega até hoje e contribuiu para a sua identidade e mística ao longo dos séculos.