A santista que brilhou com The Platters

Em uma noite inesquecível no Caiçara Clube, em 1973, Ivone dos Santos Silva encantou Monroe Powell, tornou-se Maria Sílvia e levou o samba santista aos palcos do mundo

Santos, 8 de setembro de 1973. O salão do Caiçara Clube pulsava ao som das vozes envolventes de um dos maiores grupos vocais do mundo. The Platters, em passagem pelo Brasil, subia ao palco do famoso clube do José Menino com um repertório de sucessos imortalizados como Only You, The Great Pretender e Smoke Gets in Your Eyes. Casais enamorados se embalavam nas melodias que marcaram uma geração, enquanto a brisa morna da primavera santista tornava a noite ainda mais suave.

Entre os espectadores estava Ivone dos Santos Silva, uma jovem de 18 anos, nascida e criada na terra de Braz Cubas e Quintino de Lacerda. Amiga do fotógrafo Antônio Vargas, ela compartilhava com ele o interesse pelas artes e pela cultura afro-brasileira. Ivone observava, fascinada, as backing vocals negras que acompanhavam o grupo norte-americano. Ao vê-las brilhar sob os refletores, despertou nela o desejo de seguir o mesmo caminho, de mostrar que o talento e a beleza negra brasileira também poderiam alcançar os grandes palcos do mundo.

Logo após o espetáculo, o destino tratou de unir sonho e oportunidade. Monroe Powell, vocalista principal dos Platters, foi informado de que uma jovem local havia assistido ao show da primeira fila, completamente encantada. Pediu para conhecê-la. O encontro, ainda que breve, foi suficiente para causar forte impressão. Mesmo com a dificuldade do idioma, a conversa fluiu entre sorrisos e gestos, e Powell a convidou para um teste vocal nos dias seguintes. Do convite nasceria Maria Sílvia, o nome artístico que Ivone adotaria ao ingressar no lendário conjunto norte-americano.

Samba incorporado ao repertório

Naquele início da década de 1970, o The Platters vivia uma fase de renovação artística, preparando uma extensa turnê internacional e buscando incorporar novos ritmos e referências culturais. Foi nesse contexto que Maria Sílvia teve a rara oportunidade de “estar no lugar certo, na hora certa”. Monroe Powell desejava incluir artistas brasileiros nas apresentações, com o intuito de dar espaço ao samba em sua forma mais genuína.

O fotógrafo Antônio Vargas, que acompanhou de perto toda a trajetória da amiga, percebeu naquele convite um sinal — a prova de que o talento negro precisava apenas de oportunidades para se afirmar. Observando o interesse dos norte-americanos em valorizar o samba autêntico, distante do estilo mais “americanizado” de Sérgio Mendes, Vargas vislumbrou a possibilidade de criar um movimento capaz de revelar novos artistas. Assim, dois meses após o show dos Platters, nascia o Modenegro, projeto pioneiro voltado à formação e promoção de jovens negros nas áreas da moda, dança, teatro e música.

Sucesso na Europa

Maria Sílvia não permaneceu por muito tempo no elenco do The Platters, mas sua passagem foi importante. Ela participou de apresentações do grupo norte-americano em países europeus e também no Japão, levando o carisma brasileiro a plateias internacionais. Em 1975, decidiu retornar ao Brasil e voltou a colaborar com Antônio Vargas no fortalecimento do Modenegro, contribuindo para a formação de novos talentos negros na cena artística santista.

Embora breve, sua trajetória ao lado do The Platters representou um feito notável: uma jovem santista, negra e talentosa, nos palcos de um dos conjuntos vocais mais prestigiados do mundo. 

O que foi o Modenegro

Criado em novembro de 1973, o Modenegro nasceu em Santos com o propósito de exaltar a criatividade e a expressão artística do homem negro, buscando sua plena integração social. Formado por cerca de cinquenta jovens entre 15 e 30 anos, o grupo realizou sua primeira apresentação pública na sede da Escola de Samba X-9, com o espetáculo Samboa — um misto de samba e moda que unia desfiles, coreografias afro-brasileiras e ritmos de atabaques.

Sem sede própria, o grupo utilizava as dependências do Centro Cultural Itamaraty, na Rua Espírito Santo, onde os participantes recebiam formação artística completa. As atividades incluíam aulas de teatro, dança, dicção e etiqueta. A proposta de Vargas era clara: abrir novos caminhos para a juventude negra, oferecendo aprendizado e visibilidade. Ainda em seus primeiros meses de existência, o Modenegro já planejava apresentações no interior paulista e pretendia levar ao exterior o espetáculo de samba e moda que o consagrou na Baixada Santista.

Breve biografia do grupo The Platters

Formado originalmente em 1952, em Los Angeles (EUA), sob o nome The Flamingos, o grupo logo adotou o nome definitivo The Platters, tornando-se um dos conjuntos vocais mais bem-sucedidos da história da música popular norte-americana. A formação inicial contava com Herb Reed, Tony Williams, David Lynch, Paul Robi e Zola Taylor — esta última, a primeira mulher a integrar um grupo de rhythm and blues de destaque.

O grande sucesso chegou em 1955, quando assinaram contrato com a Mercury Records e lançaram os clássicos Only You (And You Alone) e The Great Pretender, que se tornaram marcos da era do doo-wop e abriram caminho para uma sequência de hits. Entre 1955 e 1967, o The Platters emplacou 40 singles nas paradas da Billboard Hot 100, sendo quatro deles número um, consolidando sua reputação como um dos grupos vocais mais populares do mundo.

Ao longo das décadas, várias formações se sucederam: Tony Williams deixou o grupo em 1961, sendo substituído por Sonny Turner; no ano seguinte, Zola Taylor deu lugar a Sandra Dawn. Em 1966, Paul Robi saiu, dando lugar a Nate Nelson, e foi nesse período que Monroe Powell assumiu os vocais principais, trazendo nova força e presença de palco ao grupo, com uma sonoridade mais moderna e internacional — a mesma que o levaria, nos anos 1970, a excursionar por diversos países, incluindo o Brasil.

O grupo recebeu reconhecimento formal em 1990, quando foi incluído no Rock and Roll Hall of Fame, e continuou ativo mesmo após a morte de seus principais integrantes: Paul Robi (1989), Zola Taylor (2007), Herb Reed (2012) e David Lynch (2019). Hoje, diferentes formações mantêm viva a herança dos Platters, com destaque para a versão liderada por Kevin Carroll, que continua a apresentar, em palcos de todo o mundo, o repertório imortal de baladas que definiram uma era.