A primeira visita de JK a Santos

Em 29 de janeiro de 1957, o presidente desembarcou na Baixada, cruzou o estuário, falou ao comércio e reafirmou rumos para café, câmbio, indústria e alianças.

Santos, 29 de janeiro de 1957. O porto acordou cedo, com guindastes em vigília, barcos costurando o canal e o vento do estuário empurrando a ressaca para longe. Quando a lancha da Base Aérea de Santos cortou as águas rumo ao cais, a cidade pareceu conter o fôlego: nela vinha o presidente da República, em sua primeira visita à terra que José Bonifácio brindara com destino de cidade-porta do Brasil.

Foi um dia de sol, formalidades e também de símbolos. Eleito em 3 de outubro de 1955 e empossado em 31 de janeiro de 1956, Juscelino Kubitschek chegou a Santos quase um ano depois de assumir — dois dias antes de completar o primeiro aniversário de governo. Ao longo de seus compromissos, chamaria Santos de “brasileiríssima cidade”, “o grande porto ativo do grande Estado ativíssimo”, imprimindo ao roteiro um tom de reconhecimento.

O protocolo se iniciou na Base Aérea da Bocaina, no Guarujá, com autoridades civis, militares e eclesiásticas perfiladas para a recepção. Do desembarque seguiu-se a revista à tropa e o traslado por lancha até o cais santista, onde trabalhadores e populares acolheram o chefe de Estado aos pés da Alfândega. Houve acenos, cumprimentos e a subida das escadarias antes da partida rumo ao primeiro compromisso solene.

JK chegando na Base Aérea de Santos

Na sede da Associação Comercial de Santos, JK assinou o livro de visitantes e ouviu a saudação do presidente da entidade, Alceu Martins Parreira. O dirigente evocou a tradição de uma casa que “batia as sandálias na soleira”, deixando fora interesses privatistas, para exercer um “munus público”. Do púlpito, o presidente devolveu o gesto com urbanidade democrática: “A circunstância de ter participado da luta política em campos opostos não excluía a possibilidade de entendimento”.

O encontro, ainda que não fosse o centro desta narrativa, estabeleceu a pauta do dia: inflação, crédito, comércio exterior e confiança no futuro industrial. Parreira reconheceu o peso do ajuste econômico; JK respondeu com a visão de que a estabilidade monetária caminhara junto da retomada da atividade, num esforço de governo para conter “a pressão inflacionária” sem estrangular a produção.

JK assina o Livro de Ouro da ACS

Na mesma tribuna, o presidente abordou com franqueza as relações internacionais. Saudou o acordo técnico em Fernando de Noronha como sinal de convergência estratégica com os Estados Unidos e defendeu uma colaboração mais ambiciosa. Pediu que se superasse a lógica do mero “Export-Import” para acolher “capitais geradores”, investimentos produtivos capazes de “enrijar o ativo” do país. “Precisam os industriais e homens de negócios… se convencerem de que não mais as relações com o Brasil devem ser colocadas no plano do ‘Export-Import’”, afirmou.

De Santos, a comitiva seguiu a Cubatão. Na Refinaria Presidente Bernardes e na Fábrica de Fertilizantes, ambas sob a Petrobras, JK percorreu instalações, pediu números de produção e ouviu explicações técnicas. A visita, meticulosa, dialogou com o plano de desenvolvimento: energia para a indústria automobilística que emergia e química de base para ganhos de produtividade no campo.

Ao retornar à orla, o presidente manteve a agenda com autoridades paulistas e lideranças empresariais. O tema comum foi o mesmo que passava pelos porões dos navios: como transformar superação de gargalos logísticos, crédito e câmbio em previsibilidade para o exportador e para o importador, sem perder o passo no combate à inflação. O diagnóstico convergiu para a necessidade de regras claras e instrumentos estáveis.

O almoço no Parque Balneário Hotel reuniu quase três centenas de convidados e trouxe um traço pioneiro: a cobertura ao vivo pela Sub-Estação do Canal 5. As câmeras circularam pelo salão, transformando o banquete em aula pública. Foram apenas dois discursos, diretos e substantivos. O empresarial registrou expectativas e cautelas; o presidencial reiterou metas e métodos, em tom de prestação de contas.

JK no Balneário

No assunto-chave — o café —, JK falou sem adornos: “Não faltará o meu governo ao café e aos cafeicultores”. Afirmou que a defesa do principal gerador de divisas passava por medidas “comprovadamente úteis”, como Regulamento de Embarque, financiamento adequado e combate à fraude. E cobrou corresponsabilidade no campo: “Precisamos oferecer aos nossos clientes cafés finos”, associando competitividade à qualidade e à produtividade, do terreiro ao porão do navio.

Houve, também, um recado de política econômica doméstica. O presidente ressaltou que o país não avançaria “apenas poupando” ou permanecendo na defensiva: seria preciso “criar e provocar prosperidade”, abrindo portas aos investimentos produtivos. Rechaçou caricaturas sobre “capital colonizador” e preferiu falar em alianças que preservassem a soberania e acelerassem a industrialização.

Entre uma solenidade e outra, a cidade viu passar um cortejo de nomes conhecidos — o governador Jânio Quadros, parlamentares, chefes militares, dirigentes do sistema financeiro e lideranças do comércio. No melhor sentido da palavra, foi um dia de Estado: o porto, a refinaria, a fábrica, a tribuna e as câmeras compondo o mosaico de um Brasil que se pretendia moderno.

Encerrado o banquete, JK visitou as obras do A.P.I., reforçando a mensagem de que infraestrutura urbana e crescimento caminhavam juntos. O fecho da jornada retomou a cena portuária: no cais, sob o compasso dos guindastes, o presidente embarcou no cruzador “Almirante Barroso” de volta ao Rio de Janeiro, deixando atrás de si discursos, compromissos e a assinatura recém-inscrita em um livro de visitas que a cidade trata como relíquia.

Ao fim, Santos testemunhou o que esperava ver: um presidente que, quase um ano após a posse, quis medir de perto o pulso do maior porto exportador de café, falar a uma plateia exigente e registrar, com frases curtas e promessas objetivas, que havia método e direção. “Somos um país importante”, disse, lembrando que o nacionalismo que se preza “é a favor e não contra a Nação”. Naquela terça-feira luminosa, a Baixada respondeu com o eco das marés: ouviu, debateu e quis cobrar — como convém a uma cidade que aprendeu, muito cedo, a pensar o Brasil a partir do cais.

JK na Associação Comercial de Santos